O presidenciável Sergio Moro (Podemos) e o MBL (Movimento Brasil Livre) adotaram recuos políticos e retóricos para pacificar a relação e manter o apoio do grupo à candidatura do ex-juiz depois do episódio envolvendo as falas de cunho sexista do deputado estadual Arthur do Val (sem partido-SP).
De acordo com membros do MBL, que se filiaram em massa ao Podemos em janeiro para reforçar a campanha nacional, o movimento segue com o plano de lançar pelo partido três nomes à Câmara dos Deputados e quatro para a Assembleia Legislativa de São Paulo.
Um impasse a ser resolvido, porém, é a candidatura ao Governo de São Paulo -enquanto o MBL defende que o vereador Rubinho Nunes (Podemos-SP) ocupe o espaço vago de Arthur, a legenda passou a cogitar a presidente da sigla, deputada federal Renata Abreu (SP), para o posto.
Passado o estranhamento inicial após a eclosão do escândalo -Arthur chegou a dizer em entrevista à Folha ter ficado chateado com a nota de repúdio do ex-juiz–, as partes buscaram entendimento no início desta semana para evitar que a aliança eleitoral fosse contaminada.
Em jogo está o interesse de Moro em ter a seu lado a estrutura de redes sociais e mobilização digital do MBL, no momento em que tenta fazer sua campanha deslanchar, e a vontade mútua de preservar candidaturas do MBL ao Legislativo abrigadas no Podemos.
Depois da estratégia para isolar Arthur do Val das tratativas partidárias, representantes de ambos os lados dizem que o caso está sendo superado. O deputado pediu desfiliação da legenda, confirmada na terça (8), e desistiu da candidatura ao governo e à reeleição. E se afastou do MBL.
A reviravolta é fruto do escândalo causado pelo vazamento de áudios do parlamentar com comentários sexistas sobre mulheres da Ucrânia, para onde viajou com a justificativa de ajudar vítimas da invasão russa. Disse, por exemplo, que as ucranianas são "fáceis" por serem pobres.
Com a desvinculação de Arthur do Podemos, o MBL passou a concentrar esforços na defesa dele na Assembleia, onde deve enfrentar pedido de cassação que, se confirmado ao final pelo plenário, pode deixá-lo oito anos inelegível.
Moro, que na sexta (4) repudiou as falas imediatamente após a divulgação, emitiu nota na segunda (7) em que nega a chance de afastamento e diz entender "que o MBL irá superar esse episódio negativo". Dentro do MBL, houve reclamação e irritação com a primeira nota de Moro, que falava em crime.
"As declarações são incompatíveis com qualquer homem público. […] Jamais comungarei com visões preconceituosas, que podem inclusive ser configuradas como crime", disse na ocasião.
No entanto, o movimento não deu continuidade ao tom ressentido de Arthur. Os integrantes passaram a dizer que entendem Moro, pela necessidade de blindar a candidatura do escândalo. As novas declarações, mais favoráveis ao MBL, caíram bem no grupo.
Moro ainda enviou mensagem ao deputado federal Kim Kataguiri (União Brasil-SP), um dos cabeças do movimento, afirmando querer manter a proximidade e a campanha conjunta. Segundo participantes do movimento, apesar do desgaste da nota do ex-juiz, consolidou-se a avaliação de que a melhor opção, ao menos por ora, é manter o acordo. Uma negociação com outro partido para receber candidatos do grupo teria que começar do zero e em meio à janela partidária.
Líderes do MBL ressaltam que trabalham pela terceira via, que tem em Moro seu representante da centro-direita com maior intenção de votos –9% no Datafolha de dezembro. Mas, mesmo entre eles, há desconfiança sobre as condições do ex-juiz de levar a candidatura até o fim.
A ideologia liberal e a tentativa de quebrar a polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PL) justificariam a manutenção do apoio a Moro, de acordo com membros do MBL. Para eles, o outro lado da moeda é mais pragmático –Renata e Moro sabem da necessidade de uma aliança com o grupo.
"Nós confiamos no Moro e na terceira via. Não é momento de egoísmo da nossa parte, é importante seguir na construção da terceira via", diz à Folha Renan Santos, coordenador do MBL. Renan afirma ainda que o grupo não vai se omitir no processo eleitoral. "Se estamos tomando pedrada é porque sabem que a gente vai incomodar nas eleições."
"Nosso apoio a Moro está preservado e não há mudança na nossa situação no Podemos", diz Kataguiri. O deputado afirma que vai se filiar à legenda de Moro no fim de março para concorrer à reeleição.
"Eu entendo a posição do Moro", diz Rubinho Nunes. "Mas fizemos um trabalho pela terceira via e ele é o nome da terceira via", completa.
Para sustentar a candidatura de um nome do MBL ao Palácio dos Bandeirantes, o grupo menciona a carta-compromisso assinada na época da filiação em que o Podemos se comprometia a garantir legenda aos integrantes, "assegurando aos indicados pelo movimento, especialmente, vagas para disputa dos cargos" de governador, vice, senador e deputado federal e estadual.
Na terça, no entanto, enquanto Moro fazia postagem em rede social com a sugestão de Renata Abreu como candidata ao governo, Rubinho afirmou à reportagem que não sabia do arranjo proposto, mas evitou polemizar.
"O documento previa a indicação ao MBL, mas naturalmente podemos dialogar e construir um [outro] nome. Não vejo o nome da Renata de forma negativa", disse.
Nesta quarta (9), porém, Rubinho afirmou que o tema deve ser objeto de conversa entre o MBL e o partido. Ele pretende usar a carta como argumento em favor de seu grupo.
Kim adota a mesma linha. "Ainda precisamos conversar com o Podemos." Ele pondera que o candidato do MBL ao Executivo alavancaria a votação da chapa de membros do movimento para o Legislativo.
Assim como a nota de Moro, a ação do Podemos para driblar o MBL e lançar Renata também caiu mal em parte do movimento. Líderes do MBL não acreditam que a deputada levará a candidatura até o fim e cogitam até que a legenda acabe apoiando Rodrigo Garcia (PSDB), como quer uma parte dos prefeitos.
Renan minimiza a questão. "É importante que um partido do tamanho do Podemos tenha candidato em São Paulo", diz. A movimentação pró-Renata também teve o apoio do senador Álvaro Dias (PR), articulador de Moro.
Para assumir a empreitada, a deputada teria que abrir mão de sua tentativa de reeleição. Em nota, a assessoria diz que ela "foi surpreendida com o convite" de Moro, mas neste momento está "focada justamente na montagem dos palanques para a reforçar a candidatura presidencial".
Aliados do ex-juiz reforçaram a mensagem de que os ruídos com o MBL foram solucionados sem traumas e que é natural que o novo quadro eleitoral, sem Arthur, leve a uma rediscussão de acordos.
Para o deputado federal Junior Bozzella (União-SP), articulador da candidatura de Moro, o envolvimento do MBL segue bem-vindo. "O MBL agrega. São aguerridos, defendem princípios como transparência e retidão, têm militância, atingem o público jovem e têm capilaridade nas redes sociais. Por mais que tenha havido deslizes no caminho, a participação [do MBL] mais ajuda do que atrapalha."