A promotora Ana Cristina Bardusco, do Ministério Público Estadual (MPE), pediu que a juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, expeça uma nova ordem de prisão contra o ex-secretário-adjunto de Administração, coronel José Jesus Cordeiro.
O requerimento foi apresentado no dia 3 deste mês, no contexto da ação penal derivada da 5ª fase da Operação Sodoma, mas ainda não foi analisado pela magistrada.
Segundo Bardusco, há risco de Cordeiro fugir do país e, até mesmo, de colocar em risco a integridade física dos delatores do esquema.
A 5ª fase da Sodoma apura suposto esquema que teria causado prejuízo de R$ 8,1 milhões aos cofres do Estado, entre 2011 e 2014, por meio da exigência de propina dos sócios do Auto Posto Marmeleiro e da Saga Comércio e Serviço de Tecnologia e Informática Ltda., Juliano Volpato e Edézio Corrêa.
Em troca, os empresários eram favorecidos em contratos com o Estado, cujas licitações eram fraudadas e os valores pagos eram superfaturados em favor das empresas.
Parte do dinheiro teria sido usada para quitar dívidas de campanha de 2012 do então candidato a prefeito de Cuiabá, Lúdio Cabral (PT), e de seu vice Francisco Faiad, ex-secretário de Administração.
O acusado José Cordeiro ameaçou, literalmente, a vida dos filhos do empresário Willians Mischur […], dizendo-lhe ‘nunca se sabe, às vezes, um caminhão passa por cima de seus filhos, acidentes acontecem’
Cordeiro estava detido no Batalhão de Operação Especiais (Bope), mas foi solto no dia 14 de julho, por ordem liminar (provisória) do desembargador Alberto Ferreira de Souza, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça.
Ameaças a delatores
Na petição, a promotora Ana Bardusco lembrou que, tanto nas investigações da 2ª quanto da 5ª fase da Sodoma, foi apurado que Cordeiro era uma pessoa “hostil, desempenhando, quando era necessário, comportamento truculento, dirigindo ameaças aos que oferecessem qualquer resistência ais interesses da organização criminosa”.
Bardusco citou o episódio de ameaça narrado pelo empresário Willians Mischur, da Consignum, que confessou ter pagado mais de R$ 18 milhões em propina ao grupo criminoso.
“O acusado José Cordeiro ameaçou literalmente a vida dos filhos do empresário Willians Mischur, quando se negou a pagar a propina por ele exigida no interesse da organização, dizendo-lhe ‘nunca se sabe, às vezes um caminhão passa por cima de seus filhos, acidentes acontecem’”.
A promotora ainda afirmou desconfiar que foi José Cordeiro quem, indiretamente, ameaçou o empresário Juliano Volpato, delator da 5ª fase da Sodoma. Volpato contou que no final de 2014, um homem em uma moto o abordou na frente do seu posto de combustível e disse: “Rapaz, dá um jeito de ficar bem quietinho por aí, pois o primeiro que vai é o seu filho”.
“Em que pese não ter sido, ainda, identificado o autor imediato desta prática delitiva, a reprodução do trecho do depoimento revela e retrata justamente que a ameaça recebida pelo empresário Juliano Volpato foi direcionada a afetar a integridade física do seu filho, demonstrando flagrante semelhante à ameaça diretamente formulada pelo acusado José Cordeiro ao empresário Willians Mischur, circunstância que revela indícios de que a mesma pode ter emanada do próprio acusado, não só para proteger as ações criminosas da organização criminosa, como também para acobertar as práticas delitivas perpetradas diretamente por ele”, disse.
De acordo com a promotora, o coronel teve atuação fundamental no esquema para que a Marmeleiro e a Saga continuassem contratadas pelo Estado, enquanto pagassem propina.
“Se demonstrou perfil e comportamento truculento e hostil para defender os interesses de terceiros (organização criminosa), quanto mais o fará para promover a sua defesa das gravosas acusações criminosas que pendem contra a sua pessoa”, afirmou.
Outro fato citado por Ana Bardusco é o depoimento do também delator e ex-secretário de Administração, Pedro Elias, que disse temer José Cordeiro, em razão deste sempre deixar “evidenciado em seu comportamento e em suas falas que tinha pleno domínio da força armada”.
Ela também registrou que, conforme as investigações, o último pagamento de propina da Marmeleiro, no valor de R$ 80 mil, foi destinado a José Cordeiro, por exigência dele.
“Assim, se mantinha tal comportamento perante seus pares, outro comportamento não é esperado do acusado em relação aos demais colaboradores que figuram nesta ação penal, como os empresários Juliano Volpato e Edézio Corrêa”, disse.
Para Ana Bardusco, o fato de o ex-governador Silval Barbosa – réu confesso e líder do esquema – estar em liberdade não retira a periculosidade dos membros de menor escalão na organização, “porque cada um desempenhou papéis peculiares e específicos dentro da própria organização”.
“Na verdade a confissão do líder pode ter efeito contrário na conduta de José Cordeiro, aumentando sua ira contra todos os colaboradores e, portanto, potencializando o risco à instrução criminal que está se iniciando e à garantia da ordem pública”, afirmou.
