Cidades

Um ano após assassinato de 4 jovens em Carapicuíba, ninguém foi preso

Zilda Maria de Paula, mãe de uma das vítimas da chacina, organizou o ato ecumênico para lembrar uma semana da série de ataques em Osasco e Barueri (Foto / Arquivo: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo)

Um ano após a chacina de Carapicuíba, na Grande São Paulo, em que quatro jovens foram mortos, ninguém foi preso. O massacre aconteceu no dia 19 de setembro de 2015 e o único suspeito, um policial militar, foi solto e o inquérito arquivado.

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que quatro policiais chegaram a ser presos por suspeita de envolvimento na chacina, mas foram soltos por ordem da justiça. Eles continuam afastados do trabalho operacional. O policial Douglas Gomes Medeiros responde a um processo administrativo na Corregedoria da PM e outro inquérito foi aberto pela Polícia Civil para investigar se houve outros autores dos homicídios. O caso corre em segredo de justiça.

Douglas Bastos Vieira, de 17 anos; Mateus Moraes dos Santos, de 16 anos; José Carlos do Nascimento, de 17 anos, e Carlos Eduardo Montilha, de 18 anos, foram assassinados na madrugada do dia 19 de setembro de 2015, perto da pizzaria em que trabalhavam informalmente como entregadores.

Na investigação, a Polícia Civil chegou ao nome do PM Douglas Gomes Medeiros. O motivo seria vingança. Um dos meninos teria roubado a bolsa da mulher do PM dias antes e dado uma coronhada nela. A bolsa foi encontrada duas semanas antes da chacina em uma casa em Carapicuíba. Um dos ladrões envolveu um dos garotos mortos. A alegação de que os jovens estavam envolvidos com o crime revoltou as famílias.

“Os meninos que morreram eram filhos de pobre. Mas pobres honestos, que pagam suas contas. No dia desse suposto assalto, meu filho estava na escola, estava fazendo trabalho na escola”, afirma Avanir Moraes Fan, mãe de Mateus.

A Polícia Civil diz que não tem certeza se um dos jovens mortos participou do assalto à mulher do policial, mas não tem dúvida da participação do PM nas execuções. A Polícia Civil não descarta que ele possa ter matado os adolescentes por engano.

“Se ele diz que os meninos tinham roubado, tinha abordado o menino, pegado os meninos, levado para a delegacia e dito, mas tenho certeza que não pegou os meninos e não levou para a delegacia, para o delegado resolver os problemas, porque sabia que os meninos não eram ladrões”, afirma Amadeus José da Costa, avô de José Carlos.

Chacinas de Itapevi e Osasco
Um ano após encapuzados executarem 23 pessoas e ferirem mais sete durante ataques na Grande São Paulo, três policiais militares e um guarda-civil são os únicos acusados identificados de participar de parte das chacinas. Apesar de negarem envolvimento e alegarem inocência, eles são réus presos por 18 dessas mortes e por balearem seis vítimas. Todos aguardam a Justiça decidir se serão julgados pelos crimes ou se arquiva o caso.

No dia 8 de agosto de 2015, seis pessoas foram mortas a tiros e uma ficou ferida em Itapevi e Osasco. Depois, em 13 de agosto daquele mesmo ano, mais 17 foram executadas e seis sobreviveram em Osasco e Barueri.

A acusação reconhece que mais agentes de segurança podem estar envolvidos nos assassinatos ocorridos nas quatro cidades, mas não conseguiu identificá-los. Câmeras de segurança, por exemplo, gravaram uma dezena de homens mascarados e armados executando pessoas num bar em Barueri. As imagens chocaram o país e chamaram a atenção da imprensa internacional.

Ainda no ano passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), chegou a cobrar das autoridades brasileiras o esclarecimento das chacinas e a identificação e punição dos assassinos.

Vingança
Nesse período, uma força-tarefa criada pelo governo de São Paulo concluiu que policiais militares e guardas-civis cometeram as chacinas para vingar as mortes de um PM em Osasco e de um guarda em Barueri.

O cabo Avenílson Pereira de Oliveira, de 42 anos, e o guarda Jefferson Rodrigues da Silva, de 40, foram mortos em 7 e 12 de agosto, respectivamente. Os dois estavam à paisana, sem fardas, quando foram baleados por criminosos ao reagirem a assaltos.

