Cidades

Polícia prende 13 pessoas em ação contra “máfia” de próteses

Policial retira malote com material apreendido durante operação nesta quinta-feira (1º) para apurar máfia de órteses e próteses (Foto: Alexandre Bastos/G1)

A Polícia Civil prendeu 13 pessoas e apreendeu mais de R$ 500 mil nesta quinta-feira (1º) em cumprimento de mandados de prisão e de busca e apreensão em um hospital, três clínicas e residências de médicos envolvidos em uma suposta organização criminosa que ganhava dinheiro instalando órteses e próteses desnecessárias em pacientes. Segundo a corporação, os pacientes pagavam os procedimentos em dinheiro aos médicos.

Foram realizadas oito prisões temporárias (válidas por cinco dias) e cinco prisões preventivas (sem data para soltura). Entre os presos, há sete médicos. Os demais são funcionários do hospital Home, das clínicas e da empresa que é apontada pela polícia e Ministério Público por administrar o esquema, a TM Medical.

Em nota, a Home diz que "os médicos cirurgiões citados na operação não fazem parte do corpo clínico do centro" e que "apenas operam, eventualmente, nas dependências, já que são habilitados pelo CRM e obtiveram autorizações dos planos de saúde". "O diretor técnico do hospital foi conduzido para prestar esclarecimentos e o Home colaborará para elucidação dos fatos."

Na casa dos suspeitos e nas clínicas investigadas, a operação Mister Hyde apreendeu notas de reais,euros e dólares. De acordo com as investigações do MP, os médicos indicavam cirurgias para colocação de órteses e próteses desnecessárias e faturavam cerca de R$ 50 mil a R$ 80 mil por cada procedimento.

A investigação do MP e da polícia teve início em março. Somente neste ano, o esquema lesou ao menos 60 pacientes, segundo a polícia. A investigação aponta que os crimes foram praticados em hospitais privados do Distrito Federal. A corporação, entretanto, não exclui a possibilidade de os médicos investigados também realizarem as fraudes na rede pública.

Em orçamentos de cirurgia realizados pelos médicos, as próteses e órteses eram colocadas como se fossem importadas, mas, no fim, eram usados equipamentos nacionais, de valor inferior.

“Essa operação visa a evitar que os pacientes sejam vilipendiados na saúde ou financeiramente e também coletar vestígios para reforçar a prova colhida ou até ampliar o ramo da investigação para permitir que justiça seja feita. É uma verdadeira máfia instalada. Não são médicos. Quem faz o juramento de Hipócrates não faz isso com pacientes. O interesse destas pessoas é apenas pecuniário”, disse o promotor do Ministério Público Maurício Miranda.

Segundo o Ministério Público, o Conselho Regional de Medicina vai ser acionado para que os médicos envolvidos no suposto esquema sejam punidos e impedidos de exercer a profissão.

Foram realizadas cinco prisões preventivas e oito prisões temporárias, as quais atingiram sete médicos

'Cabeça’ do esquema
Apontada como administradora das supostas fraudes, a TM Medical tem dois donos registrados no cadastro da Receita Federal, mas, segundo a polícia, existe um sócio oculto que articulava o esquema. Um funcionário e a esposa do cirurgião John Wesley são apontados como os “laranjas” do médico, que abandonou a carreira para administrar o negócio, diz a polícia.

“O interesse dos médicos era obter lucros ilícitos. A conduta menos grave é o superfaturamento. As conversas que foram gravadas demonstram que a menor preocupação dos envolvidos é a saúde do paciente. Cada paciente era uma vítima, um projeto financeiro para obtenção de lucro", afirmou o delegado-chefe da Divisão Especial de Repressão ao Crime Organizado (Deco), Luiz Henrique Dourado Sampaio.

"O médico não se limitava às necessidades reais do paciente e colocava equipamentos desnecessários para superfaturar aquela cirurgia e percebia o lucro, além do devido pelo plano de saúde, recebia da empresa na venda daquele material como honorário, na maioria das vezes em espécie”, continuou.

Atuação
Entre as irregularidades, eram usadas próteses fora de data de validade nas cirurgias de modo a garantir lucro aos médicos. Segundo Sampaio, os médicos envolvidos no esquema devem ser autuados por lavagem de dinheiro, estelionato e crime contra a saúde pública e pegar mais de 40 anos de prisão, em caso de condenação. Alguns dos 21 alvos da operação são citados em um relatório do Tribunal de Contas e que serão investigados em outra operação, segundo Sampaio.

A denúncia contra o grupo partiu de uma vítima. “Ela teve uma cirurgia de coluna que foi malsucedida e ela precisou refazer a operação para retirar material. Entre uma e outra, saiu uma denúncia contra o John Wesley e a vítima começou a contestar o doutor. Em uma terceira cirurgia houve um erro médico gravíssimo e isto está sendo apurado”, complementou. A vítima sofreu tentativa de homicídio ao tentar revelar o esquema, diz a polícia.

Ao G1, o advogado da vítima, Jean Kleber Garcia, disse que foi deixado um fio-guia (espécie de catéter) propositalmente na jugular dela, em uma cirurgia que ocorreu em 22 de dezembro. Sem saber, a vítima passou a desenvolver trombose. O instrumento só foi retirado em 2 de janeiro, disse.

