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BRASÍLIA – A Procuradoria da República no Distrito Federal montou uma força-tarefa para apurar suspeita de corrupção em aportes financeiros feitos por entidades públicas em 52 grandes empresas e fundos de investimentos privados. O objetivo é descobrir se a liberação dos recursos foi feita em troca de pagamentos de propinas a um mesmo grupo criminoso, cuja atuação foi descoberta em três frentes de investigações – as operações Sépsis, Cui Bono? e Greenfield.
Lúcio Bolonha Funaro, apontado como operador do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), seria o elo entre os agentes públicos e os empresários que figuram nos inquéritos das operações. A suspeita é de que o grupo político ligado a Funaro atuava em vários setores da administração publica e próximo das fontes de liberação de dinheiro público. São investigados os crimes de corrupção passiva e ativa, além de lavagem de dinheiro, organização criminosa e tráfico de influência.
Coordenada por Anselmo Cordeiro Lopes, a força-tarefa conta com outros seis procuradores para mapear se investimentos provenientes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) – cujos recursos são geridos pela Caixa –, da Vice-Presidência de Pessoa Jurídica do banco, de fundos de pensão e de instituições previdenciárias municipais e estaduais foram liberados mediante pagamento de vantagens indevidas para agentes públicos.
São alvo da investigação Cunha, Funaro, e os ex-vice-presidentes da Caixa Fábio Cleto, delator da Lava Jato, e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Mesmo com a união das investigações no MPF, os inquéritos continuam separados na Polícia Federal.
O compartilhamento de informações foi possível após os principais investigados perderem o foro privilegiado. Cunha foi cassado e Geddel Vieira Lima, ex-vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa e alvo da Cui Bono?, perdeu o foro ao deixar a Secretaria de Governo.
Por sua vez, Funaro teve seus processos enviados para 1.ª instância na esteira da remessa dos casos do deputado cassado. Ele é apontado como o operador financeiro e lobista do grupo político de Cunha e Geddel em vários setores da administração pública.
Sobre Funaro, os investigadores contam com o material coletado na Sépsis, um desdobramento da Operação Lava Jato, com base nas delações de Nelson Mello, da Hypermarcas, e do seu apadrinhado político Fábio Cleto. Mello indicou Funaro como intermediador de cerca de R$ 3 milhões destinados a Cunha. O ex-vice-presidente de Fundos de Governo e Loterias da Caixa apontou Cunha e Funaro como destinatários de propina para liberação de aportes do FGTS. O deputado cassado seria beneficiário de 80% do suborno pago pelas empresas.
Na Sépsis, deflagrada em julho de 2016, uma das propinas relatadas por Cleto refere-se à captação de recursos feita em 2012 pela Eldorado Brasil, empresa do grupo J&F – também dono do JBS, maior indústria de carnes do mundo.
O valor pleiteado inicialmente foi de R$ 1,8 bilhão para obras numa fábrica de celulose em Três Lagoas (MT), mas acabou reduzido para R$ 940 milhões. Nesse caso, Cleto disse em depoimento acreditar que Cunha tenha recebido valor superior a 1% como comissão. Ele afirmou que sua parte foi de R$ 940 mil.
Modelo. Por causa de um celular apreendido de Cunha, o MPF soube que o modelo de atuação do grupo era replicado na Vice-Presidência de Pessoa Jurídica da Caixa. A PF extraiu uma “intensa” troca de mensagens eletrônicas de Cunha e Geddel, entre 2011 e 2013.
As mensagens indicavam a possível obtenção de vantagens indevidas pelos investigados em troca da liberação, para grandes empresas, de créditos com a Caixa. Novamente, Funaro aparece como interlocutor de empresas com políticos – Cunha e Geddel.
No pedido de busca contra Geddel, os delegados e procuradores apontam que o peemedebista fornecia informações privilegiadas para “outros membros do grupo criminoso”, que incluiria o ex-presidente da Câmara, Cleto e Funaro. Ente as empresas suspeitas de pagar suborno estão a BR Vias, Oeste Sul Empreendimentos Imobiliários, Marfrig e J&S Investimentos.
