Foto Wilton Junior / Estadão
Após anos de resistência das Forças Armadas, o governo federal vai ser obrigado a colocar na ponta do lápis os compromissos presentes e futuros das aposentadorias e pensões dos militares da Aeronáutica, Marinha e do Exército. O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou em 2015 que a contabilidade do passivo atuarial fosse feita, mas só agora, em meio à pressão por conta da reforma da Previdência, a Casa Civil vai criar oficialmente um grupo de trabalho interministerial para abrir a “caixa-preta” dos benefícios dos militares.
O Estado apurou que o grupo já funciona informalmente, e os nomes para a formação dessa força-tarefa devem ser indicados em breve. Hoje, o Tesouro Nacional divulga quanto foi gasto no ano com esses benefícios, mas o passivo futuro não é devidamente dimensionado, o que é um problema para o cálculo do déficit da Previdência do setor público para as próximas décadas. Essa conta é importante para planejar a evolução não só das despesas, mas também da dívida pública brasileira.
A Previdência dos militares das Forças Armadas é uma das principais polêmicas no debate sobre mudanças nas regras de aposentadoria no Brasil. Os militares pressionam para ficar de fora da reforma, mas o governo prometeu isonomia nas regras.
As Forças Armadas fazem uma contabilidade paralela, e desconsideram o valor das reservas remuneradas como despesa previdenciária. O impasse ficou claro na divulgação da proposta de reforma da Previdência, em dezembro, quando o Ministério da Fazenda informou que o rombo da categoria era de R$ 34 bilhões e, no mesmo dia, foi rebatido pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, que calculou o déficit em R$ 13 bilhões.
Acesso. O Tesouro Nacional tentava há anos ter acesso à contabilidade dos militares, mas não tinha os instrumentos legais para isso. Em 2015, o TCU deu 180 dias para que o Ministério da Defesa e o Tesouro realizassem os cálculos para identificar o passivo atuarial dos benefícios militares. No acórdão, a corte de contas rebateu o argumento das Forças Armadas contra a medida. “A equipe de auditoria considerou que os gastos com inativos militares, apesar de serem custeados com recursos do Tesouro e não possuírem fonte própria de contribuição como as pensões militares, caracterizam despesas de natureza previdenciária”, diz o parecer da Secretaria de Controle Externo da Previdência, do Trabalho e da Assistência Social (SecexPrevidência), do TCU.
A Defesa pediu um reexame da decisão, o que interrompeu a contagem do prazo. O recurso foi julgado em novembro. Na ocasião, outra unidade técnica do Tribunal, a Secretaria de Recursos (Serur), posicionou-se favoravelmente aos militares, dizendo que a divulgação dos números “beira as raias da inconstitucionalidade”. Só que o relator do recurso, ministro Vital do Rêgo, discordou dessa avaliação e negou o reexame. “O acórdão anterior vale na íntegra, e o prazo de 180 dias passou a correr a partir desta última deliberação”, informou o TCU em nota.
Embora esteja trabalhando informalmente, o grupo que vai finalmente jogar luz sobre esses dados ainda não foi formalizado. Isso ainda depende da assinatura de outras pastas envolvidas na operação além da Casa Civil. A conclusão dos trabalhos não terá prazo regimental, mas a determinação do TCU prevê que dentro desses 180 dias os cálculos estejam regularizados. Em resposta, o Ministério da Defesa disse desconhecer informação sobre resistências a essa auditoria nos números.
A revelação dos cálculos sobre o passivo futuro com os militares deve acirrar a discussão sobre benefícios da categoria, que ficou de fora da reforma da Previdência que tramita no Congresso. Pelos dados atuais já se sabe que a realidade entre aposentados e pensionistas do INSS, do setor público e das Forças Armadas é bastante distinta.
Em 2016, os inativos militares receberam em média R$ 9,7 mil ao mês, enquanto as pensões pagaram em média R$ 9,2 mil (neste caso, um benefício pode ser distribuído a um ou mais pensionistas, desde que o somatório não ultrapasse o valor que o militar destinou aos dependentes). Já os servidores públicos aposentados receberam em média R$ 7,6 mil, enquanto o valor dos beneficiários de pensões ficou em R$ 6 mil. Os benefícios médios do INSS, por sua vez, ficaram em R$ 1.283,93 no ano passado.
As Forças Armadas querem que o pagamento dos benefícios continue como é hoje, mas a área econômica considera a mudança necessária, não só por questões financeiras, mas também porque a tese de defesa da reforma que já está no Congresso Nacional é que as novas regras valerão para todos. O governo, no entanto, ainda não apresentou o projeto para tratar exclusivamente dos militares como havia prometido. Na semana passada, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que a questão só será endereçada depois de aprovada a reforma em tramitação.
Fonte: Estadão