"A Justiça aceitou [a denúncia do Ministério Público (MP)] de quatro [agentes], que já vão a júri popular", disse o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), na sexta-feira (12), sobre sua expectativa a respeito dos casos. "Os PMs estão com processo de expulsão."

As investigações das chacinas foram feitas pela Corregedoria da Polícia Militar (PM), pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil, e pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Por decisão judicial, os casos seguem sob sigilo.

Acusação 
Segundo denúncia do MP, o soldado Fabrício Emmanuel Eleutério, integrante das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), Victor Cristilder Silva dos Santos, vulgo Boy, da Força Tática, e Thiago Barbosa Henklain, de um batalhão da PM, além de Sergio Manhanhã, do Grupo de Intervenções Táticas Estratégicas (Gite) da Guarda Civil de Barueri, tiveram participação na chacina do dia 13 de agosto que deixou 17 mortos e seis feridos em Osasco e Barueri (veja mais abaixo a cronologia das execuções).

Nesse processo acima, que tramita no Fórum Criminal de Osasco, os quatro agentes são réus pelos crimes de homicídio doloso (com intenção de matar) qualificado (motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima), tentativa de homicídio e formação de quadrilha.

Victor ainda responde criminalmente por uma das seis mortes do dia 8 de agosto. Ele foi denunciado pela Promotoria sob a acusação de participar com outros agentes desconhecidos do assassinato de Michael do Amaral Ribeiro em Carapicuíba.

A assessoria de imprensa do Ministério Público informou à reportagem que o caso das três mortes em 8 de agosto em Itapevi ainda estava na fase de inquérito policial e por isso não se tornou processo. Até a publicação desta reportagem, a assessoria também apurava o paradeiro das duas mortes com um ferido ocorridos naquele mesmo dia em Osasco.

“A convicção minha é a de que os quatro participaram das mortes, seja num ato executório ou coordenando; fazendo que viaturas escoltassem o carro de executores ou não passassem no local", disse o promotor Marcelo Alexandre Oliveira, que apesar de atuar no Tribunal da Justiça Militar, foi indicado pela Procuradoria-Geral de Justiça para atuar no caso das 17 mortes em Osasco e Barueri. "Os quatro estão envolvidos nessa chacina.”

De acordo com a denúncia feita pelo Gaeco, os três PMs e o guarda, juntamente com outros agentes não identificados, formavam uma milícia que oferecia segurança privada e irregular a comerciantes nas cidades atacadas por eles. Usando armas da PM e da Guarda de Barueri, passaram a agir como “organização paramilitar", "grupo e esquadrão, dispostos a praticar crimes em nome da segurança, especialmente crimes de homicídio”.

Segundo o Gaeco, os réus nutriam repúdio contra quem matava policiais. “Não se tratava de sentimentos normais, mas exacerbados e que alimentaram o desejo de exercer vingança e mostrar poder”, informa trecho da acusação da Promotoria.

Como retaliação pelas mortes do cabo e do guarda, “integrantes do grupo deliberaram que realizariam verdadeira chacina no dia subsequente", acusa o MP. Para o Gaeco, os agentes não se importaram em matar inocentes durante os ataques a locais que seriam frequentados por suspeitos de matar Avenilson e Jefferson.

“O grupo pretendia provocar, na parcela de desordeiros da região de Carapicuíba, Osasco, Barueri e Itapevi, temor e, com isto, obter a prevenção para que outros crimes semelhantes não acontecessem, como se estivessem, à margem da lei, respondendo da forma que entendiam à altura dos crimes antes praticados”, informa a denúncia.

Victor foi apontado pelo Gaeco como o responsável por levar os executores em seu carro até bares e vias onde poderiam estar os assassinos do cabo e do guarda. Para a acusação, Fabricio e Thiago tiveram a missão de matar as pessoas. E Sergio, "na condição de comandante do Gite" da Guarda de Barueri, usou as viaturas para passar informações sobre pessoas que estavam num bar que seria alvo dos ataques.

Ainda segundo o MP, Sergio mantinha contato direto com Victor. Celulares apreendidos com eles mostraram que conversaram via WhatsApp. No dia do crime, o guarda mandou quatro sinais de positivo para o policial, que respondeu com outro emotion, mostrando um braço. As mensagens haviam sido apagadas, mas foram recuperadas pela perícia policial.

