Foto: Chico Valdiner – Secom MT
O ex-comandante-geral da Polícia Militar, coronel Zaqueu Barbosa, teria atuado não só como mandante, mas como o responsável por manter contato pessoal com magistrados para viabilizar a quebra de sigilo telefônico ilegal em Mato Grosso.
A acusação baseou a decisão do juiz Marcos Faleiros, da 11ª Vara Criminal Especializada em Crimes Militares de Cuiabá, que na tarde desta terça-feira (23), determinou a prisão preventiva de Zaqueu e do cabo da Polícia Militar Gerson Luiz Ferreira Golveia Junior – integrante do Núcleo de Inteligência da PM e teria assinado alguns pedidos de grampos à Justiça.
As prisões foram proferidas em decorrência do Inquérito da Polícia Militar que investiga a existência de suposta central de interceptações telefônicas ilegais envolvendo policiais militares e integrantes do Governo do Estado.
No fim da tarde desta terça-feira, os dois passaram por audiência de custódia e realizaram exame de Corpo Delito no Fórum da Capital. Após isso, o coronel Zaqueu foi encaminhado para o Batalhão Operações Policiais Especiais (Bope), na Avenida Historiador Rubens de Mendonça (do CPA), e o cabo Gerson encaminhado para o batalhão de Rondas Ostensivas Tático Móvel (Rotam), no bairro Dom Aquino.
O caso denunciado do ex-secretário de Estado de Segurança Pública (Sesp), o promotor de Justiça Mauro Zaque, apontou que membros da Polícia Militar aproveitaram uma investigação relacionada ao tráfico de drogas na região de Cáceres (177 km de Cuiabá), para inserir números telefônicos de políticos adversários ao governo, médicos, advogados, jornalistas, servidores públicos e até desembargador aposentado de Mato Grosso, em um pedido de quebra de sigilo.
O requerimento para as interceptações teria sido encaminhado ao MPE, que por sua vez formalizou a solicitação à Justiça estadual. A autorização teria partido do juiz Jorge Alexandre Martins Ferreira, que não teria tido conhecimento de que nem todos os números relacionados pela PM estavam relacionados com o crime tratado no processo.
A prática já é conhecida no mundo da espionagem como “barriga de aluguel”.
A prisão preventiva, de acordo com a decisão, tem prazo de 30 dias, podendo ser estendida por mais 20.
Zaqueu ficou no cargo de comandante-geral da PM por 460 dias. Sua exoneração foi anunciada no dia 12 de janeiro de 2016.
Indícios
De acordo com a decisão, Marcos Faleiros, com base no inquérito da PM e de informações divulgadas pela imprensa quanto a investigação na Procuradoria-Geral da República (PGR), identificou indícios suficientes do envolvimento de Zaqueu e Gerson Luiz no esquema de arapongagem.
“A denúncia tornou-se pública mediante notícia veiculada na Rede Globo de televisão – programa “Fantástico”, no dia 14.05.2017, bem como nos sites de notícias do Estado de Mato Grosso, por conseguinte, este magistrado verificou indícios do envolvimento não só do Cel PM RR Zaqueu, apontado como mandante das ordens de ações militares de interceptações telefônicas, e quem mantinha contato pessoal com magistrados para viabilizar os grampos clandestinos, como também do CB PM Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior, responsável por formalizar os pedidos, prorrogações e relatórios de inteligência dos grampos militares ilegais à Justiça, conforme noticiado no site G1.globo.com e outros sites de notícias”, diz trecho da decisão.
Faleiros declarou que em análise preliminar ficou comprovado que alguns dos números inseridos no pedido de quebra de sigilo telefônico em questão não se tratavam de investigados pelo crime de tráfico de drogas.
“Foi realizada checagem preliminar da documentação mediante confrontação dos dados dos alvos fictícios apontados nos relatórios e suas identidades reais. De fato, emergem indícios que o conteúdo da documentação seja verdadeiro”, afirmou.
Conforme a decisão, Zaqueu teria infringido o Código Policial Militar (CPM), ao tomar decisão sem ordem superior.
“A interceptação telefônica militar é um instrumento à disposição da auditoria militar para apuração de crimes militares. Qualquer outra interceptação deve ser provocada pela Polícia Civil. O Coronel Zaqueu, ao determinar, anuir e/ou aquiescer em ação militar clandestina de interceptação na cidade de Cáceres/MT, em usurpação de função pública, fora dos casos previstos no CPPM, pode ter cometido o tipo penal do art. 169, porque o seu superior hierárquico, o Governador do Estado Pedro Taques, emitiu nota negando que tenha autorizado qualquer prática de ação militar de interceptação”, apontou.
Ordem pública
Segundo o juiz, a decretação da prisão preventiva de Zaqueu e Gerson Luiz é necessária para a garantia da ordem pública, assim como, a segurança para a investigação do caso.
Marcos Faleiros apontou o poder de influência dos investigados.
“Ambos têm influências no próprio Gaeco, Casa Militar e na cúpula da PM, o que facilita, e muito, o encobrimento das provas do crime. Importante salientar que o CB Gerson continua trabalhando na Casa Militar, e tem acesso ao software e hardware de interceptação militar, o que facilita ingressar no sistema para consumir, apagar e/ou destruir provas/indícios de crime. Aqui a prisão preventiva é necessária por conveniência da instrução criminal”, afirmou.
O magistrado também argumentou que as prisões deveriam ser decretadas, uma vez que as interceptações telefônicas ilegais revelam a “perigosa” violação dos direitos e garantias fundamentais, como da privacidade.
“Por fim, a prisão preventiva aqui é necessária por força do art. 255, ‘e’, CPPM, porque as práticas supostamente efetivadas pelo Coronel Zaqueu e pelo CB Gerson Luiz Ferreira Correa Júnior prejudicaram sobremaneira a Polícia Militar e o Poder Judiciário, comprometendo perante a sociedade o controle da criminalidade, ao perpetrarem escutas militares de jornalistas, deputados, desembargadores e até “amantes”, ao arrepio da lei”, disse.
Gravidade dos fatos
Ainda em sua decisão, o magistrado ressaltou a gravidade dos atos atribuídos a Zaqueu e Gerson Luiz, uma vez que teriam utilizado máquina estatal para fins de espionagem de jornalistas, políticos, desembargadores e outros.
“Ofendendo a democracia e comprometendo as investigações de crimes graves que acontecem no Estado de Mato Grosso, bem como aviltando a credibilidade da Polícia Militar e de órgãos de inteligência importantes, tais como o Gaeco”, declarou.
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