O ex-governador Silval Barbosa afirmou que sua equipe de secretários foi montada com pessoas de “estreita confiança”, no intuito claro de arrecadar recursos para saldar dívidas de campanha adquiridas em sua campanha eleitoral no ano de 2010.
A confissão foi revelada em decisão proferida pela juíza Selma Arruda, da Vara Contra o Crime Organizado da Capital, na qual revogou a prisão preventiva de Silval, após 1 ano e 9 meses no Centro de Custódia da Capital, em decorrência de três mandados de prisão na Operação Sodoma. Após disponibilizar R$ 46,6 milhões em bens, o político foi colocado em prisão domiciliar, com uso de tornozeleira.
De acordo com a decisão, nos últimos meses, Silval mudou sua linha de defesa e começou a confirmar sua participação – e de seus comparsas – em vários esquemas de corrupção em seu Governo. O ex-governador prestou depoimento à Delegacia Fazendária (Defaz) e ao Ministério Público Estadual (MPE) e detalhou a organização criminosa.
“Durante o seu interrogatório, repisou que, em razão de compromissos políticos e dívidas assumidas na campanha de 2010, acabou formando o staff de governo com pessoas de sua estreita confiança, que eram incumbidos de arrecadar recursos do erário público para o pagamento de tais dívidas e, com isso, criou uma verdadeira organização criminosa, que atuou durante os anos de 2010 a 2014”, diz trecho da decisão proferida nesta terça-feira (13).
Em um de seus depoimentos ao MPE, de acordo com Selma, Silval afirmou que o grupo criminoso recebeu o pagamento de propina do empresário João Rosa, do Grupo Tractor Parts, para o enquadramento da empresa no Prodeic (Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial de Mato Grosso).
O esquema é investigado na 1ª fase da Operação Sodoma, deflagrada em setembro de 2015. Silval é acusado de liderar a organização que recebeu R$ 2,5 milhões. Os incentivos foram propositalmente concedidos de forma irregular para forçar o empresário a continuar pagando propina sob ameaça de revogar os benefícios.
“No ano de 2011 foi procurado por João Batista Rosa, proprietário das empresas do grupo Tractor Parts. Este, acompanhado de Pedro Nadaf, à época Secretário da SICME, queixou-se porque tinha um crédito tributário que não era reconhecido pela Sefaz. Contou que encaminhou João Batista para tratar desse assunto na Secretaria de Fazenda, sendo que lá o mesmo conversou com o então Secretário Adjunto Marcel Souza de Cursi, o qual inicialmente recusou-se a reconhecer o crédito”, diz outro trecho da decisão.
Conforme a magistrada, Silval disse que dias depois, João Rosa, Nadaf e Marcel acertaram que concederiam o benefício do Prodeic para o grupo das empresas do delator, desde que ele abrisse mão do crédito que possuía.
O ex-governador disse que Nadaf teria sido um dos secretários designados a cumprir a função de recebimento de propinas para o pagamento da dívida de campanha.
“No caso do Prodeic concedido às empresas de João Rosa não se recorda de ter sido avisado acerca de pagamento de propinas, porém tomou conhecimento posterior que parte dos valores recebidos de JOÃO ROSA foram utilizados para pagamento de parte de uma dívida com um empresário”, disse Selma.
“Portanto, apesar de não confessar diretamente a autoria dos fatos, assume que incumbiu Pedro Nadaf do recebimento de propinas para o pagamento de tal dívida e que soube que parte dos valores pagos por João Rosa foram utilizados para a quitação desta dívida”, completou.
Sodoma 2 e 3
De acordo com a decisão, no dia 1º de junho, Silval prestou depoimento a Defaz e disse que autorizou o ex-secretário de Estado de Gestão, César Zílio, a cobrar propina do empresário Willians Mischur e Julio Tisuji, da Consignum e Webtech. Eles pagaram propina para continuarem com seus contratos de prestação de serviço ao Governo do Estado.
O esquema é investigado na 2ª e 3ª fases da Sodoma. Parte do dinheiro arrecada como propina foi utilizado por Zílio, para a aquisição de um terreno de R$ 13 milhões na Avenida Beira Rio, em Cuiabá.
“Segundo Silval, após autorizar o recebimento das propinas, ficou estabelecido que a empresa pagaria entre 400 mil e 450 mil reais mensais, sendo que desta quantia César repassava a Silval o montante entre 200 mil e 240 mil reais mensais, na maioria das vezes em espécie. Declara que recebeu esses valores por aproximadamente 30 meses”, relatou Selma.
De acordo com o ex-governador, Zílio e Pedro Elias (ex-secretário de Gestão), eram os responsáveis por gerir os recebimentos dessas propinas.
Silval ainda relatou a participação do ex-deputado José Riva, que recebeu parte da propina, como pagamento de uma dívida com o ex-governador, por conta da compra de uma fazenda.
