Pela primeira vez, o governo entregou ao Congresso Nacional um projeto de Orçamento prevendo gastos maiores que as receitas (déficit). A estimativa para 2016 é de déficit de R$ 30,5 bilhões, o que representa 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), de acordo com o ministro Nelson Barbosa, do Planejamento.
O documento traz ainda a previsão de crescimento econômico de 0,2% e de inflação de 5,4% no ano que vem. O governo propõe elevar o salário mínimo para R$ 865,50 em 2016. Hoje, o valor é de R$ 788.
Em entrevista no Palácio do Planalto nesta segunda-feira (31), Nelson Barbosa afirmou que o governo continuará adotando medidas para melhorar os resultados das contas públicas em 2016 por meio do aumento de tributos e venda de participações acionárias, além de novas concessões.
Devem ser revistos os impostos sobre smartphones, vinhos e destilados, entre outros produtos, além do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para aumentar a arrecadação em R$ 11,2 bilhões. Essas mudanças serão feitas por meio de atos administrativos e por envio de Medida Provisória (MP) ao Congresso.
Com a ampliação do processo de concessões e venda de imóveis, além do aperfeiçoamento e aumento da cobrança da dívida ativa da União, o governo espera receber R$ 37,3 bilhões.
Segundo Barbosa, "hoje o principal desafio fiscal do Brasil é controlar o crescimento dos gastos obrigatórios da União". Isso significa discutir gastos com a Previdência, com a saúde, com funcionários públicos, entre outros, disse o ministro
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, também falou a jornalistas e declarou que o governo está adotando uma série de medidas que representam sacrifício, como redução dos ministérios.
"A gente sabe onde a gente quer chegar, a gente sabe como vai chegar, que é através de reformas, é fazer o Brasil mais justo simples, eficiente através de medidas legislativas em alguns casos. Precisa de uma ponte para assegurar a estabilidade fiscal, com receitas para cobrir despesas no curto prazo, podem ser ações provisórias, mas é importante considerá-las", disse Levy.
Segundo ele, essa é a conclusão que o Orçamento apresentado é "transparente e provoca reflexão no momento em que o Brasil enfrenta uma mudança significativa do ambiente econômico".
Meta fiscal
Com o projeto do Orçamento, o governo admite formalmente que a meta fiscal, de 0,7% do PIB, fixada em julho deste ano, não será atingida. Essa meta já era inferior ao objetivo inicial do governo, anunciado em novembro do ano passado, de que o setor público registraria um superávit primário (receitas maiores que os gastos, sem contar os juros) de ao menos 2% do PIB em 2016 (que correspondia a R$ 126,7 bilhões).
Mais cedo, após participar de um fórum em São Paulo, o vice-presidente da República, Michel Temer, disse que o projeto com previsão de déficit é uma demonstração de que não haverá "maquiagem" nas contas públicas.
O ministro do Planejamento informou que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelece que tem que enviar o Orçamento com uma meta fiscal, e que não importa se ela é positiva ou negativa.
"Estamos fazendo uma proposta orçamentária. Estamos fixando o valor para o próximo ano. Procuramos fazer uma proposta de despesa bem realista e adequada à realidade de recursos. No Minha Casa, Minha Vida, boa parte dos recursos estão alocados para concluir as unidades que estão em andamento, na fase dois. Devem ser concluídas até o final do ano. Vamos começar a fase três com novas contratações, mas em velocidade menor", afirmou.
Ele ressaltou que a prioridade é concluir obras e projetos que já estão em andamento. "Iniciar projetos novos somente se esses projetos forem compatíveis com a nossa disponibilidade de recursos."
CPMF
O governo optou por admitir que as contas públicas terão, no ano que vem, déficit fiscal inédito após ver naufragar sua ideia de retomar a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Esse imposto sobre transações bancárias vigorou por dez anos e acabou em 2007, quando foi derrubado pelo Senado.
A volta do tributo arrecadaria cerca de R$ 85 bilhões em 2016, grande parte destinada aos cofres do governo, e aumentaria a previsão de receitas para o próximo ano – cobrindo também o rombo orçamentário. A proposta, porém, foi rejeitada pela sociedade e pelo empresariado e acabou abandonada, pois teria de passar pelo crivo do Congresso Nacional.
Nos últimos dias, a presidente Dilma Rousseff comandou diversas reuniões com ministros que integram a chamada "junta orçamentária" do governo para tentar fechar os números do Orçamento. No sábado (29), após horas reunida com auxiliares no Palácio da Alvorada, ela desistiu, momentaneamente, da ideia de retomar a CPMF.
Entrega do Orçamento
Na noite deste domingo (30), depois de o governo debater inúmeros cenários para o Orçamento, Nelson Barbosa foi à residência oficial do Senado comunicar pessoalmente ao presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros (PMDB-AL) a decisão do Planalto de incluir a previsão de déficit na peça orçamentária de 2016.
O projeto foi entregue a Renan nesta segunda-feira por Barbosa e por Joaquim Levy. Após recebê-lo, o presidente do Senado afirmou que o documento mostra uma atitude mais "realista" dogoverno em relação às contas públicas. Renan Calheiros também defendeu que os poderes se "mobilizem" para buscar soluções para a crise.
"Acho que esse Orçamento, apesar do déficit, é uma mudança de atitude, é um primeiro passo. É menos ficção, é mais realismo, e é preciso que nós ajudemos. Esse Orçamento significa, do ponto de vista da gestão, um avanço. O realismo orçamentário fala primeiro da necessidade de nos mobilizarmos todos, Congresso, sociedade, poderes, para encontrarmos saídas para o país", disse.
