As palavras são coisas poderosas. Conseguem conectar até mesmo dois estranhos: quem escreve e quem lê.
Quem disse isso foi o escritor norte-americano Paul Auster e ele está certo.
Escrever é muito mais do que uma forma de expressão. É um ato de entrega, de exposição, de boa fé e de coragem.
Quando escrevemos, estamos nos apresentando para o mundo, normalmente, sem máscara ou qualquer outro tipo de proteção.
Estamos tirando os sapatos na companhia de alguém que nunca vimos antes. Às vezes, tiramos a roupa. E no primeiro encontro.
E, o que é isso se não um sinal de intimidade? Um gesto de confiança? Uma aposta no outro?
Escrever é um encontro às cegas. Você nunca sabe quem está esperando. Você nem mesmo sabe se alguém vai aparecer.
Quem escreve se arrisca a namorar sozinho. A se entregar para ninguém. A ficar em casa, em pleno sábado à noite, assistindo televisão. Quem escreve, se arrisca a dizer “eu te amo” primeiro, sem garantia nenhuma de que haverá alguém do outro lado para responder “eu também”.
Mesmo sendo tão revelador e, tantas vezes, solitário, escrever não é complicado. Qualquer um pode colocar palavras no papel ou preencher uma tela em branco. Não é complicado, mas é complexo. É preciso cavar lá no fundo, desenterrar ossos, iluminar cantos escuros, encarar o perigo de frente.
O que você procura nem sempre está dentro de você, mas o interior é um filtro. É por onde tudo que está do lado de fora precisa passar, antes de sair de novo.
Escrever é sobre viver a si mesmo. É ser capaz de tirar as teias de aranha do passado e descascar lembranças antigas, camada por camada, até encontrar o miolo. E, ainda assim, sobreviver.
É preciso unir passado e presente, presente e futuro. É preciso pensar antes e entender que, muitas vezes, a cabeça tem que se calar para que o coração fale. É preciso isolar os sons do mundo para ouvir o que precisa ser dito. É preciso ter força para não lutar contra, quando uma voz lá dentro disser: “não fuja”.
Ainda que seja uma busca, uma procura por quem nos entenda e aceite, escrever não é sobre encontrar a sua metade. É sobre aprender a se repartir, um pedacinho de cada vez, tentando entregar o que você é e pensa para quem mereça.
Nem sempre acontece, mas escrever é encontrar cúmplices. Testemunhas, ainda que desconhecidas. É reunir pares, formar um clube, juntar pessoas que pensem como você ou de forma totalmente diferente e, mesmo assim, ao ler o que você diz pensem: “sinto isso também”.
Dizem que um bom texto é aquele que conversa com a gente. Aquele que, de tão pessoal, consegue alcançar o outro, em uma linguagem tão sua que passa a ser de todo mundo.
Ninguém sabe quem disse primeiro, mas, ao ler, uma luz se acende dentro da gente. Algumas vezes, ela brilha tanto que não conseguimos guardar só para nós. Precisamos levar adiante.
Escrever é viajar o mundo, sem sair de si mesmo. É guardar lugar para alguém sentar ao seu lado no voo ou na viagem de trem. É dividir a janela e conversar sobre a paisagem ou sentar no corredor, sobrevivendo aos solavancos e empurrões.
É um caminho sem volta que pode levar o outro pela mão, com todo carinho, ou empurrá-lo ladeira abaixo em grandes abismos.
A palavra faz tudo isso. É capaz de acolher e de afrontar. De fazer companhia ou de esfregar a solidão na nossa cara. A palavra é uma força capaz de afagar ou de nos fazer em pedacinhos. Quando se junta a outras, cuidadosamente escolhidas, pode nos tirar do chão. Nos levar por muitos lugares. Tantos que não conseguiríamos conhecer mesmo sendo nômades.
A escrita é arte de juntar pedacinhos em colchas de retalhos bonitos. É trama feita, fio a fio. É planta que a gente rega e aduba até florescer, mas não sem aparar um pouquinho.
Escrever nos revela. E isso, especialmente nos dias de hoje, não é seguro. Mas, como bem disse Virgínia Woolf, “não se acha a paz evitando a vida”. Então, que as palavras sejam capazes de mostrar o que as máscaras escondem. De preferência, sem ter que lavar as mãos.