A celebração de acordo judicial que converte a separação litigiosa em consensual não impede o prosseguimento da ação quanto a pedido de indenização que tenha sido formulado por um dos ex-cônjuges contra o outro.
Com esse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, reformou decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que considerou que a ex-esposa, ao firmar acordo na separação, renunciou tacitamente ao direito de obter reparação pelo alegado comportamento agressivo do ex-marido.
Segundo os autos, o acordo tratou apenas da separação, de alimentos e da guarda do filho do casal. A mulher requereu a separação apontando culpa exclusiva do ex-marido, a quem acusou de agredi-la fisicamente, inclusive na presença da criança. Ele também teria passado a persegui-la e ameaçá-la. Além da separação, ela pleiteou indenização por danos morais e materiais.
Encerrada a discussão acerca da separação com o acordo, o juiz extinguiu o processo sem julgar o mérito, sob o fundamento de ausência de interesse de agir. Com a tese de renúncia tácita, o TJ-SP também negou prosseguimento à ação. Ao STJ, a mulher sustentou que a corte estadual, ao estender os efeitos do acordo aos demais pedidos, violou o artigo 843 do Código Civil, segundo o qual a transação deve ser interpretada restritivamente.
O ministro Marco Buzzi, relator do recurso, explicou que a transação é um meio pelo qual as partes podem prevenir ou encerrar seus litígios, declarando ou renunciando a direitos disponíveis. Para o magistrado, porém, a transação deve ser interpretada de forma restritiva, pois os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente (artigo 114 do CC).
Desse modo, apontou o relator, o acordo celebrado no caso dos autos deve se restringir aos pedidos de separação, alimentos e guarda do filho, pois em nenhum momento a ex-esposa declarou, expressamente, desistência ou renúncia ao direito no qual fundamentou o pedido de indenização.
Marco Buzzi registrou que, segundo a mulher, o seu único objetivo ao firmar o acordo foi preservar os direitos do filho, razão pela qual fez questão de que a reparação dos danos não fosse incluída, já que pretendia prosseguir com a ação em relação a esse pedido.
Para o relator, não há incompatibilidade lógica entre o acordo em torno da pretensão principal (separação) e o prosseguimento do processo em relação às pretensões conexas.
Ele ressaltou que, conforme o artigo 1.123 do Código de Processo Civil de 1973, as partes podem optar pela separação consensual a qualquer tempo, "sem que isso implique renúncia ou perda de interesse de agir em relação a pretensões conexas, decorrentes do descumprimento de obrigações inerentes à sociedade conjugal, mormente nas hipóteses em que igualmente consubstanciam grave lesão a direito de personalidade".
No entender do magistrado, adotar a interpretação das instâncias ordinárias significaria cercear o exercício do direito de ação da ex-esposa e legitimar "indevidamente" que a pronta separação judicial fosse condicionada à sua renúncia ao direito de pleitear os danos morais e patrimoniais decorrentes da conduta imputada ao ex-marido.