O brasileiro está voltando reformar a casa, depois de ter adiado esse gasto por causa da crise. O aquecimento gradativo nas vendas foi sentido pelas lojas e fabricantes de materiais de construção a partir do segundo semestre do ano passado e continua neste ano.
Com juros em queda, preços relativamente estáveis e a própria necessidade de consertar a casa, que bateu no limite, o setor deve movimentar até R$ 162,5 bilhões com as vendas de materiais de construção no varejo neste ano, nas projeções do Ibope Inteligência. É uma cifra 5% maior do que a registrada em 2017 e a mais elevada em cinco anos, segundo o instituto de pesquisa.
“Em 2017, o avanço do consumo de materiais de construção não acompanhou a inflação”, observa Marcia Sola, diretora executiva de shopping, varejo e mercado imobiliário do Ibope Inteligência. Ela diz que atualmente há um otimismo moderado para o consumo de materiais usados em reformas e na auto construção, puxado pelas classes de maior renda, A e B. Essas camadas devem registrar taxas de crescimento nas vendas acima da média, de 12,2% e 5,8%, respectivamente este ano em relação a 2017. Já o consumo de materiais de construção dos estratos de menor renda – as classes C e D/E – deve ficar praticamente estagnado neste ano. É que essas camadas são mais afetadas pelo desemprego, que continua elevado, observa.
Nas projeções, ela explica que foram considerados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE e informações de pesquisas qualitativas feitas pelo Ibope. “O que temos ouvido nos painéis e nas pesquisas qualitativas é que o brasileiro passou dois anos com vazamento na cozinha, por exemplo, e agora está disposto a consertar”, conta Marcia.
Claudio Conz, presidente da Anamaco, faz análise semelhante: “a reforma pode ser adiada, mas há uma momento que precisa ser feita”, diz. A sua entidade, que reúne 148 mil lojas do setor no País, está mais otimista do que o Ibope e espera um avanço de 8,5% nas vendas no varejo este ano.
A Abramat, que é a associação que representa 300 indústrias, projeta um avanço em 2018 de 1,5% no faturamento total com materiais de construção, descontada a inflação. Nessa taxa estão incluídas não só as vendas no varejo para reforma e auto construção, mas também o que é destinado às construtoras. No ano passado, o faturamento real da indústria caiu 3,3% sobre 2016, porém o faturamento das fábricas para as lojas avançou 7,3%.
De janeiro a março, as vendas da indústria de materiais de construção como um todo avançaram 2,1%. Rodrigo Navarro, presidente da Abramat, ressalta que o faturamento do varejo sustenta a retomada. “Não tenho números detalhados das vendas de materiais para as construtoras e lojas separadamente, mas o segmento que está puxando a inflexão neste momento é o varejo, seguido pelas obras imobiliárias no segundo semestre e a infraestrutura no ano que vem.”
Retomada
“A perspectiva para este ano é recuperar o patamar de vendas antes da crise e registrar uma das maiores taxas de crescimento dos últimos sete anos”, prevê Conz. Entre 2015 e 2016, as vendas no varejo recuaram cerca de 15%. Com o crescimento que houve no ano passado, especialmente a partir do segundo semestre por conta da liberação dos recursos das contas inativas do FGTS, e a previsão para este ano, ele acredita que essa perda será recuperada.
No primeiro trimestre, as vendas no varejo avançaram 3% em relação a igual período do ano anterior, segundo a Anamaco. O executivo lembra que os negócios normalmente deslancham a partir do segundo trimestre por causa do fim do período de chuvas, que atrapalham as reformas. Ele acrescenta também que os preço têm ajudado. Em 12 meses até março, cimento, tijolo e materiais hidráulicos tiveram deflação de -0,26%, -0,31% e 0,53%, respectivamente, aponta o IPCA, a medida oficial de inflação.
“As vendas estão melhores, houve uma retomada”, afirma Marcelo Roffe, diretor comercial e de marketing da Telhanorte, que tem 70 lojas, entre as bandeiras Telhanorte e Tumelero, do Rio Grande do Sul. Sem revelar números porque a empresa tem capital aberto na França, o executivo conta que o desempenho da companhia no ano passado ficou ligeiramente acima do mercado. Para este ano, ele acredita que será melhor. “O crescimento de 2018 será de um dígito, porém maior do que a taxa de 2017”, afirma.
Christophe Auger, diretor executivo comercial da Construdecor, que opera as lojas Dicico, Dicico Multi e Sodimac, diz que está sentido o consumidor mais animado, porém muito cauteloso com os gastos. A empresa, que fechou o ano passado com crescimento de 2,4% no faturamento, considerando as mesmas lojas, decidiu apostar em outros segmentos para ampliar as vendas.
Desde o ano passado, a companhia reinaugurou cinco lojas da Dicico num novo formato que incorpora produtos voltados para a reparação e manutenção da casa, não apenas a reforma. Nesse novo formato, por exemplo, o cliente encontra todos os tipos de resistência de uma chuveiro. “Fizemos essa mudança com base na demanda de mercado”, diz ele. A grande maioria das 47 lojas restantes será convertida em lojas de vizinhança de materiais de construção até o final do ano que vem.
Por causa dessa retomada, Conz diz que há falta pontual de alguns itens no varejo porque as indústrias, depois de enxugarem a produção por causa da crise, levam algum tempo para voltar ao ritmo normal de produção. Procuradas, fabricantes negam que haja escassez localizada de alguns produtos.