De outro, uma nação que, ano após ano, não consegue lidar com problemas domésticos como tortura, violência policial, prisões superlotadas e impunidade.
Esse é o balanço do capítulo sobre o Brasil do relatório anual da ONG Human Rights Watch, divulgado nesta terça-feira (21), com os avanços e retrocessos em questões ligadas ao direitos humanos em todo o mundo.
O documento deste ano, as críticas ao Brasil – especialmente no que diz respeito à segurança – são bastante semelhantes às de 2013.
'Além de não ter melhorado nesses quesitos, problemas como conduta policial e a situação carcerária foram potencializados por eventos do ano passado, como a ação violenta da polícia nos protestos, a morte do Amarildo e a matança no Maranhão', disse à BBC Brasil Maria Laura Canineu, diretora da ONG para o país.
'Ficou ainda mais claro o mau preparo da polícia para lidar com multidões. Durante os protestos, pudemos ver que o padrão de conduta dos policiais não mudou e, em muitos casos, usaram a força de forma desproporcional contra os manifestantes.'
A Secretaria de Direitos Humanos disse que só comentaria o relatório da Human Rights Watch após sua divulgação, marcada para a manhã desta terça-feira.
Carandiru
Para Maria Laura, houve avanços pontuais na questão da segurança, mas os problemas sistemáticos não foram resolvidos. 'Não vemos a punição dos responsáveis. Isso é gravíssimo. Nos protestos, por exemplo, policiais foram, sim, processados, mas não vemos uma conclusão dos casos.'
Como 'notável exceção', o documento cita a condenação de 48 policiais pelo homicídio dos detentos mortos na prisão do Carandiru, ocorrida em São Paulo em 1992.
Segundo o relatório, há outros problemas sistemáticos que persistem, como as condições desumanas e degradantes em delegacias e prisões.
'O Brasil ainda tem que fazer muito mais para se consolidar como democracia influente no mundo', afirmou Maria Laura.
Entre iniciativas positivas na área, a diretora da ONG cita a implementação da lei estadual em São Paulo que proíbe policiais de socorrerem vítimas de tiroteios, sendo obrigados a esperar pelo resgate para transportá-los para o hospital – uma medida que reduziu em 34% o número de mortes decorrentes de ações policiais.
Privacidade e domésticas
A diretora também elogiou 'o papel de liderança' do Brasil na luta pelo direito à privacidade, afirmando na ONU que nenhum governo pode violar a privacidades de governos ou de indivíduos'. Mas disse que a Human Rigths Watch espera que essa liderança seja replicada em outras áreas da diplomacia.
'O Brasil falhou, por exemplo, ao se omitir na votação da ONU sobre a guerra na Síria. Quando o Brasil fala, como no caso da invasão de privacidade, dá repercussão. Mas quando o Brasil se omite, isso também causa uma reação, e ela é bastante negativa para o país no cenário mundial.'
Fora da esfera da segurança pública e da diplomacia do Brasil, a ONG também tratou da liberdade de expressão e acesso à informação no país, lembrando que seis jornalistas foram mortos no país entre janeiro e novembro de 2013, além de profissionais feridos ou detidos durante os protestos.
O relatório faz um elogio a um avanço importante na área de direitos trabalhistas, com a aprovação da emenda constitucional (que ficou conhecida como PEC das domésticas) que garante a cerca de 6,5 milhões de trabalhadores dessa áreas a receberem direitos como pagamento de hora extra e aposentadoria.
Atrocidades na Síria
O principal foco do Relatório Mundial de Direitos Humanos 2014 foi a guerra na Síria e como as potências mundiais não estão tomando ações suficientes para barrar as atrocidades e a morte em massa de civis.
Segundo o documento, 'a estratégia do governo sírio de travar uma guerra por meio de ataques a civis, bem como o aumento de abusos por grupos rebeldes, causaram horror em 2013, mas não houve pressão suficiente por parte de líderes mundiais para cessar as atrocidades e responsabilizar os criminosos'.
O relatório destaca que o fato de a Rússia e a China terem impedindo o Conselho de Segurança da ONU de agir permitiu o assassinato de civis sírios por ambos os lados.
A ONG também cita as divulgações feitas por ex-colaborador da NSA (agência de inteligência do governo americano) Edward Snowden, criticando a vigilância em massa feita pelo governo americano. Mas ressaltou que a indignação mundial perante esse 'menosprezo ao direito à privacidade' traz uma perspectiva de mudança.
G1