Cultura

TODO O MUNDO É UM PALCO

Estive esta semana em uma das apresentações da peça teatral TODO O MUNDO É UM PALCO, em Lisboa, direção de Marco Martins e Beatriz Batarda, com casa lotada, imprensa, críticos e toda a classe artística da capital prestigiando a temporada. O espetáculo foi elaborado especificamente para comemorar os 150 anos do Teatro da Trindade, um dos mais importantes teatros de Portugal. Sob encomenda dos administradores, os diretores criaram um manifesto cênico contemporâneo essencialmente humanista. Em um país que tem no nome o porto, com uma história de povos entrando e saindo, como poderiam celebrar sem passar a voz para as diferentes nacionalidades que constroem esta cidade?  Assim, recrutaram 19 habitantes, atores e não atores, com suas memórias, sonhos, fantasias, línguas e sotaques. Um manifesto de todos para apresentar, como oposto de representar, uma busca de futuro num teatro para todos. Microfones para dar as vozes, cadeiras para esperar a sua vez sentado ou para subir e falar mais alto.

Poucos objetos num palco nu, valorizando a arquitetura do palco e pela primeira vez na história do Teatro da Trindade mostrando-o sem rotunda ou qualquer tipo de cenografia alegórica. No palco há uma parafernália de som onde um renomado bailarino anda sem parar para coreografar as passagens de voz. Agora fala fulano, agora fala sicrano. Com traduções simultâneas em voz alta, esta partitura ganha impacto quando percebemos a dor de um filho fugindo da guerra e pedindo perdão ao pai por estar distante na hora de sua morte. E assim o contraste impera nestes mundos reunidos num palco. Mas se há algo que desde o início gera uma a/tensão coletiva é a presença de um bebê de onze meses engatinhando pelo palco. Vai e vem, olha, observa, aplaude e volta a cruzar a cena por entre os fios, as cadeiras, as luzes e os microfones. É a única atriz, a única pessoa de todo o elenco nascida em Lisboa. Registrada em Cuiabá, MALENA CAMARGO CALDAS balbucia no microfone e Dewis traduz simultaneamente noutro: Meu sonho é que o que eu fizer, vocês repitam.

A bebezinha faz então o que mais gosta: aplaude, e o resultado entre lágrimas e risos não poderia ser outro: o teatro aplaude de pé. Filha da atriz cuiabana Aline Camargo Caldas e do maranhense Dewis Caldas, músico, cineasta e agora ator, Malena ganhou o público e todos os jornais com um carisma e uma presença em cena verdadeiramente tocante. O incrível nisso tudo é que se são três novos portugueses, não deixam de ser os três novos filhos de Cuiabá, Dewis, o ‘Maranhas’, é indiscutivelmente o mais cuiabano dos artistas que conheci nesta década. Fomentou a guitarra de cocho, o lambadão e nossa música em diversos documentários premiados mundialmente. O casal tentou, e como toda a indústria criativa de Cuiabá sabe, eles tentaram de todas as maneiras produzir artes e promover a cultura em Mato Grosso, mas foi mais um casal que necessitou abandonar nossa realidade pra seguir decentemente respirando. Com casa assaltada no bairro Boa Esperança e total desesperança na linha do horizonte, os dois jovens profissionais fizeram o que muitos, hoje, planejam por aqui: vazaram do Brasil em 2014.

A peça teatral inicia. Com os contrastes culturais de um continente lidando com imigrações e povos fugindo de guerra, corrupção em seus países de origem, 19 pessoas se encontram em traduções, coreografias, desabafos e músicas. Aline e Dewis contam como se conheceram em Cuiabá, a coincidência de haverem nascido no mesmo dia e a credibilidade no futuro ao darem a vida para a bebezinha que engatinha ali na cena.  Aline iniciou sua vida no teatro desde menina, na antiga ETF-MT, com o Pessoal do Ânima, que faz 30 anos este ano, e mais adiante se profissionalizou em algumas produções teatrais, comerciais de TV e curtas. Com responsabilidade comemora estar neste palco, durante seis meses ensaiando com diretores respeitados no continente europeu, num palco inclusive em que muitos atores profissionais consagrados mundialmente nunca tiveram a oportunidade. E o mais fantástico, com sua família, os três reunidos, ela, Dewis e Malena. Assim seguem com os projetos paralelos, a produtora MARANHAS FILMES tem documentários para finalizar e uma maneira de lidar com a criatividade bastante animada e confidente. Mais que aplaudir, seguimos torcendo por eles, que continuem ganhando o mundo e tomara um dia voltem para compartilhar tantas experiências.

Estar em palco nessas condições, num espetáculo que marca 150 anos do Teatro da Trindade, que contou com a presença até do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, além de atores, atrizes e encenadores já consagrados. Sinto como se toda Lisboa estivesse presente nesses dias que estamos em cartaz. Ao fim de um mês serão cerca de 5 mil pessoas. Para uma cidade cosmopolita como Lisboa, cheia de ofertas de cultura, isso é uma grande vitória. Podemos chamar de sucesso. E eu, com isso, não me paro de sorrir. (Aline Camargo Caldas)

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