A respeito da medida provisória que exige de alunos ingressantes nos cursos a partir de 2015 dois anos de estágio obrigatório do Sistema Único de Saúde (SUS), há mais perguntas do que respostas no meio acadêmico. Prevista no programa Mais Médicos, a mudança deve ser avaliada e regulamentada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) no próximo semestre. A medida provisória, assinada pela presidente Dilma Rousseff, ainda será analisada pelo Congresso e pelo CNE, antes de virar lei.
Em comunicado oficial, a Abem, representante de mais de 140 escolas médicas associadas, manifestou-se contrária à forma como foram decididas as medidas do programa e destacou que as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em medicina já incluem a formação prática no SUS.
Conforme a diretora da Abem, as diretrizes curriculares atuais para a graduação em medicina já preveem atendimento humanizado e construção de responsabilidade social, por meio das atividades práticas ao longo dos seis anos de faculdade. No formato atual, durante o quinto e o sexto anos de curso, período chamado de internato, os alunos atuam em hospitais-escola, ligados ao SUS. Neste ciclo, os estudantes são supervisionados por professores, que respondem pelo atendimento e por eventuais infrações éticas.
Para o governo federal, a nova proposta tem como objetivo ampliar a experiência prática para melhorar a formação dos médicos. A diferença para o formato atual é que, durante os dois anos de estágio no SUS, os alunos terão a responsabilidade de um profissional formado, atuando com uma autorização provisória. Caso errem, terão de responder por si. No entanto, a portaria prevê que os alunos sejam supervisionados por um médico com pós-graduação e acompanhados, ainda, por um tutor acadêmico no caso, um professor da universidade, que deverá planejar e orientar as atividades do aluno e do supervisor.
Dar total responsabilidade ética aos graduandos em locais onde a infraestrutura e a oferta de médicos supervisores é pequena também coloca em alerta professores. Para a diretora da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Silvana Artioli Schellini, quem pôs essa medida no papel não conhece o ensino básico de medicina no Brasil e as condições para aprendizagem no interior. A portaria estabelece como regiões prioritárias áreas de difícil acesso ou que tenham populações em situações de vulnerabilidade. Após o anúncio da medida, no entanto, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, informou que os alunos farão o estágio na mesma cidade em que cursam a faculdade. No Brasil, porém, os cursos de medicina estão concentrados em grandes centros. Outro ponto ainda confuso na medida.
Para a coordenadora do curso de medicina da Universidade de Brasília (UnB), Maria das Graças de Oliveira, a falta de organização e investimento em condições adequadas para o atendimento impede perspectivas de mudanças até 2015. "Se houvesse equipe de enfermagem e de assistência social, postos de saúde equipados, medicamentos necessários para a população e supervisão competente, não veria problema algum em ampliar o curso", aponta Maria das Graças. Segundo ela, elaborar uma mudança deste porte depende de ouvir profissionais da área de saúde, não apenas médicos, e buscar soluções que contemplem a diversidade de cada região do País.
Fonte: Terra
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