Política

Maior salário não é garantia do melhor resultado de aprendizagem, diz secretária de Educação

Em 2016, quando era secretária de Educação em Cuiabá, a professora Marioneide Angélica Kliemaschewsk precisou lidar com resultados ruins da educação na capital e justificou que o orçamento apertado dificultava a aplicação de políticas. Quase três anos depois, ela passa por situação semelhante, no comando da secretaria estadual, confluída de índices escolares fracos, falta de recurso e a pressão da greve de professores. Ao Circuito Mato Grosso, ela volta a afirmar que é necessário investimento na educação e acrescenta que a aprendizagem vai além do aspecto material, e num momento de falta de “condições estruturantes”, é preciso reorganização para não perder o foco da aprendizagem do aluno, o “foco” de uma secretaria de educação.   

Circuito Mato Grosso: Qual é o tamanho da dívida da Seduc hoje?

Marioneide Angélica Kliemaschewsk: Eu praticamente assumi a Seduc em abril do ano passado, onde o grande desafio foi reorganizar as contas públicas. Nós vínhamos vivendo uma crise financeira, com a Seduc tendo um passivo, de 2013 a 2017, de R$ 574,8 milhões, e de 2018, um passivo de R$ 149 milhões. A partir desse momento, começamos a fazer um comitê estratégico econômico com a meta de zerar 2018 ou reduzir ao máximo o resto a pagar. Terminamos o ano passado com resto a pagar de R$ 50 milhões da dívida de 2018, fora salários, e da dívida de R$ 574 milhões, nos restam R$ 210 milhões.

CMT: Qual é a estratégia para equilibrar as contas a partir deste ano?

MAK: Na transição de governo, mostramos a situação real da Seduc e começamos a traçar iniciativas de 2019, e o principal é aumentar a receita da secretaria na LOA (Lei Orçamentária Anual). A Seduc tinha orçamento de R$ 2,6 bilhões ao ano com uma folha de pagamento de R$ 2,8 bilhões, ou seja, não fechava a conta. Dentro do programa de reforma administrativa do governo, começamos a reduzir o número de cargos DGA [cargos de confiança], cortando na própria pele, e o número de contratos; tínhamos 537 contratos, hoje está em 111; reduzimos as despesas operacionais, solicitando 20% aos fornecedores, e reorganizamos as portarias das escolas para reduzir os contratos existentes na rede. Na semana passada, conseguimos quitar uma dívida de R$ 20 milhões com fornecedores. A Seduc não conseguia comprar uma caneta; primeiro, porque não tinha credibilidade de que iria honrar com o compromisso; segundo, por falta de recurso, além do que nós estipulamos que são pagamento do transporte escolar, o PDE (Plano de Desenvolvimento da Escola), uma verba para escola dar andamento à política educacional, energia elétrica e locação.

  CMT: Já há uma previsão financeira para Seduc para os próximos anos?

 MAK: Para 2019, nós conseguimos, depois de uma grande gestão da equipe econômica e de planejamento, ampliar o orçamento para R$ 3,2 bilhões, o que paga a folha de R$ 2,8 bilhões e sobra uma capacidade de investimento de R$ 390 milhões. Mas, isso não é capacidade para investimento novo, ou seja, é para o transporte escolar, PDE, energia elétrica de escolas e sede descentralizadas, alimentação escolar, locações, e sobra para investimento em obras R$ 1,8 milhão, insuficiente para reforma uma escola. Diante do quadro atual, estimamos aumento orçamentário, para 2020, de 10 a 15%, pelo menos.

CMT: Essa previsão dá gordura para novos investimentos?

MAK: Consegue melhorar um pouco. Acontece que temos obras iniciadas em 2007, já se vão 12 anos e não foram finalizadas ainda. A prioridade nossa hoje é garantir que essas obras que iniciaram há um bom tempo sejam finalizadas.  Eu acredito que conseguirmos essas obras neste ano, a gente consegue colocar a Seduc em outro patamar, de melhorias de infraestrutura, que é um grande desafio diante da situação financeira do Estado.

CMT: Quantas obras estão paralisadas?

MAK: Temos uma média de 40 obras paralisadas. Escolas sendo construídas, reforma de escolas, quadras… Já retomamos algumas e já temos todos os projetos reorganizados para dar autorização de retomada nos próximos 60 dias, por causa de recurso que o governo conseguiu junto à Assembleia Legislativa em emendas parlamentares, cerca de R$ 35 milhões.

CMT: Diante da crise, a previsão de até 15% de aumento do orçamento não é um pouco otimista demais?

MAK: Não porque no ano passado tivermos aumento de aproximadamente de 40%. Com os 15% estou sendo pessimista, porque prefiro trabalhar dentro de um quadro real ao invés de sonhar demais e não dar conta de fazer quase nada. Seria um aumento de uns R$ 300 milhões, que já conseguiram colocar algumas obras a mais em andamento, aquelas que são prioridade das prioridades.

CMT: Essa estimativa não inclui RGA

MAK: Não. Só para investimentos. Se eu coloco RGA e outras questões, o aumento teria que ser maior. A realidade hoje do Estado é o início de uma greve, que teve várias reivindicações do sindicato, por exemplo, a licença-prêmio, só aí nós temos R$ 4 milhões; licença para qualificação profissional, sob a perspectiva que o Estado tem substituir os licenciados. Só para este anos são 246 licenças autorizadas. Mais um terço de férias para os contratados, que gera um passivo de R$ 23 milhões – tudo isso atendimento em reivindicações – além da infraestrutura. É uma situação bem antagônica, porque eu tenho um orçamento de R$ 3,2 bilhões e R$ 2,8 bilhões de folha, como vou custear a lei 510 [dobra do poder de compra] ao mesmo tempo em que não conseguimos ter fluxo de caixa? A lei 510 demanda recurso de R$ 200 milhões, e a Seduc tem recurso de R$ 320 milhões. O que sobra só paga transporte escolar.