Risco de fuga
Bardusco ainda cogitou o risco de fuga do país, pois o coronel possui dinheiro suficiente para tal, com o salário que recebe como aposentado da PM mais o lucro que obtém com a criação de gado.
“Detém condições financeiras para fixar residência em outro país, como os que fazem fronteira com o Brasil e, portanto, sem precisar apresentar passaporte, condição favorável para que possa fazer uso do ganho ilícito que foi criminosamente arregimentado pelo grupo delinquencial”, disse ela.
Desta forma, além do retorno de Cordeiro à prisão, a promotora pediu que já sejam aplicadas, de forma imediata, algumas cautelares contra o coronel: proibição de frequentar a Secretaria de Gestão e proibição de se ausentar de Cuiabá sem autorização.
Participação no esquema
Na denúncia da Sodoma 5, Cordeiro – responsável pela realização de procedimentos licitatórios e da gestão dos contratos com a Secretaria de Administração – é acusado de ter fixado porcentagem menor de desconto para garantir maior margem de lucro às empresas Auto Posto Marmeleiro e Saga Comércio e Serviço de Tecnologia e Informática Ltda., em contrato para fornecimento de combustível para o Governo do Estado, em 2012.
Além disso, ele teria manipulado os contratos para aumentar a contratação de combustível em R$ 13,9 milhões, de forma a atender os interesses do suposto grupo criminoso que fazia parte, direcionando um novo contrato para a Marmeleiro e Saga, que já prestava serviços para o Estado, por meio do pagamento de propina.
O MPE afirmou que Cordeiro tinha “clara intenção de favorecer” a Marmeleiro, uma vez que teria colocado no edital de licitação itens que apenas a empresa poderia cumprir.
Sodoma 5
São réus da ação penal da Sodoma 5: o ex-governador Silval Barbosa; os ex-secretários César Zílio, Pedro Elias e Francisco Faiad; o ex-chefe de gabinete de Silval, Silvio César Corrêa Araújo; o ex-secretário adjunto de Administração, José de Jesus Nunes Cordeiro; o ex-secretário adjunto da Secretaria de Transportes, Valdísio Juliano Viriato; os empresários Juliano Cézar Volpato e Edézio Corrêa; e os ex-servidores da Secretaria de Transportes, Alaor Alves Zeferino de Paula e Diego Pereira Marconi.
Eles respondem pelos crimes de concussão, corrupção passiva, fraude à licitação e peculato por planejar e executar um suposto esquema que teria desviado R$ 8,1 milhões dos cofres do Estado por meio de contratos e de compras fraudulentas de combustível.
De acordo com a manifestação da juíza, a denúncia do Ministério Público deixou devidamente demonstrado que a organização criminosa, supostamente comandada por Silval, fraudou três pregões eletrônicos, bem como o consumo de combustível de patrulhas do Executivo e ainda cobrou propina para manter os contratos entre o Governo e as empresas Marmeleiro Auto Posto Ltda. e Saga Comércio e Serviço Tecnológico e Informática Ltda.
Do total de R$ 8,1 milhões, segundo a decisão da juíza, R$ 3 milhões teriam sido pagos em forma de propina, entre outubro de 2011 e dezembro de 2014, a fim de garantir a manutenção dos contratos da Marmeleiro e da Saga com o Governo do Estado. Isso porque as contratações teriam ocorrido por meio de licitações fraudadas.
Os pregões teriam sido realizados inicialmente para atender a Secretaria de Estado de Administração (SAD), mas acabaram se tornando objeto de adesão pela Secretaria de Estado de Transportes Pavimentação Urbana (Setpu). Entre os objetivos estaria o de aumentar a margem de lucro das empresas, o que, na avaliação da juíza, tinha o intuito de “garantir a continuidade do recebimento da vantagem indevida”.
Já os R$ 5,1 milhões restantes teriam surgido “mediante a prática fraudulenta de inserções fictícias de consumo de combustível nas melosas que abasteciam as patrulhas da Setpu”, entre fevereiro de 2013 e outubro de 2014. A fraude teria sido viabilizada por meio do sistema eletrônico de gestão de abastecimento fornecido pela Saga Comércio e Serviços Tecnológicos e Informática.
A juíza Selma Arruda pontuou que a denúncia especifica que a fraude nos pregões ocorreu graças a determinações do então chefe de gabinete da Casa Civil, Sílvio César Correa de Araújo, bem como do adjunto da SAD, José de Jesus Nunes Cordeiro. Eles teriam contado ainda com o aval de César Zílio, Francisco Faid e Pedro Elias, que passaram pelo cargo de titular da secretaria.
Ambos teriam feito as exigências pelo pagamento da propina, segundo a manifestação do Ministério Público. A cobrança, todavia, também teria partido pessoalmente do próprio ex-governador Silval Barbosa aos empresários Juliano Volpato e Edézio Corrêa.
Os servidores públicos Alaor Alvelos e Diego Pereira, por suas vezes, teriam colaborado para fraudar o consumo do combustível que era fornecido pela Marmeleiro.
Conforme a investigação, então nos cargos de secretário-adjunto de Transportes e Vias Urbanas e de gerente de Restauração e Implantação da Setpu, respectivamente, foram eles quem inseriram o consumo fictício nas melosas que compunham a patrulha da Secretaria.