A pesquisadora Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), costuma dizer que o ano de 2016 será aquele que a crise econômica “vai chegar à rua”. É a sua maneira de alertar que os custos sociais da recessão enfrentada pelo país serão mais pesados no ano que vai se iniciar. Os reflexos da queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) devem se traduzir em mais desemprego e menos renda para os trabalhadores.
Em termos numéricos, a perspectiva é que sejam pulverizados mais 2,2 milhões de empregos formais no próximo ano, depois de uma perda estimada em 1,6 milhão em 2015. Em apenas dois anos, portanto, seriam suprimidos quase 4 milhões de empregos com carteira assinada, que podem ser acompanhados pelos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Previdência Social. A média da renda real do trabalho, que ficou estagnada neste ano, deve cair 1,3% em 2016.
Apenas um ano atrás, a população ocupada – um critério utilizado pelo IBGE em suas pesquisas – crescia 1,5% e a renda real do trabalho aumentava 1,3%. Ainda em 2014, no terceiro trimestre, o país atingiu o ápice no total do estoque de pessoas empregadas: 40 milhões de brasileiros estavam no mercado formal de trabalho. Mesmo as perdas registradas em 2015 foram compensadas, em parte, pelo aumento do trabalho informal e da categoria “por conta própria”, ou seja, pessoas que passaram a empreender para contornar a perda de empregos assalariados.
A rigor, a queda no Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, estimada em 3,6% pelo Ibre, não foi acompanhada da redução no nível do emprego e da renda em proporções equivalentes. Essa relativa resistência do mercado de trabalho na atual conjuntura brasileira deve ceder lugar a um cenário bem mais desfavorável no próximo ano. A perspectiva apontada por Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre, é que os empregos formais continuem a cair ao mesmo tempo em que as válvulas de escape acionadas até agora também apresentem declínio.
– Essa é a novidade que devemos assistir em 2016 – apontou, em conversa com o blog, referindo-se ao impacto negativo que espera no mercado informal de trabalho e na atividade de profissionais que se tornaram pessoas jurídicas para enfrentar a recessão.
Uma das principais chaves para se entender a natureza desse processo é o setor de serviços, que foi menos penalizado neste ano do que a indústria e a construção civil, que mostraram mais rapidamente o impacto na perda de postos de trabalho. No trabalho minucioso feito pela pesquisadora, é possível perceber que a desaceleração no consumo das famílias afetou com mais força os bens duráveis, como eletrodomésticos e automóveis. Enquanto o consumo de serviços manteve-se no terreno positivo até o final do primeiro semestre do ano passado.
Descompasso
O resultado desse descompasso é que o consumo de produtos duráveis pelas famílias apresentou, até o terceiro trimestre de 2015, uma queda superior a 15% em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o consumo de serviços registrou uma queda próxima a 5% na comparação dos mesmos períodos. A taxa global de queda no consumo das famílias, da ordem de 3,7% neste ano, pode ser explicada principalmente pela retração na área dos bens duráveis. Para 2016, a estimativa é que essa taxa recue mais 3,2% em relação a 2015.
A diferença é que, a partir de agora, essa queda deve se refletir principalmente na retração da demanda por serviços prestados às famílias, como educação, saúde, transportes, e que são mais intensivos em mão de obra. A pesquisadora do Ibre explica que a redução do consumo de bens duráveis já refletiu boa parte do que ela chama de “indigestão”, pelos excessos na aquisição desses produtos em passado recente. As atenções se voltam, portanto, para a área de serviços, que deve impactar mais negativamente ainda o nível de emprego em 2016.
O resultado dessa dinâmica deve ser uma taxa média de desemprego, medida pela Pnad Contínua, do IBGE, em torno de 11,7% no próximo ano, em comparação a 8,5% neste ano. Trata-se de uma diferença superior a 3 pontos percentuais, maior do que a registrada na comparação entre as taxas médias de desemprego de 2015 e 2014, quando ficou em pouco mais de 2 pontos percentuais. O último ano do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff ainda ostentou um índice de desemprego de 6,8%.
O cenário que está traçado agora leva em consideração não só o aumento da taxa média de desemprego como também a rápida deterioração no início de 2016 – o primeiro trimestre deve registrar uma elevação do índice para 10,5%, de acordo com as projeções. É preciso lembrar, como alerta Silvia Matos, que muitas das pessoas que perderam o emprego no segundo semestre de 2015 vão completar as parcelas do seguro-desemprego nesse período, quando o mercado de trabalho já seria,mesmo em épocas regulares, afetado pela sazonalidade.
A perspectiva, portanto, é que as pessoas amparadas até então pelo seguro-desemprego busquem novas oportunidades no mercado de trabalho e não as encontrem, sequer na área informal. É isso que deve caracterizar uma crise social mais aguda no país, na medida em que o PIB deverá cair mais 3% em 2016, como estima o Ibre. Apenas o carregamento estatístico deste ano para o próximo já significaria uma retração de 2%.
Recessão prolongada
Mesmo com todo o impacto da recessão no mercado de trabalho, a inflação medida pelo IPCA ainda deve se manter elevada em 2016, com 7,4%, em comparação à taxa de 10,7% neste ano, de acordo com a última revisão feita pelo Ibre. Os preços administrados devem registrar uma variação expressiva de 8,5% em 2016, mas bem menor do que o índice de 17,8% deste ano. A estimativa do Ibre é que o atual ciclo recessivo, que se iniciou no segundo trimestre de 2014, estenda-se pelo menos até o final de 2016, completando 11 trimestres de duração.
A se confirmar, isso significa que este período recessivo será equivalente à mais longa recessão experimentada pelo país, nos anos de 1989 a 92, de acordo com os dados do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace). Há chances de que esse recorde seja ultrapassado, caso a retração econômica perdure em 2017, uma hipótese que ainda não pode ser descartada. O risco é exatamente que um quadro mais negativo em 2016 contamine 2017, a exemplo do que aconteceu neste ano em relação ao próximo.
Nessa altura, a melhor das hipóteses levadas em conta por Silvia Matos é que seja possível, em 2016, abordar os principais problemas estruturais da economia brasileira para encontrar soluções que possam superá-los, devolvendo o país a um novo ciclo de prosperidade. “O pior dos mundos é este em que existem os problemas e não temos ninguém pensando, de fato, em soluções”, lamenta. Por enquanto, a saída desse dilema ainda é apenas um item da lista de desejos para o novo ano.
Fonte: G1