Por Liliane Coelho
Esta semana perdemos Adir Sodré. E, curiosamente, descobri sobre a sua morte ao pesquisar sobre este jornal. Ganhei de presente a oportunidade de enviar textos e imagens para o caderno de cultura e me perguntava: “o que tenho a dizer sobre isso? Que propriedade eu tenho para falar sobre esse assunto? ”.
Nunca me senti culta. Talvez por vir de uma família muito simples. Minha infância foi alternar entre o campo e a cidade, visitando a fazenda que foi do meu avô.
Os saberes por lá eram muito diferentes. Não convivi com intelectuais, nem cresci rodeada por livros ou obras de arte. Com minha família, o aprender era um eterno colecionar. A gente tinha que fotografar com os olhos e escrever na memória porque não havia papel à vontade e não era bom perguntar. Essa, era uma permissão para os adultos.
A vida era, quase sempre, um grande excesso de realidade. Não havia tempo para sonhar ou fazer planos. Dar conta do trabalho e de alimentar a família era muito e ninguém ousava pedir mais do que isso.
As casas eram meio nuas. Não havia quadros na parede, nem música na maior parte do tempo. As discussões eram meio cruas. As pessoas não falavam sobre política, nem literatura. Elas conversavam sobre os seus. Sobre as dificuldades da vida. Curavam as dores com chá e acreditavam ser desperdício viajar para lugares onde não havia parentes.
Por causa disso, aprendi a amar o que não tive e, ao imaginar a casa perfeita, eu sempre a decorava com paredes repletas de livros e terminava prometendo que todos seriam lidos, grifados e marcados com flores nos trechos mais bonitos.
Eu não sabia, mas contar causos em volta da fogueira, receber fotos com dedicatórias escritas à mão e ouvir modas de viola em radinhos de pilha, também era cultura. A arte de viver uma vida simples.
Eram os guardanapos de crochê feitos pela minha avó, o livro de Alan Kardec que ela mantinha sempre na cabeceira da cama e o berrante que tinha sido do meu avô que contavam a minha história. Uma coleção de fragmentos isolados que, juntos, me mostravam de onde eu vim.
Nada daquilo me dizia para eu ser “só isso”, mas, por muito tempo, senti que não sabia nada e, ao entrar em uma biblioteca pensava: “nunca vou conseguir ler tudo isso”. Eu só tinha 18 anos e desejava carregar uma grande bagagem comigo. Queria ter visto todos os filmes, conhecer os grandes clássicos, saber de cor trechos dos meus poemas preferidos. Ainda não fiz nada disso. Mesmo assim, ao ler sobre Adir, fui capaz de sentir a sua falta. Lamentei nunca ter comprado um de seus quadros nem ter sentado com ele para conversar. Eu o admirava por sua coragem e adoro que sua obra me faça rir ao disfarçar uma “visão meio safada”, de maneira tão suave.
Ele foi, para mim, um grande artista. E, por arte, entendo a capacidade de alguém ou de alguma coisa alcançar o nosso coração, do jeito que for. Com raiva, com graça e até com a falta de entendimento. Adir Sodré fez isso por mim e, que bom, não precisei ter conhecido todos os outros grandes artistas da história para entender. O lugar de onde eu vim me ensinou a ver e sentir. E isso, é cultivar o viver. Obrigada, Sodré!