“Dizem que a mulher é o sexo frágil, mas que mentira absurda. Eu que faço parte da rotina de uma delas sei que a força está com elas”. Erasmo Carlos não conheceu Silvani Maria, de 41 anos, mas bem que poderia ter dedicado a canção “Mulher” a ela por descrevê-la com tamanha maestria, sem ao menos conhecê-la. E é com essa mesma bravura que Silvani mata um leão por dia para provar que o sexo feminino pode ganhar mais espaço no futebol. Contratada pelo São Cristóvão, clube que revelou Ronaldo e que disputa a segunda divisão do Campeonato Carioca, no início do ano para desempenhar a função de gerente de futebol, Silvani faz questão de trabalhar além de sua carga horária para mostrar que as mulheres também têm competência para assumir um cargo basicamente ocupado por homens no Brasil. E desde então, já são 11 anos de luta.
Silvani começou a se interessar pelo futebol ainda quando criança. Influenciada pelas brincadeiras dos irmãos, se tornou lateral-direito de um time amador e resolveu mudar de vida após se separar do marido há 12 anos. O fim do casamento a motivou iniciar um curso de gestão desportiva e fechar o próprio negócio. Encerrou o bufê de festas e trabalhou durante seis meses sem nenhuma remuneração no Santa Cruz Futebol Clube. Homens não costumam passar pelo “prazo de experiência”, mas mesmo com a condição especial aceitou o novo desafio.
Aprovada com êxito no “teste”, Silvani ganhou um contrato (e um salário) e permaneceu por cinco temporadas no clube. “Fiquei os primeiros meses sem receber para provar que tinha competência para assumir o cargo. Depois, fui para o Grêmio Magaratibense fiquei um ano, retornei para o Santa Cruz para as temporadas 2013 e 2014 até chegar aqui, no São Cristóvão”, contou ela em entrevista ao iG por telefone.
O São Cristóvão resolveu contratar a dirigente depois de observá-la em três jogos realizados contra o Santa Cruz. “Como diretor executivo de RH (recursos humanos) eu sempre primei em dar oportunidades para todos. E contratar a Silvani foi uma forma de inovar o processo. A mulher tem uma visão privilegiada e esse é o grande diferencial. A mulher é criativa, busca alternativas nas adversidades e consegue superar a limitação financeira, além da relação intimista e pessoal que possui. É um privilégio do São Cristóvão ter uma mulher como gestora”, enalteceu o diretor executivo Marcos Barcellos.
Entre as atribuições de Silvani está coordenar o processo de logística do time, cuidar de todos os trâmites legais junto à Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro), discutir termos de contratos e fazer o meio campo entre diretoria e comissão técnica. Também cabe a ela responder pelo clube quando o presidente e o diretor executivo estão ausentes. E tem total liberdade para tomar as decisões.
No início, porém, a gerente de futebol precisou ignorar olhares tortos – inclusive de próprias mulheres – para continuar na carreira. “Muitos olham e perguntam: ‘O que essa mulher está fazendo aqui?’. O futebol é muito machista e preconceituoso, mas por incrível que pareça eu tenho muito incentivo dos homens. O que eu percebi é que existem muitas mulheres machistas também. Por exemplo, depois de divulgarem uma entrevista que eu dei a um jornal do Rio, uma mulher escreveu: ‘Maria sapatão, de dia é Maria, de noite é João’. As pessoas acabam levando para o outro lado. Mas quando o trabalho é bem feito faz a diferença. Eu e meu filho rimos do comentário depois”, contou.
Apesar de se considerar metódica e linha dura, Silvani Maria foi aos poucos transformando os olhares de desconfiança em respeito e profissionalismo. Os jogadores do São Cristóvão que antes ficaram espantados com a postura forte dela agora são fieis escudeiros, como relatam funcionários do clube. Para Marcos Barcellos, a relação vai além. “A mulher é a única pessoa capaz de ser mãe. Quando ela engravida é um processo diferente que vai mudar para sempre a vida dela. E quando passa a ser mãe, ela também começa a traçar metas empresariais e, assim como no futebol, precisa perseguir. Eu acho que a mulher tem uma força única. Estamos felizes e satisfeitos com a Silvani aqui”, declarou.
Mãe de Yuri Oliveira, de 17 anos, Silvani se divide entre o Rio de Janeiro e a cidade de São Pedro da Aldeia, onde vivem os familiares, e tem de provar todos os dias ter qualidade para continuar no posto diretivo. A constante batalha de Silvani é uma das diversas histórias que merece ser homenageada no dia internacional da mulher.
Fonte: iG