CMT: Existe o argumento de que a melhoria dos índices escolares passa pelo investimento. Como casar as metas com a crise financeira?

 MAK: A Seduc tem trabalhado para conseguir liquidez e priorizar a prioridade da prioridade que é o plano pedagógico aos alunos, a melhoria da proficiência. O foco tem sido a formação continuada dos professores para o chão da escola, voltada para a proficiência de português, matemática e as dificuldades de aprendizagem. Além disso, com a possibilidade do QEdu [ferramenta de avaliação do desenvolvimento escolar] em seu diagnóstico identificar a turma com mais dificuldade, nós estamos atacando o problema de uma outra forma. Hoje nós 131 escolas que puxam o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) estadual para baixo.  Temos feito uma força-tarefa voltada para essas escolas romperem esse paradigma.

CMT: As 131 escolas entram na linha de vulnerabilidade?

MAK: Um estudo do Instituto Airton Senna diz que sim, e em Mato Grosso não é diferente. A política de ensino em Mato Grosso desponta em alguns aspectos, como a correção da distorção da idade série, isso foi resolvido com a enturmação.  Mas, ao longo dos anos, as políticas educacionais se voltaram a para enturmação e não avançou para corrigir o grande gargalo, que é a aprendizagem. Se o aluno não sabe, ler, escrever, interpretar texto, fazer análise relacional,  eu preciso trabalhar isso com o aluno senão ele não vai avançar. Às vezes, é preferível ter uma intervenção pedagógica imediata para que ele possa garantir de fato seu direito de aprendizagem.

CMT: Esse gargalo passa necessariamente por investimento?

MAK: Isso passa necessariamente por investimento em material pedagógico, mas não só por isso. Eu acredito muito no fruto daquele trabalho de professor/aluno, de um currículo que trabalhe com melhoria da proficiência.

CMT: Os sindicatos exageram quando enfatizam muito aspecto financeiro? O Sintep disse que este é o pior momento da história da educação em Mato Grosso.

MAK: Eu acredito que no pior momento podemos chegar se não corrigirmos os erros. Estamos num momento adverso, com parcelamento dos salários, a dificuldade financeira. Quando você senta na cadeira para gerir uma pasta e vê que despesa é sempre maior a receita você: E agora, o que fazer para impactar o mínimo possível a sala de aula? Um salário digno é o objetivo de qualquer governo, é o objetivo de qualquer profissional. Mas, quando não há condição estruturante para isso, é preciso tentar colocar as coisas em ordem para buscar essa condição. Esse é um momento delicado para Mato Grosso. Não é só o sindicato que cobra investimento, a sociedade civil também cobra investimento em saúde, educação, segurança. O problema da Seduc não é gestão Pedro Taques ou Mauro Mendes. Ele se arrasta há anos. Hoje, a prioridade da Seduc é o foco pedagógico, o que precisa ser o foco de uma secretaria de educação.

CMT: Qual é o diferencial de Marcelândia, município com três escolas e com melhores índices de educação em Mato Grosso?

MAK: Eu poderia colocar que o melhor salário poderia gerar o melhor resultado, mas isso não é a realidade. Quando você vai para sala de aula tem um grande contato psicológico estabelecido entre alunos e professores e escola. Esse contato vai muito além de uma melhor infraestrutura. A gente percebe isso inclusive nas próprias abordagens de Paulo Freire, quando ele coloca que se alfabetiza até embaixo de uma árvore, dentro suas concepções. Existem perfis profissionais que contemplam essa situação. Como professora, de 25 anos de chão de sala, posso dizer que já tive momentos de 45 alunos por sala, e a gente percebe que o elo afetivo com aluno faz transformações. A educação é um processo de transformação de vida. O professor precisa sempre, sempre continuar com a formação continua para melhorar sua prática pedagógica. Não significa que nos grandes centros urbanos ocorrerão os melhores resultados. É preciso envolvimento da família, da escola e, principalmente, do contato psicológico professor/aluno.

CMT: O aperto financeiro pode atrasar a meta de algumas educacionais?

MAK: Estou com a equipe pedagógica voltada para que as escolas como foco em ensino e aprendizagem, investimento em formação continuada, em projetos estratégicos dentro das escolas. Eu não posso dizer que uma greve não atrapalhe, estamos finalizando o semestre, é o momento que teríamos praticamente seis meses de aula. Esse é um motivo que precisamos de sensibilizar os professores porque nossos alunos precisam estar dentro da escola, precisam ser poupados o máximo possível dessa realidade social que é tão pesada, e dentro das escolas eles ainda se sentem seguros apesar de todos os problemas que existem hoje. E dentro da perspectiva profissional, o governo tem sim mostrado interesse e está aberto ao diálogo.

CMT: Como a senhora vê a justificativa de sindicatos que o governo poderia mexer em outro lado para conseguir recurso ao invés de apertar o orçamento da Seduc, por exemplo?

MAK: Eu não tenho problema em responder sobre isso porque logo de início o governo mostrou aberto ao enfrentamento pesado com a taxação do agronegócio, que aumentou recurso que, inclusive, tem entrado na Seduc que vai ajudar na retomada das obras. A política de incentivo fiscal está sendo mexida. É preciso fazer mudanças para que coisas tenham legitimidade, de garantir que etapas não sejam extrapoladas.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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