Prazo
No Congresso, o projeto é avaliado de forma conjunta por deputados e senadores. Primeiro, o texto passa pela Comissão Mista de Orçamento (CMO). Em seguida, precisa ser votado pelo plenário do Congresso Nacional. O texto aprovado, que pode conter modificações em relação ao original, segue para sanção da presidente da República.
De acordo com a Constituição, o Orçamento deve ser aprovado pelo Congresso até dezembro de cada ano. Quando isso não acontece, o governo só pode gastar no ano seguinte o correspondente a 1/12 do Orçamento do ano anterior, até que o novo Orçamento seja aprovado.
Nelson Barbosa disse nesta segunda que o governo está pronto para negociar com o Congresso (veja a seguir). "Esse é um déficit que a gente espera que seja temporário. Vamos trabalhar para redução de despesa ou aumento de receita, para que esse déficit não seja permanente", afirmou.
O Orçamento deste ano só foi aprovado pelo Congresso em março, depois de a votação ser adiada algumas vezes. Com a demora para a aprovação, alguns ministérios tiveram que interromper projetos ou retardar verbas previstas para alguns programas.
Ameaça ao grau de investimento
O anúncio formal de que o Orçamento está sendo enviado com um déficit fiscal inédito no ano que vem repercutiu mal no mercado financeiro, com o dólar subindo, se aproximando de R$ 3,70, e a bolsa de valores registrando retração.
O temor dos investidores é que o Brasil perca o chamado "grau de investimento" por conta do desequilíbrio nas contas públicas.
A equipe econômica tem trabalhado nos últimos meses para tentar melhorar o perfil das contas públicas para que a nota brasileira, concedida pelas agências de classificação de risco, permaneça no chamado "grau de investimento" – que é um tipo de recomendação para investimento.
Perdendo essa nota, as regras de vários fundos de pensão de outros países impediriam o investimento no Brasil, o que dificultaria a capacidade de o país, e das empresas do setor privado brasileiro, buscarem recursos no exterior – aumentando subsequentemente os juros destas operações.
País registrou déficit em 2014
Apesar dos esforços da equipe econômica, implementados por meio do ajuste fiscal, as contas de todo o setor público (governo, estados, municípios e empresas estatais) registraram em 2014 o primeiro déficit primário (receitas menos despesas, sem contar juros) da história em 2014. No ano passado, o déficit primário foi de R$ 32,53 bilhões, ou 0,63% do PIB, em todo ano passado.
Em 2015, as contas públicas registraram, de janeiro a julho, o pior resultado da série histórica, que começa em 2001, para este período. Em 12 meses até julho, houve um déficit primário de R$ 50,99 bilhões, ou 0,89% do PIB, também o pior resultado da série histórica para este indicador.
Quando se incorporam os juros da dívida pública na conta, no conceito conhecido no mercado como resultado "nominal", houve déficit de R$ 502 bilhões em 12 meses até julho, o equivalente a expressivos 8,81% do PIB. Trata-se, também, do pior resultado da história. Esse número é acompanhado com atenção pelas agências de classificação de risco na determinação da nota dos países.
Se fechar neste patamar em 2015, o resultado nominal do Brasil só estaria em melhor situação da de países como Bahrein (déficit de 9,8% do PIB), Antigua (-10,5% do PIB), Algéria (-12,5% do PIB), Brunei (-15,6% do PIB), República do Djibuti (-13% do PIB), Egito (-11,7% do PIB), Guinea Equatorial (-21,4% do PIB), Eritreia (-12,18% do PIB), Guiné (-10,1% do PIB), Iraque (-9,9% do PIB), Líbia (-68% do PIB) e Venezuela (-19,9% do PIB), de acordo com projeções do Fundo Monetário Internacional.
Orçamento com déficit é permitido
Segundo o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, ainda que inédito, não há nenhum impedimento legal para a entrega de um Orçamento com a previsão de déficit e de aumento do endividamento.
"Formalmente, o Orçamento estima receita e fixa despesa. Não há nada que impeça que o governo estime que vai colocar títulos da dívida pública no exterior ou aqui dentro mesmo, e que isso vai financiar um determinado gasto”, explica.
“O governo tem que ter fontes suficientes para financiar os gastos. Se no meio das fontes tiver um aumento do endividamento, a única restrição legal que existe é que esse endividamento não pode ser atrelado a um aumento de gasto corrente. Mas se ele estiver financiando gasto de capital (investimento) não há nada que impeça”, acrescenta.
Relação dívida bruta/PIB
Com o déficit fiscal anunciado para o ano que vem, também haverá piora na relação dívida bruta/PIB – outro indicador acompanhado pelas agências de classificação de risco. Em julho deste ano, este patamar estava em 64,5% do PIB.
Segundo estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), a dívida bruta do setor público brasileiro, entre 65% e 70% do PIB – valor que poderá ser alcançado nos próximos anos – estaria em um patamar elevado na comparação com outros países.
Estaria, por exemplo, maior do que Angola (44% do PIB em 2016), Argentina (50% do PIB), Bolívia (40% do PIB), Chile (17,9% do PIB), Colômbia (40% do PIB), México (51% do PIB), Rússia (17% do PIB), África do Sul (48% do PIB), Turquia (32%) e Venezuela (30% do PIB).
A dívida brasileira estaria menor, porém, do que o endividamento da Áustria (87% do PIB em 2016), Bélgica (106% do PIB), Gâmbia (90% do PIB), Grécia (162% do PIB), Irlanda (104% do PIB) e Japão (246% do PIB).
Fonte: G1