No dia 18 de novembro de 2017 o diretor, ator e capoeirista Valter Lara viu, naquele momento, a possibilidade de sua carreira ser interrompida. Exemplo de superação, Valter estreia um ano depois do queria o fim de sua trajetória, a peça Kilombo dando exemplo de superação. Ele, que ainda faz uso de cadeira de roda, seguiu frequentando rodas de capoeira e, no último sábado (17), em pé no palco, brilhou ao lado dos colegas atores protagonizando Kilombo, uma reflexão sobre as mais variadas formas de preconceito e principalmente sobre as mulheres. A apresentação fez parte da programação do 10º Encontro Nacional do Grupo Capuerê, sediado em Tangará da Serra (332 km de Cuiabá).
Falar sobre pessoas, sobre histórias que afetam o cotidiano negro, LGBTQI+, mulheres e outros temas de grande importância é o que inspira e move o grupo de Teatro Nó, de Nova Olímpia (200 Km de Cuiabá). Criado em 2005, já são 13 anos de história e sua mais nova peça é “Kilombo”, uma mistura de sentimentos, momentos e vivências.
Kilombo é resultado de uma pesquisa que ocorreu em 2013, por Valter, no recôncavo baiano. Ele se inspirou no samba de roda, puxada de rede, balé baiano e o maculelê. Este último é uma dança folclórica que conta a história de um negro que sonhou que a sua tribo estava sendo invadida. O guerreiro com dois pedaços de madeira buscou e fez justiça com as próprias mãos.
Baseado na história, Valter quis trazer uma visão feminina, o maculelê pelas mulheres, abordando a luta pela sobrevivência através dos tempos. “A mulher acima de tudo é a maior guerreira que existe desde o início do mundo. Nós mostramos a mulher e a sua essência”, relatou. A intenção da peça é provocar o público em uma reflexão através da estética direta e intimista.
“O grupo surge na necessidade de se falar em outras coisas. É a vontade de fazer essa linguagem intimista e direta com o público”, conta o diretor geral Valter Lara, que se inspira nas pessoas para escrever suas peças. A construção e montagem de um espetáculo surge de acordo com as pesquisas pessoas de cada ator.
“Eu quero contar a nossa história. O que nos inspira é saber que o vizinho precisa falar sobre o racismo, tem a vizinha que apanha do marido, as crianças que são estupradas…Enquanto todo mundo quer falar do bonitinho e do cômico, a gente quer falar com uma identidade muito própria sobre essas pessoas que são pouco visadas. É importante, acima de tudo, tocar nesse ponto. É o que nos fortalece, é o que nos da garra”.
O capoeirista
Valter Lara iniciou na capoeira aos 10 anos de idade. Um esporte que ensina sobre luta, arte, destreza e muitos outros benefícios que ajudam e guiam a vida de vários jovens.
Com o acidente em novembro do ano passado, ficou cerca de dois meses internado, sendo 15 dias na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Várias cirurgias, vários problemas de saúde se desenvolveram e ele acabou perdendo parcialmente o movimento das pernas. A partir de então, além das intervenções cirúrgicas, ele realizava de segunda a segunda-feira hidroterapia e fisioterapia.
“Mas isso não me impossibilitou, mesmo com colar para segurar meu pescoço eu estava lá dirigindo cenas. O meu acidente não deixou que o trabalho fosse interferido”.
Em sua cadeira de rodas ele dirigia os espetáculos, dava capacitação e formação aos atores. “Eu estava ensinando e aprendendo junto”. Ele conta que o Teatro Nó tem a participação da capoeira. Os que participam do grupo estudam, se preparam e tem um condicionamento corporal.
Valter teorizou o teatro dentro das práticas da capoeira, que fortifica e traz rigidez ao trabalho. “A destreza do capoeirista é fundamental para o nosso fazer teatral”. E é dessa forma que o Teatro Nó se faz presente dentro das comunidades em que se tem pouco acesso e incentivo à cultura e trazendo ao povo discussões atuais.
Valter integra grupo Capuerê, cuja sede fica em Tangará da Serra e que em nenhum minuto deixou de acolhê-lo nas rodas, mesmo na cadeira de roda.