Imagine uma legislação que nem mesmo os profissionais da área conseguem entender, alie isso a constantes mudanças, acréscimos de emendas e decretos diariamente, e pronto: você está lendo sobre a legislação fazendária de Mato Grosso! Tal situação está afastando investidores, desestimulando vendas para o estado e encarecendo produtos, por conta dos exorbitantes valores do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) estadual.
Para ilustrar melhor, vamos dizer que o ‘Marcelo’ tem uma loja no estado de São Paulo e queira vender para um cliente em Mato Grosso. Ele mal sabe a ‘saga’ que precisará passar para conseguir vender o produto, sem pagar multas e perder lucratividade. Isso porque, diferentemente dos demais estados, a legislação mato-grossense tem peculiaridades que obrigará o profissional de contabilidade a dedicar algumas horas a mais na interpretação da lei.
A professora de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Giseli Alves Silvente, especialista na legislação fazendária estadual, explicou alguns dos principais empecilhos da lei tributária de Mato Grosso: “As regras daqui obrigam o fornecedor a modificar o cálculo do ICMS para poder mandar a mercadoria para cá. E para parametrizar os impostos nos moldes desta legislação, há ônus para o fornecedor”.
Funciona mais ou menos assim: Marcelo tem uma margem de cálculo, com a qual ele trabalha para enviar a mesma mercadoria para todo Brasil, só que para Mato Grosso ele precisará contratar um contador que esteja totalmente ciente das regras do nosso estado. “Isso se dá porque o texto da legislação é truncado e de difícil entendimento. As regras não são impossíveis de se entender pelos profissionais da contabilidade. Prova disso é que nós estamos aqui e o contribuinte, apesar de tudo, consegue sobreviver. Mas essa dificuldade torna nossas vidas muito mais difíceis”, comentou Giseli.
Sem consenso
“Quem trabalha com o ICMS de Mato Grosso já deve ter passado por situação parecida. Ele sempre irá esbarrar na burocracia da Secretaria de Fazenda (Sefaz), pois lá não há uma assessoria para que o contribuinte possa realizar suas consultas de forma prática”, disse o contador Marlon Santos, que trabalha na capital há cerca de sete anos. Segundo ele, a burocracia irrita muito os clientes que precisam enviar ou comprar mercadorias fora do estado. “Nós precisamos fazer uma manobra interpretativa muito grande para conseguir obedecer às leis. Não porque queremos sonegar, mas porque não há consenso entre as superintendências”, explicou.
Essa situação se dá, conforme a professora da UFMT, porque várias áreas da Sefaz trabalham de forma independente umas das outras. Cada setor é especializado em seu departamento e não consegue lidar com os demais setores. “Nós, contribuintes, não temos acesso aos dados da Secretaria. Cada departamento é especialista na sua área e não conhece nada dos demais. Isso causa muita dor de cabeça, pois o contribuinte precisa lidar com vários deles ao mesmo tempo”, explicou a professora.
“Se para quem legisla e trabalha lá dentro não há entendimento, imagine para nós contribuintes que estamos na ponta oposta”, insistiu Giseli.
Plantão fiscal
Há, no entanto, um canal de comunicação, que foi recentemente aberto na Sefaz: o Plantão Fiscal. “Nele o contribuinte ainda fica dependendo da sabedoria de uma única pessoa. E é desumano querer que o assessor do plantão fiscal vá entender de tudo dentro da Sefaz, se nem mesmo dentro das próprias gerências há entendimento”, comentou. Ela ainda disse que é humanamente impossível para o assessor conseguir encontrar todas as respostas dentro da secretaria. “O ideal seria que cada gerência tivesse uma assessoria disponível para atender o contribuinte”, concluiu.
Prós e contras
O regulamento do ICMS de Mato Grosso é muito complexo e é alterado numa velocidade muito grande. “Por isso se torna tão difícil trabalhar com o ICMS do estado. Quem é responsável por essa área precisa se dedicar exclusivamente a acompanhar as mudanças nas leis, diariamente”, explicou a especialista.
Essas alterações acontecem sempre sem um estudo dos impactos e análise de efeitos práticos. “Eles fazem as alterações por meio de decretos que acreditam ser os melhores e nos resta obedecer. Acredito que alguns pontos sejam importantes, outros nem tanto, mas como são leis precisamos cumprir”, disse.
Ela explicou que há várias modalidades de tributação no estado, cada uma com seus prós e contras: “As entrelinhas da legislação é que provocam transtorno, pois os contadores precisam interpretar um texto muito truncado, de difícil acesso e interpretação”.
