Dito e feito. O que ele não deixou claro, porém, é que o tom nostálgico de um show como esse, composto de 40 canções, traz a sensação de limpeza no armário esquecido.
Aqueles CDs que submergem da poeira do ostracismo, te fazem esquecer por um período de tempo os arquivos mp3, e formam uma coletânea que te impede de fazer qualquer outra coisa pelas próximas 3h20 de pura viagem no tempo. Foi a duração do show de retorno do The Cure ao Brasil nesta quinta-feira (04), na HSBC Arena, no Rio, na mini-turnê brasileira que ainda passa sábado por São Paulo, na Arena Anhembi.
Se a performance da banda inglesa liderada desde 1978 por Smith já não tem um ritmo pouco mais eletrizante quando se necessita, como foi na última aparição no Hollywood Rock de 1996, e como poderia ter sido na noite passada já na reta final com o super hit Boys Don´t Cry, em versão lenta, é correto reconhecer também que houve nítida preocupação com o fã saudoso que teve a oportunidade de presenciar uma performance com duração fora dos padrões. E única. Dos treze álbuns de estúdio lançados, apenas dois não estiveram presentes: Faith (1981) e Bloodflowers (2000).
Ao despejar canções dos consagrados Desintegration (1989) e Wish (1992), discos representados com sete músicas cada, com lampejos de The Top (1984), The Head On The Door (1985) e Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me (1987), sem mencionar as pinceladas de singles que nem foram partes integrantes de álbuns de estúdio, como Killing an Arab as Another, de 1978, e o primeiro a ser lançado pelo The Cure pela gravadora embrião da Polydor na época, a Fiction Records, Robert Smith vai desempoeirando aos poucos os CDs achados no armário da limpeza.
A sonoridade continua impecável, e é justamente esta sensação de se estar escutando o disco tocando no rádio, o que prova que a banda realmente ralou nos ensaios, é que suaviza a questão de o público não ter se aquecido com a apresentação – salvo alguns hits mais poderosos. Smith ajuda a manter este clima introspectivo ao se dirigir aos fãs por poucas vezes, com raros “obrigados”, e apenas três curtos momentos mais expressivos. Show do The Cure hoje, na conclusão que se chega, é achar os tais discos antigos da banda e pedir para Bob Smith tocar para você, como se ele fosse o seu DJ por uma noite.
Nas duas primeiras canções da subida ao palco, com meia hora de atraso, foi como, de bate pronto, o disco escolhido fosse Wish, de 1992, fase em que a banda tentava repetir o fervoroso sucesso de três anos atrás com Desintegration. Open e High nem foram as músicas que atingiram o topo das paradas na época, como foi o caso de Friday I´m In Love, do mesmo álbum, mas com tantas horas de show pela frente, a pressa serviria para quê?
Um hit, você quer cantar um pouco mais alto, e vem Love Song, primeira música da noite do cultuado Desintegration, cuja letra ainda traz a subliminar mensagem do I Will Always Love You (“Eu sempre vou te amar”). Nada mal para quem passou tanto tempo longe. “Estava querendo dizer isso há muito tempo, tempo demais entre dois shows”, disse em sua primeira intervenção, após From The Edge Of The Deep Sea, oitava do repertório.
A troca frenética de CDs passa agora por The Head On The Door, de 1985, mas antes de In Between Days, outro sucesso poderoso que se escuta nas festas até hoje, você prefere ouvirPush. A fórmula de entretenimento de Robert Smith é essa: blocos de canções de discos essencialmente consagrados, como no trecho de três músicas consecutivas do disco Desintegration, com os teclados consagrados de Pictures Of You, e Lullaby, além de Fascination Street.
“It´s been 17 fu… years that I didn´t hear your Portuguese”, disse Robert Smith, na tradução livre do que todo mundo já sabia, ou seja, que ele não tinha contato com o público brasileiro há 17 longos anos, após raro momento de agito e corações nos telões com Friday I´m In Love.
Na escolha eclética, houve espaço até para o sombrio Pornografy, de 1982, disco tido como referência da banda no rock gótico, representado ao vivo pela canção One Hundred Years, uma faixa antes da banda partir para o seu primeiro intervalo de cinco minutos após executar 27 músicas em 2h18. Em mais uma hora de pura lambuja para o fã, destaque para a fase de pleno sucesso da banda nos anos 80.
Hits como Catterpillar e Love Song sofrem a suave alternância de singles soltos como Love Cats, Let´s Go To Bed e a própria Boys Don´t Cry, de 1980, que só viria estourar nas paradas e tornar-se o maior hino do The Cure com o compilado de 1986, Standing On The Beah, Stading On The Sea. Para encerrar o “pocket show” de 40 canções, Killing an Arab as Another, de 1978, com raízes ainda da embrionária The Obelisk, a banda onde tudo começou para os então garotos do colégio Notre Dame em Cramley, na Inglaterra, é a síntese final da experiência sensorial. “Obrigado. Vejo vocês daqui a 17 anos”, agradeceu, irônico, ao sair pela última vez do palco, em seu terceiro e último singelo contato com o público.
Fonte: Jornal do Brasil