Apesar da queda do consumo de cerveja no país nos últimos 3 anos, o número de fabricantes, marcas e rótulos da bebida se multiplicou, o setor voltou a criar vagas e a quantidade de trabalhadores retomou o patamar pré-recessão. Por trás desse aquecimento da atividade, está o fenômeno mundial das cervejas artesanais, que vem conquistando cada vez mais novos empreendedores e consumidores.
Segundo os dados oficiais, o número de cervejarias registradas no Brasil cresceu 91% nos últimos 3 anos, saltando de 356 estabelecimentos em 2014 para 679 em 2017. Somente no ano passado, o país ganhou 186 novas fábricas.
Já o número de cervejas e chopes registrados chegou a 8.903 no ano passado, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o que corresponde a uma média de 13 rótulos para cada marca.
Mais de 80% das cervejarias estão concentradas nas regiões Sul e Sudeste, mas já há estabelecimentos espalhados em todos os estados do país, com exceção do Acre e Amazonas.
Amigos investem R$ 2 milhões em fábrica em SC
Entre os novos empreendedores que decidiram apostar no setor está o engenheiro Davi Zimmermann, de 41 anos, que decidiu trocar a construção civil pela cerveja. Com mais dois amigos como sócios e investimento inicial de R$ 2 milhões, ele inaugurou neste mês em Blumenau a Alles Blau, em uma área de 900 metros quadrados e produção de 50 mil litros por mês.
A fábrica começou a operar com 6 funcionários, mas planeja chegar a 18 até o final do ano caso alcance a meta de triplicar a produção.
Ele estima que o mercado brasileiro ainda vai crescer pelo menos uns 10 anos consecutivos. "O grande desafio para as cervejas artesanais é cair no gosto do grande público e conseguir dar volume para ter um preço competitivo", afirmou.
Mais cervejeiros
A maioria das cervejarias artesanais costuma ter atuação regional e empregar poucos funcionários. Mas de grão em grão se tem feito muita cerveja e criado oportunidades de trabalho em diferentes pontos do Brasil.
Dados da Associação Brasileira da Cerveja Artesanal (Abracerva) mostram que são os pequenos e médios negócios que têm garantido o crescimento do número de trabalhadores no setor.
Desde 2015, as fábricas com mais de 99 funcionários cortaram 1.184 postos de trabalho, enquanto que as empresas com até 99 empregados criaram 1.549 vagas, o que resultou em um acréscimo de 365 trabalhadores formais no setor.
"Quem segurou os empregos no setor foi seguramente as pequenas cervejarias", afirma o presidente da Abracerva, Carlo Lapolli.
Ele destaca, ainda, que os números oficiais de trabalhadores não incluem o universo de profissionais que atuam nas chamadas cervejarias ciganas, que são negócios constituídos formalmente com comercialização de marcas próprias, mas que terceirizam a produção.
Puxado pelas contratações das pequenas cervejarias, o número de trabalhadores no setor retomou o patamar de 36 mil empregados no final de 2016, após dois anos de cortes em meio à crise econômica e reestruturações decorrentes de fusões e aquisições no setor. Isso fez com que as contratações voltassem a superar as demissões.
A Caatinga Rocks, lançada em 2017 em Maceió, por exemplo, aumentou o seu quadro de funcionários de 1 para 5 em menos de 1 ano. Com um investimento de R$ 1 milhão e financiamento da agência de desenvolvimento do Estado de Alagoas, os irmão Marcus e Rafael Leal decidiram transformar a produção caseira em negócio profissional com "identidade nordestina" e uso de ingredientes locais como umbu e cacau e coco queimado.
"Nossa proposta é fazer produto de excelência. Podíamos criar um produto de massa, mais barato, mas optamos por um produto com maior valor agregado", afirma Rafael.
Em 1 ano, a produção da cervejaria subiu de uma média de 3 para 10 mil litros/mês. “Apesar de termos nascido em um momento difícil, foi um ano realmente muito bom”, comemora.
Para o presidente da Abracerva, a multiplicação das pequenas cervejarias representa uma quebra de paradigma, na medida em que tem mostrado que utilizar mais pessoas para produzir menos litros de cerveja pode contribuir para o reaquecimento e inovação de mercados consolidados e centenários como o de cerveja.
Há espaço pra mais
Apesar do boom dos últimos anos, a avaliação do setor é que ainda há muito espaço para novas cervejarias. Hoje a fatia de mercado das cervejarias artesanais ainda é marginal e trata-se de um segmento de nicho.
O presidente da Abracerva afirma que o potencial de crescimento ainda é enorme, e cita os Estados Unidos, onde já existem cerca de 6 mil cervejarias.
"Tem muito projeto em andamento e para sair este ano. Vivemos até agora apenas a pré-história da cerveja artesanal no Brasil".
Pequenas têm 1% do consumo
A associação estima que a produção artesanal responda por apenas 1% do volume total e por cerca de 2,5% da receita de vendas no país. "Acreditamos que poderemos multiplicar por 3 ou 4 num horizonte de 10 anos", afirma Lapolli.
A Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), que reúne as 3 gigantes do mercado brasileiro (Ambev, Heineken e Petrópolis), estima que as marcas dos três grupos responderam por 95% de toda a produção brasileira no ano passado.
O mais curioso do avanço das cervejas artesanais e especiais é que até agora o fenômeno parece estar sendo um bom negócios tanto para os novos empreendedores quanto para as gigantes do setor, que também passaram a apostar em receitas especiais e aquisições. A cervejaria Colorado, por exemplo, foi comprada em 2015 pela Ambev.
Consumo menor, qualidade maior
Segundo dados da Nielsen, as vendas totais de cerveja caíram 1,7% em volume em 2017 ante o ano anterior, enquanto que o faturamento cresceu 1,6%, impulsionado pelo crescimento de 13% das vendas de cervejas premium e artesanais, o que segundo os analistas confirma uma tendência mundial de beber menos, mas melhor. Ou seja, as empresas estão vendendo menos volume, mas por outro lado estão conseguindo elevar a penetração de rótulos mais caros.
A participação do segmento de cervejas premium nas vendas totais saltou de 7% em 2007 para 11% em 2016, de acordo com dados da Euromonitor. O número inclui as cervejas artesanais, mas também bebidas importadas e rótulos especiais ou simplesmente mais caros do portfólio dos grandes fabricantes.
A Ambev, por exemplo, registrou alta de 0,7% no volume de cerveja vendido no ano passado, mas as receitas da categoria cresceram em ritmo maior, de 6,3%.
Consumo per capita estagnado
Segundo os dados da Euromonitor, o consumo per capita de cerveja no Brasil caiu em 4 anos de uma média de 67,8 litros por cada brasileiro para menos de 60,7 litros ao ano. Nos EUA, por exemplo, a média está acima de 80 litros. Já em países como Alemanha, Irlanda e Republica Tcheca, passa de 100 litros.
Para o diretor executivo da CervBrasil, Paulo Petroni, a estagnação do consumo per capita de cerveja no Brasil nos últimos anos se deve muito mais à forte recessão do que a uma mudança nos hábitos de consumo.
"Vemos com bons olhos essa explosão de empreendedores no segmento. E não é bondade. É uma questão econômica e de competitividade mesmo. Quanto mais elevarmos a renda per capita no Brasil, mais o mercado de cerveja irá crescer. Entendemos que o efeito multiplicador do empreendedorismo na ampliação do consumo irá suplantar uma eventual perda de pontos de share", disse.