Com a entrada em vigor da lei da adoção, no ano de 2009, para qualquer pessoa conseguir adotar um filho, dentro da regularidade, é necessária sua prévia inscrição no cadastro nacional de adoção. Contudo, diante da excessiva demora e de toda a burocracia que envolve o processo, muitas crianças e jovens são adotados às margens dos trâmites legais.
Na adoção dirigida, a mãe ou a família biológica entrega a criança à pessoa escolhida por ela, na esperança de que essa nova entidade familiar possa proporcionar todos os meios adequados ao cuidado daquele indivíduo. Posteriormente, a família que recebeu essa criança tenta proceder o seu registro, como se filho biológico fosse. A prática é tipificada como crime pelo Código Penal Brasileiro, e quem a comete está sujeito a pena de reclusão de dois a seis anos, além da prevista no crime de falsificação de documento público.
Nesse ponto, a legislação brasileira se mostra inflexível, a quem não está cadastrado no sistema não é admitida a adoção. A rigidez dessa norma, ainda que necessária em alguns contextos, muitas vezes deixa de atender ao melhor interesse da criança que já se encontra inserida em um ambiente familiar estável. Embora possa contar com amor e a proteção dos novos pais, quando as autoridades públicas tomam conhecimento da prática irregular, é determinado mandado de busca e apreensão e aquele indivíduo que está na segurança de um lar é encaminhado a um abrigo, lá permanecendo, até que seja adotado por outra pessoa que esteja regularmente inscrita na listagem do cadastro.
Dessa forma, ainda que a intenção seja de coibir o perfilhamento às margens da lei, na prática, acaba-se punindo a criança ou o jovem, que é retirado da única família com que possui vínculos de afeto, sem falar no impacto negativo que a execução de uma ordem de busca e apreensão pode gerar em um indivíduo ainda em desenvolvimento. Nesses casos, a conduta mais recomendada, sempre que possível, é a realização de prévio estudo psicossocial que constate a existência ou não de vínculos de afetividade, bem como as condições do lar em que a criança está inserida, antes de seu abrupto afastamento, de acordo com as orientações do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), o que, contudo, não acaba sendo observado na prática.
Não obstante as críticas apontadas à retirada repentina do indivíduo dos referenciais afetivos que mantém, não se pode perder de vista as situações em que a adoção dirigida pode encobrir casos de venda e até mesmo tráfico de crianças, principalmente em regiões do Brasil onde a pobreza é predominante e a aplicabilidade das normas se mostra ainda mais “frágil”. Assim, na contramão de quem defende a relativização da possibilidade de registro de uma perfilhiação ilegal, há quem considera a prática como um desserviço, não somente à lei, mas principalmente à sociedade e à criança.
Salta aos olhos, dentro do que foi colocado, a necessidade de uma rigorosa análise diante de cada caso concreto, com intuito de identificar as condições em que a criança foi entregue à família adotiva, bem como se a retirada daquele ambiente não será ainda mais prejudicial à formação e à dignidade do menor, do que propriamente a regularização desta filiação. Em todos os casos, o que não se deve permitir é que a criança seja tratada como objeto de negociação e, muito menos, que o seu afastamento de um lar seguro sirva para punir pais que agiram em desconformidade com a lei.
Carolina Fernandes Moreira da Costa Silva é advogada, especialista em Psicologia Jurídica, com ênfase em Direito Familiar.