Burocracia que causa prejuízo
O Circuito Mato Grosso recebeu uma denúncia, onde um vendedor, anunciando no site do Mercado Livre (site de e-commerce) se recusou em vender para compradores de Mato Grosso. A justificativa para não entregar o produto no estado veio em uma linha: “Por causa de questões tributárias”. A resposta resume o descontentamento e o prejuízo que a burocracia das leis fazendárias está provocando no Estado.
“Os contribuintes não são sonegadores. Eles são pessoas comuns que constituem empresa e precisam pagar seus tributos, tirar algum lucro para reinvestir e sobreviver. Se não existisse o contribuinte, não existiria o Estado. São pessoas sérias e precisam ter acesso às informações da Sefaz. Às vezes ele erra não porque quer sonegar, mas porque a legislação é obtusa”, explica a especialista na legislação local.
Os erros nas interpretações das leis acarretam em multas e penalidades aos vendedores e isso acaba afastando o vendedor que fica com duas opções: não vender para Mato Grosso ou superfaturar o valor da mercadoria, para não correr o risco de perder dinheiro. “Quando ele erra nesse cálculo, isso gera ônus para ele, pois além de ter que pagar a carga tributária – que já é alta – ele precisará arcar com multas e penalidades previstas na lei. Nesse caso, o lucro dele vai embora e às vezes tem até prejuízo”, diz Giseli.
A partir do momento em que o Estado não compra mercadoria de outros estados, ele está perdendo arrecadação e dinheiro de impostos, pois não poderá recolher ICMS. Mato Grosso não é um estado industrial, ele não produz os produtos de consumo, então precisa importar. Se não comprar de fora, não terá o produto para vender para o cliente final”, conclui a professora.
E mesmo que o vendedor de outro estado enfrente todo o processo, ele ainda terá transtornos, pois, segundo Gisele, se ele não for cadastrado no estado, precisará pagar por nota fiscal (individualmente).
“Ele emite a nota, manda de volta, paga e recebe o documento de volta, para depois poder mandar o produto para o seu comprador. Olha quanto tempo não se passou com o produto parado esperando essas guias. Isso causa um ônus operacional”, diz Giseli.
“Mato Grosso é conhecido por todo o Brasil por ser o campeão de absurdos praticados contra os contribuintes. Não adianta criar comissão sendo que a Procuradoria não tem funcionários, e até hoje não tem um sistema que a empresa possa consultar seus débitos e pagar tributos. Se um contribuinte do interior quer pagar um débito na Procuradoria, tem que vir a Cuiabá, pegar uma senha, esperar uma hora e só assim ser atendido. Sem falar no setor de compensação que tem três funcionários pra 12 mil processos”, diz Marlon Santos.
Secretário de Fazenda promete reestruturar legislação até novembro
O secretário de Fazenda, Paulo Brustolin, explicou que está empenhado em resolver todas as demandas da legislação tributária do estado. Segundo ele, esforços neste sentido começaram em janeiro e devem ser concluídos até novembro deste ano. “Isso é uma das metas tanto minha quanto do secretário de Desenvolvimento Econômico, Seneri Paludo”, disse em entrevista.
Conforme ele, o governo do estado está disposto a melhorar o ambiente empresarial de Mato Grosso. “Mato Grosso vive um cipoal jurídico na legislação tributária. São inúmeras portarias que eram emitidas todos os dias e que até mesmo os contadores mais experientes tinham dificuldade em compreender”, disse.
Em seguida emendou dizendo que já existe uma predisposição do governador, da Secretaria de Fazenda e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico para que haja uma nova legislação tributária. “Já fizemos várias reuniões nos setores produtivos, dentro da Sedec e estamos assinando um convênio com a Fundação Getulio Vargas para trazer o que há de melhor em legislação do Brasil para o estado de Mato Grosso”, disse Paludo.
Conforme Brustolin, há esforços da equipe governamental para analisar cada setor das Sefaz. “Nós precisamos analisar caso a caso para refazer as tão aclamadas modificações nas leis pelo setor produtivo. Vamos revisar todas as leis de tributação e reimplantar um novo sistema. Pessoas estão sendo treinadas fora do estado, sistemas estão sendo desenvolvidos para que possamos ter controle sobre as leis do estado”, prometeu.
Outras medidas serão a implantação de call-center, chat, e uma nova postura de atendimento ao cliente. Uma auditoria será implantada na Sefaz e também serão feitos o mapeamento e o histórico das relações entre estado e cliente.
Confira a reportagem de destaque do Jornal Circuito Mato Grosso