O cotidiano na lavoura já é assemelha ao de reconhecidos produtores em Mato Grosso. Máquinas de grande porte trabalham a terra, onde serão plantados grãos, cuja produção é contada em toneladas. Na safra 2018/2019, a do milho foi de 28 mil toneladas; da soja, 21 mil; a produção do feijão não entrou ainda na contagem dos milhares em toneladas, mas as 500 toneladas produzidas no período foi a maior do Estado.
No ramo do agronegócio esses são números de produtor de pequeno ou médio porte, mas ganham mais relevância se for identificado que estão sendo produzidos em terras indígenas (TI) e pelos indígenas. O coordenador do Grupo de Agricultores Indígenas, Felisberto Umutina afirma que as atividades não são de agora, começaram há 20 anos. Hoje, eles buscam acesso a recursos que o governo já concedem aos produtores fora das TI.
“Muitas pessoas pensam que estamos querendo começar a produzir agora, mas não é assim. Algumas etnias já produzem há 15, 20 anos. Começaram como a maioria dos produtores com um pedaço de terra pequeno, que vem crescendo nesse tempo”.
O grupo o qual ele coordena tem representantes de 17 etnias das 43 identificadas em Mato Grosso. São, por exemplo, Xavante, Carajás, Umutina, Bacaeri que buscam melhorar os meios de produção de terras para cultivo que estão em expansão. A área de produção do feijão campeão de safra se espalha por cinco mil hectares.
“O que queremos é acesso a créditos para comprar maquinários, melhorar infraestrutura. Hoje, nós não temos acessos a recursos que precisamos para desenvolver nossa produção.
Nenhum banco empresta dinheiro para indígena, porque não temos como garantia – com bens matérias – o retorno”, diz o coordenador.
Conforme Felisberto Umutina, as maiores produções hoje das etnias são de soja, grão-de-bico, feijão, girassol, café e arroz. E existem produções menores, mas em destaque como as de mandioca, abacaxi e banana, e um levantamento está sendo realizado para saber o tamanho da produção de gados.
Conforme dados de 2019 do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), agricultores indígenas de três etnias plantaram para safra de 2018/2019 quase 18 mil hectares de grãos em Campo Novo dos Parecis (385 km de Cuiabá). Só a etnia Paresi plantou 10 mil hectares, sendo a soja o destaque, com extensão de 8,7 mil hectares, seguida do milho, com mil hectares, e do arroz com 300 hectares.
Os povos Nambiquara e Manoki também plantaram mil hectares cada um. Para a safrinha deste ano, a expectativa é que sejam plantados 7,7 mil hectares de milho convencional, 6 mil de feijão, 1,4 mil de girassol e 500 de milho branco, totalizando quase 18 mil hectares.
“Dinâmica da cultura”
Felisberto Umutina diz que a produção indígena em média escala entrou para a rotina das etnias por força da dinâmica da história. O contato com a cultura ocidental, novas expectativas de vida e a mudança no meio ambiente contam para confluência da mudança.
“Perspectiva do indígena hoje é diferente, o modo de sobrevivência é outro. A realidade da dinâmica da cultura, da história nos força à adaptação, e estamos buscando nos adaptar às mudanças. Hoje, queremos colocar nossos filhos da universidade, queremos buscar tecnologia e fortalecer nossas práticas culturais, transmiti-las para o futuro. É isso que buscamos”.
Por não ser uniforme, a dinâmica também gera conflitos. O coordenador afirma que um expressivo grupo de etnias é contrário à adesão da produção em toneladas. Parte neste grupo recebe assistência financeira e de saúde de ONGs (Organizações Não Governamentais). Os que defendem esse tipo de produção estariam excluídos do leque de beneficiados.
“Mais que isso, nós procuramos nossa independência, não queremos ser assistidos por ONG. Assim, como eles têm o direito de permanecer como beneficiados, temos o direito de buscar meios para nossa sobrevivência”.
O consenso interno nas etnias estaria garantido. O ganho da produção é revertido para todos integrantes, tendo aplicação de benefício geral. O modelo excluiria a propriedade individual.
“Tudo o que é produzido é revertido para todos da terra indígena, não existe essa coisa de ser produção de uma pessoa e ter direitos a mais que o restante. É benefício para todos”.
A reportagem tentou contato por telefone com representantes indígenas contra o tipo de produção em desenvolvimento, mas não conseguiu falar.
Análise da revisão
O governo de Jair Bolsonaro prepara medidas para legalizar a exploração do agronegócio em terras indígenas via acordo entre etnias e produtores. Conforme reportagem da Agência Estado, a mudança poderá ser feita por meio de decreto presidencial e teria anuência da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Reportagem publicada pelo jornal Estado S. Paulo no fim do ano passado mostra que 22 terras indígenas do País possuem áreas arrendadas ilegalmente para ruralistas. As negociações clandestinas entre produtores e indígenas incluem desde o pagamento de mensalidades para os índios até a divisão da produção colhida ou vendida. Nessas 22 terras vivem mais de 48 mil índios. A área total arrendada chega a 3,1 milhões de hectares, um território equivalente a mais de cinco vezes o tamanho do Distrito Federal.
A Funai ressalta que os indígenas têm o direito de escolher seu modelo de desenvolvimento econômico, de acordo com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para os povos indígenas e tribais.