Entre os envolvidos nas supostas irregularidades, há um servidor da Secretaria de Saúde, que foi conduzido coercitivamente para depor. O coordenador de cabeça e pescoço da pasta é dono de clínicas investigadas na operação Hyde. Segundo a Polícia o médico recebia propina para indicação de material e superfaturar na compra dos equipamentos. A investigação apontou que a participação do servidor foi realizada na rede particular de saúde.

Hospital sob investigação
Um funcionário do hospital Home relatou ao G1 que os funcionários administrativos – da contabilidade, do financeiro ou do RH, por exemplo – foram dispensados nesta quinta-feira. O atendimento aos pacientes continuaram normalmente. Segundo ele, o dono do hospital não estava presente e a ação policial pegou os trabalhadores de surpresa.

Presidente do Sindicato dos Médicos do DF, Gutemberg Fialho disse que se as denúncias forem comprovadas, os médicos devem ser punidos severamente. "Essa prática de indicar procedimentos desnecessários e superfaturados expõe pacientes a risco e aumenta os custos de operação. Isso é ruim quando acontece no sistema público, e também é quando ocorre no sistema privado, na medicina suplementar, pois o usuário acaba pagando um preço elevado."

Dívida reconhecida
O hospital Home é uma das prestadoras de serviços de UTI beneficiadas por emendas parlamentares suspeitas de serem liberadas em troca de pagamento para deputados distritais. Ao todo, foram destinados R$ 5 milhões para a empresa no começo deste ano. A forma com que a Home e as outras empresas foram beneficiadas é investigada pelo Ministério Público, a Polícia Civil e a CPI da Saúde.

O GDF também liberou verba de emendas para os hospitais Santa Marta (R$ 11 milhões), Intensicare (R$ 5 milhões), Instituto de Cardiologia do Distrito Federal (R$ 4,5 milhões), São Mateus (R$ 2,5 milhões) e São Francisco (R$ 2 milhões).

Desde 2009, a Home recebeu aproximadamente R$ 50,75 milhões em contratos públicos. Ao todo, foram R$ 44 milhões da Secretaria de Saúde, R$ 5,25 milhões do Fundo de Assistência à Saúde da Câmara Legislativa e R$ 1,44 milhão do Fundo de Saúde do Corpo de Bombeiros.

Próteses e órteses
Próteses são dispositivos usados para substituir total ou parcialmente um membro, órgão ou tecido. Órteses são dispositivos utilizados para auxiliar as funções de um membro, órgão ou tecido do corpo. De uso temporário ou permanente, as órteses evitam deformidades ou o avanço de uma deficiência médica. Um marca-passo, por exemplo, é considerado uma órtese implantada.

O processo de compra de marca-passos faz parte da série de denúncias apresentadas pela sindicalista Marli Rodrigues sobre um suposto esquema de desvio de verba na área da saúde.

Em um trecho do material encaminhado por Marli ao Ministério Público, ela relata a informação de que o atual subsecretário de Infraestrutura e Logística, Marcello Nóbrega, supostamente rasgou uma nota de empenho (uma espécie de garantia de pagamento) sobre a aquisição do material.

A motivação do gesto seria de que "o resultado da concorrência não teria agradado aos grupos políticos que gerenciam a área". Em depoimento à CPI da Saúde, Nóbrega negou as acusações.

Esquema nacional
A fraude envolvendo órteses e próteses nacionalmente foi denunciada pelo Fantástico, da TV Globo (veja reportagem abaixo). O assunto virou tema de uma CPI na Câmara dos Deputados. Em janeiro do ano passado, o programa mostrou que médicos indicavam cirurgias e o uso de próteses a pacientes mesmo quando não era necessário. Em troca, recebiam comissões de até R$ 100 mil das empresas fornecedoras.

“Na maior parte das vezes, os dispositivos médicos implantados são usados em situação de urgência e emergência. Muitas vezes o paciente não tem condição de avaliar o melhor caminho", disse o então ministro da Saúde, Arthur Chioro, em julho de 2015.

Um grupo de trabalho criado pelo ministério apurou que o mercado de produtos médicos movimentou 19,7 bilhões em 2014 – desse total, R$ 4 bilhões são relativos aos chamados dispositivos médicos implantados, que englobam órteses e próteses. A venda desses aparelhos aumentou 249% entre 2007 e 2014.

O ministro Arthur Chioro disse que a ausência de padronização, protocolos e um banco de preços cria margem para "comportamentos oportunistas" de especialistas, que têm total controle da escolha dos aparelhos.

O relatório encontrou diferenças de preços de implantes em regiões do Brasil e também no comparativo com outros países. Um marcapasso na região Norte, por exemplo, custa R$ 65 mil. No Sul, o preço abaixa para R$ 34 mil. Entre o Brasil e a Alemanha, a diferença no valor de implantes de cóclea é de quase seis vezes.

Nos hospitais, foi percebido que o médico ganha com comissão paga pelas empresas de dispositivos médicos. A prática é proibida pelos conselhos de medicina. Também foi apontado que hospitais comercializam esses produtos com margem de faturamento de 10% a 30%.

Fonte: G1

Redação

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