A violência nas escolas do Rio de Janeiro não se restringe apenas às unidades escolares situadas em áreas de risco – nesta segunda-feira (20), o G1 mostrou que 16 mil alunos ficaram sem aula apenas nos 15 primeiros dias de julho. Além da violência externa, professores, alunos e pais convivem ainda com armas, drogas e brigas de gangues.
A escola Municipal República do Líbano, em Vigário Geral, onde um aluno de 13 anos ameaçou um professor com uma arma na cabeça há cerca de um ano, continua enfrentando problemas com violência e, ainda, uso de drogas e depredação por parte dos alunos e invasores.
Já no interior do Estado do Rio, jovens são obrigados a mudar de escola por causa da atuação de gangues e ameaças constantes à integridade física dos menores.
“Já sofri ameaça e agressões, mas como educador eu preciso atuar, minha função é essa, não posso ficar com medo e recuar. Há uns três meses precisei me proteger com uma cadeira para que eles não viessem para cima de mim”, admite um professor do Ensino Fundamental da escola de Vigário Geral.
Polícia faz rondas
A escola possui dois portões, sendo que um deles foi arrebentado pelos menores e atualmente precisa ficar preso por uma barricada. É por esse portão ou pulando o muro da quadra que ocorrem invasões de pessoas que usam o pátio para consumir drogas ou andam pelos corredores furtando e depredando o colégio.
“Já cheguei a presenciar 20 pessoas estranhas quebrando armários, levando material, furtando, correndo e depredando a escola”, afirma o educador.
Ainda de acordo com os docentes, os invasores transitam o tempo topo pela escola e quando a situação fica insustentável, a polícia é acionada mas, normalmente, eles conseguem escapar pulando o muro.
“Os professores do primeiro segmento não conseguem descansar um minuto, mesmo no recreio, quando normalmente podemos dar uma relaxada. Eles precisam ficar extremamente atentos aos pequenininhos”, conta o professor, destacando temer pela integridade das crianças.
A Polícia Militar alegou que faz rondas diárias com viaturas em toda a região e que o comandante do 16°BPM realizou uma reunião com a direção do colégio na sexta-feira (17) para tentar solucionar o problema das invasões.
Gangues impedem alunos de estudar
Em Resende, no Sul Fluminense, os jovens têm enfrentado problemas para assistir às aulas devido a atuação de gangues composta por menores. Segundo mães de alunos da Escola Estadual Oliveira Botelho, na região Central do município, as gangues impedem que jovens de outros bairros estudem em regiões diferentes.
“Os meninos de lá disseram que ele tinha que sair e eu, com medo, consegui a transferência no mesmo ano. Como o sonho dele era fazer curso técnico de Mecânica Automobilística e Industrial, coloquei ele no Senai. Mas mais uma vez ele não pode terminar, pois o Senai também fica em área diferente da que moramos”, lamenta a mãe de um rapaz de 17 anos, que atualmente precisa estudar a duas quadras da rua onde mora.
De acordo com outra mãe, os jovens que pertencem às gangues usam camisa de escola pública e param na portas de outras unidades para arrumar confusão. “Há poucos dias eles invadiram um ônibus que vem do bairro Cidade Alegria com pau, pedaço de cano, e ameaçaram alunos que estavam descendo na porta do colégio [Oliveira Botelho]. Eles estão querendo marcar território, por isso que tem essas agressões”, diz a mãe de um menino de 16 anos, que agora passou a levar e buscar o filho na escola diariamente.
A Polícia Militar informou que o comando do 37°BPM (Rezende) está intensificando o patrulhamento diário para coibir os crimes na região e que há equipes voltadas especificamente para as rondas escolares.
Audiência pública na Alerj
Para tratar da questão da violência no interior das escolas e identificar como isso tem afetado aos professores, em agosto acontecerá uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) para abordar o assunto.
“A violência nas escolas não atinge apenas os alunos. O professor também é vítima. Entendemos que a solução para o problema da violência nas escolas e para o surgimento das gangues não pode ser paliativa e imediata. Precisamos de decisões estratégicas com todos os setores da sociedade envolvidos”, ressalta o deputado estadual Glaucio Julianelli (PSOL), que também sugeriu ao governo do estado a criação de duas delegacias da Criança e do Adolescente Vítimas (DECAV) para atender o Sul Fluminense.
A Secretaria Estadual de Educação destacou que as unidades escolares têm por rotina promover encontros regulares com os pais para tratar desses e outros temas relevantes que possibilitem a ordem e a segurança da comunidade escolar. Algumas delas têm ainda projetos próprios que incentivam o diálogo e o respeito dentro e fora do espaço escolar e, caso necessário, o Conselho Tutelar é acionado.
“Temos a preocupação de tentar trabalhar um clima de paz nas escolas. Trabalhamos a questão do bullying, das relações interpessoais, para que o clima na escola seja mais harmônico e a convivência seja mais saudável. Fazemos um trabalho que se chama Fórum de Práticas Restaurativas, onde construímos grupos de pessoas mais sensíveis ao diálogo para nos ajudar a prevenir conflitos”, ressaltou Heloísa Werneck, assessora técnica de Saúde e Bem-Estar da Seeduc.
Falta de segurança nos portões
Segundo os educadores, a tragédia que aconteceu na escola Tasso da Silveira, em Realengo, há quatro anos, quando um ex-aluno invadiu a escola e matou 12 crianças,pode se repetir sem dificuldade na escola República do Líbano.
“Uma vez que não há porteiro e o portão está aberto, você não tem nenhuma barreira. Na Tarso, alguns professores conseguiram salvar alunos porque as salas tinham tranca. Aqui, numa situação análoga, vai matar quem quiser, porque não há nenhuma, absolutamente nenhuma, proteção para os alunos”, afirma o professor, destacando que o corpo docente e a direção da unidade fazem o máximo que podem para garantir a segurança dos alunos.
Segundo Adriana Silveira, de 43 anos, mãe de uma das crianças mortas na tragédia e presidente da Associação “Os Anjos de Realengo”, pouca coisa mudou desde a morte das crianças dentro da unidade escolar.
“A violência está muito grande nas escolas. Na verdade, nada mudou. As escolas não têm segurança alguma. Se continuar como está, daqui a pouco os pais não vão querer colocar os filhos na escola. Não podemos colocar nossos filhos na escola e ter a incerteza de que vamos voltar e podemos encontrá-los mortos”, afirmou Adriana, que hoje preside o grupo formado por cerca de 200 pessoas que luta por mais segurança nas escolas.
Para o Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro (Sepe), a necessidade de concurso público para o cargo de porteiro é essencial para garantir a segurança nas escolas. “Não é uma atribuição de qualquer um abrir o portão de uma unidade escolar. Isso envolve a segurança das crianças. Queremos uma escola que possa garantir para os nossos filhos e nossos alunos uma formação plena em todos os seus aspectos, que ele se sinta seguro, tranquilo e que tenha condições objetivas de alcançar sua aprendizagem”, garante Susana Gutierrez, diretora do Sepe.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, após término do contrato com a empresa que prestava serviço de vigia nas escolas, a prefeitura deu autonomia para cada unidade definir qual esquema seria utilizado nas portarias e sugeriu que fossem colocados funcionários readaptados – aqueles que não podem exercer sua função anterior – nos portões.
Fonte: G1