Cidades

OSSs fracassam na gestão de hospitais públicos de Mato Grosso

A saúde pública possui relevância prática, e no imaginário da população, maior até mesmo do que outros serviços à sociedade, como educação, segurança, transporte ou emprego. De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), 87,64% dos homens e mulheres da nossa sociedade a consideram como principal pauta do poder público. Essa importância parece não ter sido levada em conta em Mato Grosso, que desde 2011 optou pela Organização Social de Saúde (OSS).

Implantada na gestão de Pedro Henry à frente da Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT), durante o governo Silval Barbosa (PMDB), as OSS’s caracterizam-se pela gestão de recursos materiais e humanos por meio da iniciativa privada na maior parte dos hospitais regionais do Estado (Alta Floresta, Colider, Sinop, Sorriso, Cáceres, Rondonópolis e Metropolitano), além da Farmácia de Alto Custo do Estado. Esse modelo, no entanto, foi alvo de críticas e de denúncias durante o tempo que vigorou.

Em contato com a assessoria de imprensa do deputado estadual Leonardo Albuquerque (PSD), o Circuito Mato Grosso teve acesso às irregularidades apontadas pelas visitas in loco da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), presidida por Albuquerque, que investiga a gestão das OSS’s. No documento, constam problemas como pacientes internados em corredores, fraude no número de consultas relatadas pelas empresas, tráfico de influência, peculato, improbidade administrativa etc, como mostra o infográfico abaixo.

IRREGULARIDADES NAS OSS’s

Pacientes nos corredores

Medicamentos vencidos

Falta de alimentação para pacientes

Falta de pagamento a profissionais e fornecedores

Emissão de notas frias

Tráfico de influência

Improbidade administrativa

Superfaturamento na aquisição de materiais e contratação de serviços

Corrupção passiva e ativa

Fonte: AL-MT

Essas irregularidades culminaram em intervenções sofridas pelas empresas que controlaram a maior parte dos hospitais regionais sob gestão das OSS. Hoje, apenas as unidades de Rondonópolis e Cáceres (municípios a 216 km e 222 km de Cuiabá, respectivamente) ainda são administradas pela iniciativa privada. O Instituto Pernambucano de Assistência a Saúde (IPAS), que esteve à frente das unidades de saúde de Colíder, Alta Floresta e de Várzea Grande (Metropolitano), além da Farmácia de Alto Custo do Estado, foram judicializados.

A Fundação de Saúde Comunitária de Sinop, que controla o hospital regional da cidade, e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Social e Humano (INDSH), em Sorriso, também sofreram intervenção judicial.

Conselho Estadual de Saúde aguarda parecer do MPE

O Conselho Estadual de Saúde de Mato Grosso (CES-MT), órgão colegiado e tomador de decisões acerca das políticas públicas no Estado, vem questionando a implantação das Organizações Sociais de Saúde. Em conversa com a equipe do Circuito, a conselheira Ana Maria Boabid, afirmou que houve uma representação no Ministério Público Estadual (MPE) em 2012, que pedia a revogação do modelo de gestão de saúde em Mato Grosso. No entanto, a demanda ainda não foi respondida pelo MPE.

“O conselho estadual de saúde, que faz parte do controle social do Sistema Único de Saúde, tem o poder de decisão das políticas públicas referentes ao SUS. Apresentamos ao Ministério Público Estadual uma resolução contra as OSS’s, mas até agora não obtivemos resposta”, explica ela.

O CES-MT, por meio da resolução nº 31/2012, determinou a revogação de uma decisão que autorizava o Estado a implantar o modelo de gestão da saúde por meio das Organizações Sociais de Saúde, além de vedar ao Estado de Mato Grosso “a delegação total ou parcial dos serviços de saúde prestados em cada uma de suas unidades”. Para ter efeito, a deliberação deveria ser assinada pelo secretário de saúde, além do governador do Estado. Silval Barbosa estava à frente do Palácio Paiaguás na época, mas a homologação não ocorreu.

A legislação disciplina que nos casos onde a decisão não é acatada nesse tipo de órgão colegiado de controle social do SUS, o governador deve explicar o porquê da não assinatura, fato que também não ocorreu. Por esse motivo, o CES-MT acionou o Ministério Público Estadual questionando essa inércia do poder executivo há quase quatro anos.

O Circuito conversou com o promotor do Núcleo de Defesa da Cidadania do MPE, Alexandre de Matos Guedes, responsável pela demanda. Contudo, ele apenas informou que a questão “ainda está sob análise” e que uma decisão deve ser tomada em breve.

“OSS’s são o início da decadência da saúde”, diz Julio Muller

Os hospitais regionais foram entregues as OSS’s sob a justificativa de que o Estado é incompetente para gerir e, após precarizar os serviços em razão do lucro, desistem do contrato e entregam novamente a gestão pública uma estrutura deteriorada. A avaliação é do secretário de saúde da gestão Dante de Oliveira em Mato Grosso (1995-2002), Júlio Strubing Muller Neto, que recebeu a equipe do Circuito em seu apartamento, na capital.

Muller afirma que sempre se posicionou contra a adoção das Organizações Sociais de Saúde em Mato Grosso para gerir os hospitais regionais afirmando que o ex-secretário de saúde, Pedro Henry, entusiasta da iniciativa, realizou sua implantação “na marra”. Ele pondera que a saúde pública foi mantida a míngua “por uma série de razões, incluindo por incompetência”, e que após esse processo uma empresa é solicitada para realizar o serviço “muitas vezes criadas apenas para esse fim” e que o resultado do processo é a má qualidade do serviço.

“Você pega unidades públicas que tinham servidores de carreira e entrega para a iniciativa privada a administração do pessoal e de equipamentos, repassando 3 vezes mais do que o seu custo. Então chega uma empresa, criada há seis meses só para esse fim, desmonta o serviço, deixa a população vulnerável e depois entrega-a de volta ao Estado”, diz ele.

O ex-gestor da saúde de Mato Grosso afirma que, de um modo geral, a gestão das Organizações Sociais de Saúde funcionam nos primeiros “dois, três anos”, e que depois surgem os problemas, como o “o sucateamento, o passivo trabalhista, ‘desaparecimento’ de materiais etc”. Muller, que também é médico aposentado, afirma que as OSS’s não são uma alternativa viável para aqueles que lutam por uma saúde pública de atendimento universal, como é o caso da proposta do SUS.

“Isso não é proposta de um sistema de saúde solidário. Estamos falando de um serviço que deve garantir a qualidade para daqui 30 ou 40 anos. Você só constrói isso com investimentos maciços e servidores de carreira, que encaram seu trabalho como uma missão. A lógica das empresas privadas é o lucro, diferente do serviço público”.

Diego Fredericci

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