Foto: José Medeiros / Gcom MT
Após a ‘farra dos incentivos fiscais’ e a constatação de que 100% dos benefícios fiscais concedidos apresentaram falhas formais e 40% falhas legais, o Estado de Mato Grosso, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec) sinaliza que os critérios para concessão dos benefícios terão novos eixos norteadores. A falta de delimitações numéricas e bem delineadas levou prejuízo ao Estado e aos empreendedores que não recebem incentivos no estado.
Além disso, a superintendência da Sedec divulgou a lista das empresas que recebem concessões fiscais de Mato Grosso. Atualmente são 467 empresas que recebem fruição integral, 211 com fruição parcial e 150 empresas que tiveram seus incentivos cortados em 2015.
Os dados sobre os processos de empreendimentos beneficiados pelo Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso (Prodeic) serão disponibilizados a partir da segunda quinzena de junho no Portal Transparência do Governo. Cada empresa terá o nome disponibilizado, bem como o valor do investimento, a localização do município e a quantidade de empregos diretos e indiretos gerados.
No passado, como denunciou o Circuito Mato Grosso (edição 498), a política fiscal praticada pela Secretaria de Fazenda de Mato Grosso (Sefaz) vinha usando parâmetros bastante questionáveis, que tinham como pano de fundo um dado alarmante: a concessão de incentivos fiscais era muito superior à arrecadação de impostos. E enquanto empresas beneficiadas com os incentivos deixam de recolher milhões em impostos aos cofres públicos, sem comprovar o devido retorno ao desenvolvimento do Estado, empresários, em geral menores, eram massacrados com pesados impostos e multas que chegam a até 100%.
Graves problemas identificados
A confusão e falta de critérios para a concessão dos benefícios fiscais e até da renúncia fiscal foi identificada, por exemplo, na concessão de incentivos do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços). Não havia um estudo de impacto das renúncias de receita sobre as finanças públicas para embasar a decisão do Conselho Estadual de Desenvolvimento Empresarial – Cedem (formado por titulares da então Sicme, Seplan, Sefaz, Sedraf, Sema e PGE) de conceder ou não os incentivos ou mesmo a falta de demonstrativo acerca do montante a ser renunciado.
A Controladoria Geral do Estado (CGE) identificou também irregularidades formais e materiais na concessão e no acompanhamento de incentivos fiscais pelo Governo, por meio do Prodeic, no ano de 2014. Nos últimos dez anos, o Governo praticamente perdeu o controle sobre os incentivos, que somente em 2013 atingiram a casa dos R$ 1,3 bilhão, muito mais que o valor arrecadado em Imposto sobre Circulação de Mercadorias.
Pois os incentivos fiscais concedidos pelo Governo de Mato Grosso em 2013, por meio de programas geridos pela Secretaria de Estado de Indústria, Comércio e Mineração (Scime), tiveram incremento de 16,18% enquanto a receita corrente líquida registrou crescimento de apenas 6,77%. Foi concedido R$ 1,1 bilhão de incentivos em 2012 contra R$ 1,3 bilhão em 2013. Isso representa aumento de 20% em relação aos incentivos concedidos em 2012. Deste valor R$ 775,968 milhões foram destinados apenas a 20 grandes grupos econômicos (citados na edição 498).
Análise e auditoria
O secretário de Desenvolvimento Econômico, Seneri Paludo, explicou que antes de renovar qualquer incentivo fiscal o governo refez a análise para a validação do benefício e para cumprimento rigoroso das contrapartidas previstas nos contratos. “O número de empregos gerados e os investimentos feitos em Mato Grosso serão avaliados. O grupo de trabalho formado pelas pastas de Fazenda, Planejamento e Desenvolvimento Econômico já está avaliando esses critérios”, completou.
De acordo com Seneri, os incentivos concedidos às empresas que estão cumprindo os contratos serão mantidos. Em relação às beneficiárias que não honram os compromissos assumidos, o Governo avalia as sanções que serão aplicadas.
Entenda como a concessão desregrada de incentivos prejudica a economia
Imagine que você tem uma empresa montada há dez anos no estado. Você, como empresário, paga integramente seus impostos, taxas e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) e oferece seu produto pelo preço de R$ 100 (nele você consegue um lucro justo para conseguir reinvestir e aplicar o dinheiro na empresa).
Nesse meio tempo surge um concorrente multinacional que ganha do governo a isenção do ICMS, algumas ganham até o terreno para construção da nova empresa. E ao final de sua instalação a multinacional oferece o mesmo produto que você pelo preço de R$ 80. E agora, o que fazer? Essa é a pergunta de muitos investidores em Mato Grosso nos últimos anos, por conta da política de benefícios fiscais desregrada.
Guerra fiscal
Para atrair investimentos e consequentemente mais riqueza e geração de renda para sua região, os governadores dos estados brasileiros promovem incentivos variados para as empresas. Isso vai desde isenção de impostos e infraestrutura até a própria construção das instalações da empresa com dinheiro público. Contudo isso gera a chamada ‘guerra fiscal’, que é a disputa, entre cidades e estados, para ver quem ‘vende’ melhores incentivos para que as empresas se instalem em seus territórios.
As desvantagens da guerra fiscal é que isso faz com que o Brasil em geral deixe de arrecadar volumosos recursos, em virtude da disputa, sendo que de qualquer forma a empresa se instalaria no Brasil. Além disso, quem adquire bens ou serviços de outro estado, quando usufrui de incentivos fiscais no seu estado de origem, pode sofrer sanções, como restrições ao crédito do ICMS. “Na verdade isso sempre aconteceu, mas no mandato passado isso veio realmente à tona, pois o governo passado instituiu uma política de incentivos. Ele abusou de mais na concessão de benefícios”, explicou a professora de Ciências Contábeis da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) Giseli Alves Silvente, especialista na legislação fazendária estadual.
Segundo a professora, isso provoca um desequilíbrio muito grande no mercado, “pois se a empresa X recebe benefícios e a minha não certamente meu produto será mais caro, ou eu ganharei menos com sua venda. Pois ele precisa recolher na integra o ICMS, e isso torna a concorrência desleal”, denotou.
Para a especialista da UFMT a ‘guerra fiscal’ naturalmente acontece para que o estado retenha o contribuinte para pagar os tributos. “Então cada estado tenta facilitar a entrada das empresas em seu território, atrai contribuintes, para que essa empresa possa pagar o ICMS e o estado recolher. Ela existe no sentido de que o estado dá mais benefícios, ou menos benefícios para determinada área”, comentou.
Contudo, esses benefícios deveriam ser regulados de forma prática e não subjetiva, conforme sugere Giseli Alves. “Acontece que a lei que trata dos incentivos fiscais não tem critérios pontuais para definir quais empresas merecem a concessão desses benefícios. Fica à mercê de o comitê definir, aí é questão de opinião. Cada um tem a sua e isso gera alguns absurdos no estado. Porque a decisão de conceder ou não o incentivo fica à mercê das pessoas e é muito subjetivo. Ou seja, critérios como: a empresa precisa ter tantos empregados, possuir ‘X’ de recolhimento por mês, metas de construção de ‘n’ unidades em dez anos…”, completou.
A especialista acredita que o mais justo seria a formulação das regras específicas. “Nós entendemos que o mais justo para a concessão dos incentivos é uma delimitação clara, técnica e numérica sobre quem pode receber. Pois números são incontestáveis, dois e dois quatro e ponto final. Isso acabaria com algumas injustiças que são cometidas na hora de o Executivo conceder benefícios às empresas”, finalizou.