Dorivaldo conquista o primeiro lugar na Corrida do Lago, em Brasília (Foto: Antônio Derivaldo/Arquivo Pessoal)
O cansaço do trabalho e a baixa condição financeira não fazem com que Antônio Derivaldo desista do sonho de se tornar um maratonista profissional. Lavador de carros na Asa Norte, em Brasília, ele recebe cerca R$ 1,5 mil por mês e sustenta a mulher e três filhos. Para participar de corridas nacionais e se preparar fisicamente, o rapaz conta com a ajuda de clientes e amigos. A última "vaquinha" somou R$ 1 mil e o levou para correr na São Silvestre, em São Paulo.
"Ceará", como é conhecido, já conquistou mais de 200 medalhas em corridas de rua e maratonas. O lavador de carros, de 38 anos, sai todos os dias de Planaltina às 6h para ir trabalhar.
O turno de trabalho se encerra às 19h, quando ele volta para casa, come um pedaço de rapadura e vai treinar. Com um tênis velho e um relógio que já está quase quebrado – utilizado para cronometrar o tempo – ele vai para as pistas de Brasília fazer o que mais gosta: correr.
"Um tênis deve fazer no máximo 600 km. O meu já passou de 1,2 mil km. Muitos corredores que conheço utilizam um GPS para cronometrar o tempo. Porém, vou me virando como posso. Nunca pensei em desistir, sabe? Os meus concorrentes não querem saber se eu lavei carro o dia inteiro ou se eu não tenho dinheiro para comprar uma banana. O cérebro é minha maior força", conta.
A paixão pelo esporte surgiu em 2002 após o convite de um cliente, que trabalhava perto de onde Derilvado lava os carros. Como bebia e fumava constantemente, o agora atleta não conseguiu percorrer nem 2 km. "Fiquei muito cansado, não conseguia respirar. Então decidi mudar de hábitos. Em três meses, eu já estava batendo o tempo de todo mundo que corria no grupo."
Marília Rodrigues, servidora pública, de 33 anos, é uma das colaboradas do maratonista. Ela criou uma página no Facebook para tentar aumentar a campanha. Segundo ela, a vida de Derilvado é recheada de superação.
"É muita luta. Só quem vê ele correndo sabe o quanto é bom. Quando o vemos em cima do pódio, tudo vale a pena. Tenho certeza que se ele tivesse um patrocinador, o voo seria bem mais alto."
A última corrida, disputada no último dia de 2015, garantiu o 259° lugar na São Silvestre. Foi a maior conquista, em 13 anos competindo na prova, diz. O lavador de carros também conquistou o primeiro lugar do pódio da "Volta do Lago de Brasília", ultramaratona de 60 km. "Eu treino todos os finais de semana, mesmo cansado e sem vontade de acordar cedo", diz Derivaldo.
O bancário André Gomes, de 37 anos, afirma que as "vaquinhas" não só auxiliam nas corridas, como também na preparação do atleta. "Nós também auxiliamos com nutricionista, treinador e suplementos. A gente faz o que pode. Infelizmente, ficamos limitados. Tenho certeza de que o Ceará vai conquistar profissionalmente o esporte. Vamos ficar tristes de perdê-lo. Porém, ele merece demais. É um vencedor."
Com a "vaquinha", os clientes do corredor contrataram o personal trainer Lucas Gualberto, de 30 anos. Ele o acompanha cinco vezes por semana. "Normalmente cobraria R$ 150 mensal. Como é para o Ceará, cobro R$ 75, um preço simbólico. Achei ótima a ideia do incentivo dos clientes. Com o dinheiro, ele [Derivaldo] consegue comprar tênis, suplementos, custear viagens."
Para o personal trainer, O atleta tem muito futuro na profissão. "Ele é ótimo, super dedicado. Entretanto, ele têm família e precisa de outro emprego para tirar o sustento",disse. Sem dinheiro para comprar alimentos e suplementos, o lavador de carro se vira como pode. Segundo ele, cuscuz e tapioca não podem faltar nas refeições.
"Muitas vezes não tenho dinheiro pra comprar banana ou gel de carboidratos. Então, coloco uma rapadura na boca e vou correndo. O açúcar me dá ânimo. Quando fico cansado e a panturrilha não aguento mais, mentalizo todo o meu esforço e minha paixão pelo esporte e vou em frente", declara.
O lavador de carros destaca que o esporte "resgata vidas". Ele acredita que estaria obeso ou até mesmo preso, caso não fosse atetla. Além disso, Derivaldo também ressalta que a corrida têm pouco incentivo no país.
"O esporte faz com que a gente ocupe a mente, se sinta importante. Não queria muito, apenas um patrocínio que me ajudasse. Como recebo pouco e tenho que pagar aluguel, luz, água e comida, nada sobra. Porém, quando fico triste, calço meu tênis e vou correr. Me sinto muito bem comigo mesmo."
Fonte: G1