Em breve, a presença de cidadãos dos Estados Unidos em Cuba deve se tornar tão comum quanto a dos antigos carros americanos que povoam a paisagem de sua capital, Havana.
Em meio ao anúncio da retomada das relações diplomáticas entre os dois países, uma das primeiras medidas implantadas será a facilitação de viagens, algo que era restrito desde o início da década de 1960.
Em 1961, os Estados Unidos romperam relações diplomáticas com Cuba, em retaliação à expropriação de empresas americanas pelo recém-instalado governo revolucionário de Fidel Castro. No ano seguinte, as relações comerciais também foram interrompidas.
Isso impedia o comércio bilateral, empréstimos por organizações como Banco Mundial e o FMI à Cuba e o turismo entre os dois países.
Agora, com a volta do diálogo entre cubanos e americanos, as atenções se voltam para o futuro do bloqueio econômico a Cuba. "O principal não foi resolvido", disse nesta quarta o presidente Raúl Castro. "O embargo comercial, econômico e financeiro provoca enormes danos humanos e econômicos ao nosso país e deve acabar."
O automóveis antigos de Havana são, além de um sucesso entre turistas, uma lembrança dos efeitos destes 52 anos de embargo.
O bloqueio econômico empobreceu o país e afetou a praticamente a todas as indústrias cubanas, entre elas a automobilística, o que, junto com leis locais, criou uma situação curiosa.
Até quatro anos atrás, a grande maioria dos cubanos só podiam comprar carros fabricados antes de 1959, quando Castro assumiu o poder, segundo regras impostas pelo governo.
Sem conseguir adquirir novos automóveis, restou aos cubanos consertar os que já tinham, mas o embargo quase impossibilita o acesso a peças destes modelos vindas dos Estados Unidos.
Alto custo
Em plena Guerra Fria, o embargo colocou de vez lado a lado Cuba e União Soviética, que passou a ajudar economicamente o pequeno país da América Central.
Mesmo assim, o custo do embargo americano à economia é estimado em US$ 1,1 trilhão pelos governos de Cuba e dos Estados Unidos.
Uma medida desse prejuízo pode ser sentida em um dos setores mais tradicionais de Cuba, o de produção de rum.
Estima-se que 2,6 milhões de caixas deixaram de ser vendidas até 2010, totalizando US$ 106 milhões a menos.
O embargo também ampliou o mercado negro no país e fez com que muitos cubanos tentassem escapar do país rumo aos Estados Unidos em busca de uma vida melhor, criando em Miami uma das maiores comunidades de cidadãos cubanos fora de Cuba.
A falta de relações diplomáticas também teve seus efeitos no dia a dia da população. Durante a administração de George W. Bush, por exemplo, os programas de intercâmbio cultural praticamente desapareceram.
Dificuldades
Após cinco décadas, mais de 70% da população do país nasceu em meio ao embargo e às dificuldades trazidas por ele.
A situação se agravou a partir da década de 1990, quando a União Soviética entrou em colapso e, junto com ela, sumiram subsídios anuais estimados em US$ 4 bilhões e o apoio político dado pelo governo soviético a Cuba.
Isso levou o governo do país a racionar comida, energia e bens de consumo e a injetar dinheiro na economia para manter os preços de moradia e comida baixos.
Ao mesmo tempo, esse período de crise fez com que alguns controles governamentais fossem atenuados. Empresas passaram a poder importar e exportar sem pedir permissão ao governo. Zonas de livre comércio foram criadas.
Novos parceiros
No início dos anos 2000, outros países começaram a assumir papel da União Soviética, principalmente a China e a Venezuela, sob o governo de Hugo Chávez.
Os venezuelanos fornecem combustível barato, enquanto os chineses ajudam o país a desenvolver sua indústria petrolífera.
A Rússia buscou se reaproximar de seu antigo aliado, assinando acordos para explorar reservas de petróleo em alto mar.
O Brasil também teve seu papel, investindo US$ 640 milhões em projetos de infraestrutura, cujo principal beneficiário foi o porto de Mariel, no oeste de Cuba, a cerca de 40km de Havana.
Neste período, o turismo tornou-se uma das principais fontes de renda para o país.
Novo rumo
O embargo foi ligeiramente afrouxado nos últimos anos. O presidente Bill Clinton abriu exceções na venda de produtos médicos e agrícolas para o país, alegando propósitos humanitários.
Sob o governo de Barack Obama, os cubano-americanos não tinham mais um limite para a quantidade de dinheiro que podiam enviar a seus parentes no país.
Mas, ainda hoje, as viagens entre os dois países são limitadas àqueles que conseguem permissões especiais, um processo demorado e burocrático.
Isso mudará com a retomada as relações diplomáticas, trazendo mais visitantes americanos ao país.
Mas, enquanto o bloqueio econômico estiver vigente, a experiência de circular pelas ruas de Havana ainda será para eles como fazer uma viagem de volta ao passado.
Marcos das relações EUA-Cuba
1959: Fidel Castro e seu exército de guerrilheiros derrotam o governo de Fulgencio Batista, que era apoiado pelos Estados Unidos.
1960: Cuba nacionaliza empresas americanas sem oferecer compensações em troca. Os Estados Unidos rompem diplomaticamente com o país e põem em prática um embargo nas relações comerciais.
1962: Temendo uma invasão americana, Fidel Castro concorda em permitir que a União Soviética posicione mísseis nucleares na ilha, ameaçando os EUA. As duas superpotências da Guerra Fria ficam à beira da guerra.
2001: Cinco cubanos, chamados de "5 heróis" em Cuba, são presos em Miami por espionagem.
2008: Raúl Castro se torna presidente de Cuba.
2009: O americano Alan Gross é detido em Cuba por espionagem.
2011: Um dos "5 heróis", Rene Gonzalez, é libertado pelos Estados Unidos.
Dezembro de 2013: O presidente americano Barack Obama e Raul Castro se cumprimentam no funeral de Nelson Mandela, o primeiro gesto público entre líderes dos dois países desde 1959.
Fevereiro de 2014: Um segundo integrante dos "5 heróis", Fernando Gonzalez, é libertado depois de cumprir sua sentença.
17 de dezembro de 2014: Alan Gross é libertado por Cuba, em troca pela libertação dos outros três cubanos.
Fonte: iG