Os PMs Fabricio e Thaigo foram reconhecidos por testemunhas _ao menos uma delas sobreviveu aos ataques.

Parte das vítimas baleadas tinha passagens pela polícia, mas não há confirmação de que elas tenham participado dos assassinatos de Avenilson e Jefferson.

Defesa
Procurado pelo G1, o advogado de Victor, João Carlos Campanini, declarou que seu cliente nega as acusações. "Ele é réu nesse processo de Carapicuíba, mas a Justiça deverá impronunciá-lo [não levar júri] nesse caso por falta de provas", disse."Quanto a acusação de Osasco e Barueri, ela também é infundada porque meu cliente é inocente".

Campanini e os advogados dos demais agentes presos entraram com pedidos de liberdade para seus clientes na Justiça de Osasco. Até a publicação desta matéria, a juíza Elia Kinostia Bulman não havia analisado as solicitações.

Os três policiais estão detidos preventivamente no Presídio Romão Gomes da Polícia Militar,  Zona Norte da capital paulista. Não há informações do local onde o guarda está preso.

A advogada Flávia Artilheiro, que defende Fabricio, falou ao G1 que o policial da Rota tem álibis que comprovam sua inocência. "Tem o rastreador do carro e celulares dele além do vídeo de um shopping que mostram que ele estava com a namorada no momento dos crimes", disse.

O escritório de Fernando Capano, que defende o policial Thiago, alegou à reportagem que o advogado não poderia comentar o caso porque estava repousando devido a motivos de saúde.

O G1 não conseguiu localizar o advogado Abelardo Julio da Rocha, que atua na defesa de Sergio, para se posicionar a respeito da acusação contra o guarda.

Investigação
Em dezembro de 2015, o DHPP havia concluído a investigação indiciando seis policiais militares e um guarda-civil pelo envolvimento em 23 assassinatos e sete tentativas de homicídios nas chacinas dos dias 8 e 13 de agosto daquele ano. Mais um policial também foi responsabilizado, mas por ameaçar testemunhas dos casos.

Apesar de a Polícia Civil ter concluído pelo indiciamento de oito agentes de segurança, o Ministério Público entendeu que só três PMs e um guarda deveriam ser responsabilizados por 18 mortes e seis feridos.

Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que os sete PMs respondem de demissão –além dos três acusados presos, outros quatro que tinham sido investigados, mas que não se tornaram réus e também estão afastados das ruas.

A força-tarefa do governo chegou a apurar inicialmente 19 assassinatos ocorridos em 13 de agosto em Osasco e Barueri, mas depois esse número foi reduzido para 17 mortes. Segundo a SSP, o DHPP descartou dois homicídios que aconteceram em Osasco. No entendimento do departamento, eles não tiveram relação com o envolvimento de agentes nas execuções.

Vítimas
Na quinta-feira (11), a Defensoria Pública de São Paulo entrou com pedidos de indenizações para famílias de algumas das vítimas da chacina que deixou 17 mortos em Osasco e Barueri. Segundo o órgão, oito pedidos foram encaminhados à Procuradoria Geral do Estado.

A doméstica Zilda Maria de Paula, 63 anos, mãe de Fernando Luis, conhecido como "Abuse" e assassinado em um bar em agosto do ano passado, disse que não espera receber indenização.

"A gente não sabe de nada. Fomos ao palácio do governo em uma reunião que daria assistência para algumas famílias. Do governo mesmo não tem nada. Dizem que vamos receber indenização, mas não sabemos quando e quanto. Estou me virando com meu salário, mas e quem não tem isso?"

Cronologia das chacinas na Grande São Paulo

8 e 13 de agosto de 2015
(23 mortos e 7 feridos)

8 DE AGOSTO
(6 mortos e 1 ferido)

CARAPICUÍBA (1 morto)
2h56 – Rua Alvorada
– Michael do Amaral Ribeiro – o corpo foi encontrado num córrego.

MP denunciou PM Victor por participação na morte. Justiça ainda não decidiu se ele deverá ir a júri popular ou arquiva o caso.

ITAPEVI (3 mortos)
Avenida Pedro Paulino
– Rodrigo Maximo de Souza
– Lucas Roberto de Souza
– Aldiberto Araújo dos Santos

Segundo o Ministério Público, ainda está na fase de inquérito policial; não virou processo.

