O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) estuda conceder um reajuste salarial a policiais, que compõem parte do seu eleitorado, no ano em que buscará se reeleger. Para isso, espera contar com o espaço no Orçamento aberto pela PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que dribla o teto de gastos.
O governo ainda avalia quais carreiras seriam contempladas, mas ao menos três estariam já na lista, a pedido do chefe do Executivo: policiais federais, policiais rodoviários federais e policiais penais.
O presidente comentou em Dubai, nesta segunda-feira (15), a possibilidade de atender demandas de servidores. "Daí dá para a gente atender [com a PEC dos Precatórios] os mais necessitados, dá para atender a questão orçamentária, pensamos até em obviamente, dado o espaço que está sobrando, atender em parte os servidores", disse, em entrevista à imprensa concedida durante participação na Expo 2020, exposição internacional que ocorre no emirado do Golfo Pérsico.
Ainda que esteja num estágio inicial, auxiliares do presidente acreditam que o custo fique abaixo de R$ 2 bilhões. Mas o impacto e a porcentagem do reajuste dependem de uma decisão do presidente.
O cálculo de auxiliares palacianos e da equipe econômica leva em conta que boa parte do espaço no Orçamento com a PEC dos Precatórios já está tomada. A proposta permite ao governo gastar R$ 91,6 bilhões em 2022 sem a necessidade de cortar outras despesas.
Dessa forma, caberá ao presidente decidir quanto e de onde vai querer tirar recursos no ano que vem. Na semana passada, ele também anunciou que pretende renovar a desoneração da folha de pagamento de 17 setores por mais dois anos.
O prazo para decidir sobre o reajuste dos policiais depende do andamento da proposta no Congresso. E as alterações na proposta de Orçamento de 2022 devem ser encaminhadas junto com outras mudanças para deputados e senadores aprovarem.
O Ministério da Economia estuda há pelo menos três meses a possibilidade de um aumento para servidores, que estão com salários congelados desde o começo do governo.
O impacto fiscal decorrente de uma medida do tipo era estimado entre R$ 5 bilhões e R$ 15 bilhões no começo das discussões, de acordo com interlocutores da equipe econômica ouvidos pela reportagem.
Desde o começo, no entanto, a equipe econômica manifestava a existência de dificuldades para um aumento maior e dizia que os valores para o aumento poderiam ficar abaixo de R$ 5 bilhões.
Segundo relatos, foi constatado que não haveria espaço para valores muito altos. Cálculos a que auxiliares palacianos tiveram acesso mostrariam que um reajuste baixo, de cerca de 1%, para todas as carreiras do funcionalismo, custaria cerca de R$ 3 bilhões.
No entendimento deles, conceder reajuste muito abaixo da inflação teria um impacto político mais negativo do que positivo. Assim, a ideia é contemplar carreiras menos numerosas. Ainda há possibilidade de outras também receberem o reajuste em estudo.
O próprio presidente teria solicitado prioridade para as carreiras policiais. Nos últimos anos, elas têm se queixado de terem sido deixadas de lado por Bolsonaro, ao contrário das carreiras militares.
Em mais um aceno a eles, em setembro, o governo federal lançou o programa de habitação para policiais. Elaborado pelo Ministério da Justiça, o Habite Seguro contou com R$ 100 milhões disponíveis em 2021, contemplando policiais que recebem até R$ 7.000 por mês.
Bolsonaro também autorizou apenas concurso público para a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, neste ano, com três mil vagas.
O drible no teto de gastos incluído na PEC dos Precatórios eleva o déficit nas contas públicas e o endividamento do país. O Brasil está no vermelho desde 2014, sua dívida passa de R$ 5,4 trilhões e os custos com juros são pagos pela sociedade como um todo.
Apesar de dizer que a PEC vai permitir o aumento dos valores do Auxílio Brasil, o texto não diz para onde os recursos deverão ir. A oposição diz que a medida representa um cheque em branco em recursos públicos para Bolsonaro gastar. Governo e aliados têm interesse em outras despesas, como um auxílio para caminhoneiros e até recursos para emendas parlamentares.
No caso dos servidores, a sinalização é feita após o governo não conseguir fazer avançar sua proposta de reforma administrativa. Bolsonaro já disse que, caso ela não seja aprovada neste ano, ficará para o presidente escolhido nas próximas eleições.
O presidente voltou a dizer que a emenda dos precatórios não representa um estouro do teto, como afirma a maioria dos economistas. Na versão bolsonarista, ela foi feita para respeitar e disciplinar o limite de gastos.
"Tínhamos previsto pagar em torno de R$ 30 bilhões [de precatórios] no ano que vem, passou para quase R$ 90 [bilhões]. Essa diferença tem que entrar no teto. Se entrar no teto, a gente para o Brasil. E nós não queremos romper o teto", afirmou.
Parte da comitiva do presidente, o ministro da Economia, Paulo Guedes, pintou mais cedo um cenário positivo para as contas públicas do Brasil, dizendo que ajudam a manter um nível de crescimento robusto.
Ele disse que o Brasil, neste ano, deve atingir a marca de meio trilhão de dólares de corrente de comércio, que é a soma entre as exportações e as importações.
Tudo resultado, afirmou, das mudanças de mentalidade do governo, mais orientado para o setor privado.
"O governo brasileiro gastava muito e gastava mal. A economia era o paraíso dos rentistas e o inferno dos empreendedores. O eixo de crescimento vai ser o setor privado. Essa é a grande transformação que faremos no Brasil", declarou Guedes.