“No final do ano de 2013 até o início de 2014, José Geraldo Riva, então Presidente da Assembleia Legislativa, procurou Silval, no intuito de substituir a empresa Consignum pela empresa Zethra Gestão de Benefícios Consignados, a qual se disporia a pagar propina no valor de R$ 1 milhão. Concordando com o aumento do valor da propina, Silval Barbosa teria dado início ao processo licitatório para a contratação da Zethra, porém a empresa Consignum teria conseguido decisão liminar judicial, suspendendo tal processo”, diz trecho da decisão.
Silval revelou que em meados de 2014, ele se encontrou com Mischur na casa de seu irmão e orientou o empresário a procurar Riva e tratar sobre a renovação do contrato da Consignum com o Estado. “Posteriormente, tomou conhecimento que José Riva combinou com Willians Mischur e Pedro Elias um retorno de R$ 250 mil mensais para ele, cujo pagamento ocorreu no ano de 2014”.
O ex-governador revelou ainda que esteve novamente reunido com o dono da Consignum em 2011, no intuito de comprovar ao empresário que tinha conhecimento da cobrança de propina.
“Confirmou também que o Willians Mischur foi até sua residência, acompanhado de Pedro Elias, a fim de que comprovasse para o Willians que dali por diante Pedro Elias seria o responsável por assumir a gestão dos recebimentos das propinas, isto em 2013 ou 2014”, apontou a decisão.
Silval ainda confirmou a participação do ex-prefeito cassado de Várzea Grande, Wallace Guimarães (PMDB).
“No ano de 2012 combinou com César Zílio recebimentos de propinas de empresas do ramo gráfico representadas por Wallace Guimarães, tendo acertado na ocasião que Wallace iria efetuar apenas parte dos serviços contratados e, em contrapartida, repassaria propina a César Zílio e utilizaria parte desses recursos na campanha eleitoral para Prefeitura de Várzea Grande em 2012”, detalha Selma.
Com relação à empresa Webtech Softwares e Serviços, Silval teria dito que na época dos fatos não ficou sabendo que a empresa estaria pagando propinas para os secretários de Gestão, mas que posteriormente soube que Pedro Elias teria repassado parte das propinas pagas pela empresa para o seu filho, Rodrigo Barbosa.
Sodoma 4
Silval também confirmou o esquema existente na desapropriação de uma área do Bairro Jardim Liberdade, em Cuiabá, no valor de R$ 31,7 milhões, que pertenceria à empresa Santorini Empreendimentos Imobiliários. De acordo com a denúncia do MPE, a organização comandada pelo ex-governador teria desviado metade deste valor.
Em depoimento à Defaz, no dia 1º de junho deste ano, o ex-governador afirmou que o esquema teve o objetivo de quitar dívida de campanha no valor de R$ 10 milhões com o empresário Valdir Piran – que chegou a ser preso na operação, mas foi posteriormente solto mediante fiança de R$ 12 milhões.
“O total do desvio foi de R$ 31.715.000,00, sendo que o combinado com a empresa Santorini era o retorno da propina no montante da metade desse valor”, diz trecho da decisão.
O ex-governador disse que além de pagar Piran; Nadaf; o procurador aposentado Francisco Gomes de Andrade Lima Filho, o “Chico Lima”; e o ex-presidente do Intermat, Afonso Dalberto; receberam propina para colaborar com o “sucesso da empreitada criminosa”.
“Além destes, Arnaldo Alves e Marcel de Cursi concorreram para a prática do crime, apenas não se recordando se esses dois efetivamente receberam parte da propina combinada”.
A organização criminosa
Silval Barbosa apresentou uma relação dos integrantes da organização criminosa e deu detalhes da participação de cada um nos atos ilícitos.
1 – Sílvio César Corrêa Araújo – Pessoa que conheceu desde quando morava em Matupá, quando era piloto de avião, e que o acompanha desde o ano de 2003 como chefe de gabinete de deputado e de governador entre 2011 e 2014. Pessoa de sua extrema confiança que recebia diversas missões no interesse da organização criminosa, como arrecadar propinas, realizar pagamento de dívidas, ações com alguns operadores financeiros, reuniões com empresários, controlar os pagamentos das propinas, já que muitas vezes não conseguia saber de todos os assuntos, um braço direito tanto nos assuntos lícitos como nos ilícitos.
2 – Pedro Nadaf – Foi secretário da SICME no governo Blairo Maggi e continuou ocupando o mesmo cargo a partir de 2010, quando SILVAL assumiu o cargo de governador do Estado do Mato Grosso, sendo que, ao final de 2012, foi nomeado secretário-chefe da Casa Civil. Disse que Nadaf o auxiliou bastante na campanha de 2010 com o apoio político e financeiro e que exerceu uma função estratégica muito importante na abordagem de empresários para levantamento de recursos. Exercia a função de levantar fundos para pagamento das dívidas e dos compromissos políticos ilícitos.