OSASCO (2 mortos e 1 ferido)
Avenida Sport Club: 1 morto
– Diego Siqueira Pereira, 27

Rua Jacinto José de Souza: 1 morto e 1 ferido
– Rafael da Silva Santos e 1 ferido não identificado.

MP informou que apurava o caso para saber em qual promotoria está.

13 DE AGOSTO:
17 mortos e 6 feridos

OSASCO (14 mortos e 6 feridos)
20h49 – Rua Astor Palamin: 2 mortos no Bar do Tim
– Jonas dos Santos Soares, 33, operador de máquinas. Era casado e tinha três filhas. Estava de folga e saiu à noite para beber com um amigo.

– Igor Silva Oliveira, 19, ajudante-geral numa universidade. Era amigo de Jonas e morreu com ele no bar.

20h50 – Rua Professor Sud Menucci: 1 morto na Bomboniere Sonho de Deus
– Rodrigo Lima da Silva, 16, estudante. Tinha abandonado a escola e ia ser pai em breve. Foi morto quando conversava com o dono do comércio.

20h51 – Rua Antonio Benedito Ferreira, 374: 8 mortos e 2 feridos no Bar do Juvenal
– Fernando Luiz de Paula, 34, pintor. Estava no bar quando foi morto.

– Eduardo Oliveira dos Santos, 41, artesão. Ia com o amigo Thiago a um ponto de ônibus quando pararam para beber no bar.

– Thiago Marcos Damas, 32, auxiliar de escritório. Esttava desempregado e usava o tempo livre para ajudar as irmãs. Foi ao bar com Eduardo.

– Leandro Pereira Assunção, 36, mecânico.

– Antônio Neves Neto, 40.

– Tiago Teixeira de Souza, idade não divulgada.

– Adalberto Brito da Costa, idade não divulgada.

– Manoel dos Santos, idade não divulgada.

21h29 – Rua Moacir Sales D´Avila,762: 1 morto e 3 feridos
– Rafael Nunes de Oliveira, 23 anos, conferente.

21h33 – Rua Suzano x Avenida Alberto Jackson Byington: 1 morto e 2 feridos
– Letícia Vieira Hillebrand da Silva, 15 anos.

21h55 – Rua Vitantonio D´Abril x Rua Serafina Abril, Residencial: 1 morto
– Deivison Lopes Ferreira, 26 anos, ajudante geral. Ia para a casa de um amigo quando foi baleado.

MP denunciou três PMs e um guarda por 14 mortes e 1 ferido. Justiça ainda não decidiu se levará agentes a júri popular.

BARUERI (3 mortos)
21h57 – Rua Carlos Lacerda: 1 morto
– Wilker Thiago Correa Osório, 29. Tinha cerca de 40 perfurações de arma de fogo.

22h51 – Rua Irene: 2 mortos num bar
– Jailton Vieira da Silva, 28, ajudante geral. Estava em um bar quando foi morto. Deixou três filhos. Tinha passagem pela polícia
– Joseval Amaral da Silva, 37. Tinha passagem pela polícia

MP denunciou três PMs e um guarda por três mortes. Justiça ainda não decidiu se levará agentes a júri popular.

Mortes descartadas
Essas duas mortes abaixo, ocorridas também em 13 de agosto de 2015 em Osasco, chegaram a ser incluídas inicialmente na investigação do DHPP como possíveis vítimas da chacina, mas foram descartadas, de acordo com a SSP.

Segundo a pasta, a investigação descartou que elas tenham relação com o envolvimento de PMs e guardas para vingar a morte de agentes.

13 de agosto
(2 mortos)

Osasco (2 mortos)
Avenida Eurico da Cruz: 1 morto
– Eduardo Bernardino César, 26 anos

Segundo SSP, caso é investigado pelo Setor de Homicídios de Osasco em busca dos autores.

Rua Cuiabá: 1 morto
– Presley Santos Gonçalvez, 26 anos, entregador. Deixou dois filhos.

De acordo com a pasta da Segurança, o DHPP concluiu o caso em março deste ano. A SSP não informou se foram identificados e presos os culpados pelo crime.

*Colaboraram Vivian Reis e Paulo Toledo Piza

Fonte: G1

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