A família Batista, dona do grupo J&F, voltou a aparecer na operação Greenfield, em setembro de 2016. O FIP Florestal contou com o aporte de R$ 272,2 milhões da Funcef e outro de mesmo valor do Petros, pagos entre os anos de 2009 e 2010. O investimento teve como destinatário a empresa Eldorado Celulose, controlada pela holding J&F, da família Batista. Os irmãos Wesley e Joesley foram alvo de mandados de condução coercitiva solicitados na Greenfield.
Em um dos relatórios da operação, assinado por Anselmo e pela delegada federal Rubia Pinheiro, os investigadores apontam que “sabe-se que a mencionada empresa (Eldorado) é controlada pelo grupo J&F, grupo este que é um dos principais doadores de campanha do PT”. Ainda no relatório, os investigadores afirmam que o fato de o aporte ter sido “apresentado e pré-aprovado diretamente pelo diretor de Investimentos da Petros” indica que o investimento já havia sido “negociado por instâncias políticas superiores”.
Defesa. As empresas e ex-agentes públicos citados negaram irregularidades e envolvimento nas suspeitas investigadas pelas operações Sépsis, Greenfield e Cui Bono?, alvo de uma nova força-tarefa da Procuradoria do República no Distrito Federal.
O advogado Gamil Föppel, que representa o ex-ministro e ex-vice-presidente da Caixa Geddel Vieira Lima, disse que houve equívoco e injustiça na Operação Cui Bono?. Segundo ele, “não se apontou, não se aponta e nem se apontará” no inquérito qualquer valor recebido por Geddel. A defesa de Funaro não respondeu a questionamentos do Estado, enviados por e-mail.
O deputado cassado Eduardo Cunha, por meio de seu advogado Pedro Ivo, informou que só se “manifestará nos autos, refutando, desde já, as infundadas acusações”. A defesa de Fabio Cleto não foi localizada.
A Holding J&F, da família de Joesley e Wesley Batista, informou, por meio de nota, que “nenhum de seus executivos ou pessoa autorizada por eles procurou agentes políticos para interferir ou intermediar quaisquer de suas operações financeiras”. Sobre Funaro, a empresa afirma que a relação entre eles é privada “não havendo qualquer relação com entes públicos, e todas realizadas de forma legal”. A J&F afirma ainda que sempre se pautou pela transparência e está colaborando com as autoridades. A JBS informou que “não figura como investigada em nenhuma das 3 operações mencionadas”.
A Engevix e a Desenvix alegaram, em nota, que “qualquer suposição” relacionando seus contratos a propinas “é mentirosa e sem provas”. As empresas informaram que os financiamentos recebidos, para projetos de geração de energia, “foram feitos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), não relacionados, portanto, ao FGTS”.
A WTorre disse que “não tem negócios na esfera do poder público”, tampouco com “nenhum dos fundos de pensão citados na Operação Greenfield”. A empresa afirmou que, em 2005, participou e venceu concorrência promovida pela Rio Bravo Investimentos, uma entidade privada, para a construção de um estaleiro. Em junho de 2010, o estaleiro foi vendido à Engevix. A Sete Brasil, a Invepar e a OAS informaram que não se manifestariam. A Norte Energia não respondeu.
A Cone S/A, por meio de sua assessoria, informou que jamais “negociou ou ofereceu vantagens indevidas a qualquer funcionário da Caixa ou a qualquer eventual intermediário.”
A BR Vias disse que segue colaborando com as autoridades para o esclarecimentos dos fatos. A Oeste Sul informou que não recebeu notificação sobre o tema, mas que está à disposição da Justiça.
A Marfrig informou que a Caixa ou qualquer um de seus fundos nunca foram e não são acionistas relevantes da companhia. Segundo a empresa, as operações com a instituição financeira sempre foram feitas em “condições de mercado, com custos equivalentes aos dos bancos privados, com garantias reais e sem qualquer tipo de privilégio”.
Fonte: O Estado de S.Paulo, Fabio Separião e Fabio Fabrini