Assumiu o papel de Eder Moraes, mas mesmo antes disso já operava na obtenção de propina na Sicme na concessão de incentivos fiscais e créditos tributários a empresas sediadas no Estado, sendo que a partir de 2013 também exercia o papel de articular entre o chefe e Secretários, bem como agia administrando o pagamento das dívidas contraídas pelo grupo criminoso e mantinha contato com operadores financeiros.
3 – Francisco Gomes de Andrade Lima Filho, o “Chico Lima” – segundo Silval Barbosa, este atuava na Casa Civil sob o comando de Pedro Nadaf e tinha incumbência de exarar pareceres nos processos de interesses ilícitos do governo, tendo recebido igualmente propina em alguns casos.
4 – César Roberto Zílio – Seria o responsável pela contabilidade da campanha, tanto no Governo Blairo Maggi como no governo Silval e foi secretário de Saúde em 2011 e em 2013 secretário do MT-PAR. Exercia o papel de articulador entre empresários e o governo. Era de sua confiança e atuou na Secretaria de Administração com função de cobrar os recebimentos de propina de empresários que mantinham contatos com o governo. César repassava para o SILVAL as propinas que eram utilizadas nos pagamentos das dívidas de campanha.
5 – Pedro Elias – Auxiliou-o durante a campanha para o pleito de 2010 e por isso foi nomeado para um cargo de gabinete e no ano de 2013 foi nomeado como secretário adjunto na SAD, sendo que em 2014 passou a ser o titular da pasta. Segundo SILVAL BARBOSA, PEDRO ELIAS tinha a função de arrecadar propina de empresas que mantinham contratos com o governo, sendo que, em alguns casos, repassou tais valores para seu filho Rodrigo Barbosa e outras vezes para Sílvio César.
6 – Valdísio Juliano Viriato – Este membro da organização trabalhou desde a época da Assembleia Legislativa com Silval, desde os idos de 2003. Quando Silval assumiu o governo, Valdísio passou a exercer cargo de confiança como secretário adjunto da Sinfra e era incumbido de fazer a arrecadação de propina na Secretaria de Infraestrutura, das empreiteiras que tinham relação com o Estado de Mato Grosso. Valdísio repassava os valores arrecadados para Sílvio ou para Nadaf.
7 – Arnaldo Alves de Souza – Trabalhou desde o Início do governo Blairo como secretário adjunto de Planejamento e, na gestão de Silval Barbosa, assumiu a Secretaria de Infraestrutura e, posteriormente, a Secretaria de Planejamento. Arnaldo atuava em situações em que havia necessidade de alocação de recursos no orçamento, suplementação orçamentária, de modo a atender os interesses criminosos da organização. No caso das desapropriações, relatou que, quando foi necessária a suplementação orçamentária para os pagamentos, Arnaldo tinha ciência de que as desapropriações tinham finalidades escusas. Além disso, a mando do acusado Silval, Arnaldo teria aderido a uma licitação de uma determinada empresa para o fim de recebimento de propina destinada também a pagamento de dívidas de campanha.
8 – Marcel Souza de Cursi – Silval declarou que Marcel era secretário adjunto no governo Blairo Maggi, sendo que no seu governo passou a ser secretário titular da Sefaz. Ele tinha papel importante na elaboração de leis e decretos que atendessem aos interesses do grupo criminoso. Ele também efetuava pagamentos via Sefaz, das suplementações elaboradas pela Seplan, como, por exemplo, as desapropriações no ano de 2014, que visavam recebimento de propina do grupo. Marcel também foi o responsável por implementar benefícios fiscais concedidos de forma espúria pela Sicme e conceder tratamento tributário diferenciado para alguns empresários, a pedido de Silval.
9 – Afonso Dalberto – Foi presidente do Intermat desde o governo Maggi e também no governo Silval e foi de atuação preponderante nos três processos ilícitos de desapropriação. Também como ordenador de despesas, efetuou pagamentos referentes a essas desapropriações, tudo para beneficiar a organização criminosa.
10 – Francisco Anis Faiad – Foi candidato a deputado estadual e foi nomeado em seu governo para ocupar o cargo de secretário da Secretaria de Administração do Estado. Silval relata que, na campanha de 2012, quando Faiad foi candidato a vice-prefeito na chapa de LÚDIO CABRAL, recebeu auxílio financeiro e doação de combustível no montante de R$ 600.000,00, fruto de desvios de dinheiro público e diz que o advogado tinha pleno conhecimento da origem ilícita de tal doação, assim como o próprio Lúdio.
11 – Rodrigo da Cunha Barbosa – Silval esclarece que seu filho recebia propina de algumas empresas que mantinham contrato com o governo através de Pedro Elias.
12 – José de Jesus Nunes Cordeiro – Foi secretário adjunto da SAD. Silval disse que nunca tratou de assuntos diretamente com ele, mas que se reportava a Sílvio César.
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