Economia

Pequenos produtores cobram taxação dos ”grandes”

Fotos: Ahmad Jarrah

“É claro que os grandes fazendeiros deveriam ser taxados”. Este posicionamento incisivo é do presidente da Associação dos Agricultores familiares do Município de Cuiabá (Agrifac), Dorival Rigotti, quando questionado a respeito da proporção de impostos que recaem sobre o seu setor em detrimento do agronegócio.

Segundo ele, existem incentivos para que o pequeno produtor desenvolva seu negócio familiar, porém faltam políticas públicas que facilitem o acesso deles a esse tipo de benefício. Rigotti também destaca a importância dessa área na economia e geração de renda e de empregos.

“Os grandes produtores têm assessoria que apontam a eles o dinheiro disponível. Nós, da agricultura familiar, colocamos o alimento na mesa do brasileiro, geramos emprego pois nossas terras não são mecanizadas e sempre somos esquecidos. Faltam políticas públicas”, disse ele.

Rigotti pondera que a proporção dos encargos e as dificuldades encontradas entre os pequenos e grande produtores possui grande desigualdade. Ele afirma que, “enquanto os fazendeiros de grandes porções de terra possuem isenção de ICMS e vários benefícios de crédito, como o Plano Safra, a agricultura familiar encontra percalços até mesmo para comercializar os produtos na região de origem”. Se o interesse é vender em outros Estados, as dificuldades aumentam ainda mais, de acordo o produtor.

“Se a gente quer vender nosso produto temos que correr atrás com nossos próprios recursos. Quando pretendemos oferecer os produtos para fora de Mato Grosso, somo taxados. Não temos o apoio nem dos municípios”

A 15 km do Bairro Pedra 90, em Cuiabá, Davino de Lima luta para manter um estilo de vida do qual dependem muitos brasileiros e brasileiras, uma vez que são de pessoas como ele que dependem do consumo da maioria dos nossos alimentos: a agricultura familiar.

Davino mora numa propriedade que recebeu de herança dos pais, já falecidos, e afirma que sempre viveu do campo. “Este ano não plantei hortaliças, mas todo ano faço isso. Em 2015 cultivei e no ano que vem voltarei”.

A propriedade de 50 hectares, localizada na comunidade de Aricazinho, que reúne outros produtores rurais, foi dividida entre cinco irmãos, incluindo o agricultor de 53 anos. Casado, filhos criados, hoje ele mantém uma pequena produção de porcos e galinhas, embora não comercialize esses produtos no comércio.

“Vendemos só para particular mesmo. Não temos estrutura para vender para frigoríficos.”

O agricultor afirma que trabalha com os próprios recursos e não possui nenhum incentivo “mas que seria bom ter”. Ele conta que nasceu na chácara em que reside até hoje, que outrora também foi o abrigo dos seus pais e dos outros quatro irmãos, e que não pretende se desfazer da propriedade que um dia foi a casa de toda a sua família.

“Seria bom ter incentivo. Mesmo assim eu e meus irmãos não pretendemos vender ou passar para a frente. Esta propriedade faz parte da história da nossa família”.

Camponês carente, exportador rico

Se de um lado as pessoas responsáveis por três quartos da alimentação dos brasileiros passam por dificuldades, os empresários do agronegócio não têm do que reclamar. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) R$ 187,7 bilhões foram destinados para a safra 2015/2016 em forma de crédito para financiamento de produções. Em contrapartida, nos 21 anos de existência do Programa Nacional da Agricultura Familiar (Pronaf), R$ 160 bilhões foram tomados de empréstimos pelos camponeses.

Ou seja, mais de duas décadas de investimentos na agricultura familiar não superaram o “afago” do governo aos exportadores de soja, milho, algodão carne etc. e isso apenas na safra 2015/2016, uma vez que o plano possui exatamente este fim.

As disparidades não acabam aí, segundo o Pós-Doutor em Economia Agrícola e professor titular da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Benedito Dias Pereira.

A Lei Kandir (Lei Complementar nº 87/1996), disciplina, entre outras coisas, a dispensa de cobrança do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) na exportação de produtos primários como soja, milho, algodão, carne etc. Benedito afirma que a discussão da tributação do agronegócio é orientada pela classe produtiva para “manter o excedente”.

“Nesses debates vemos um posicionamento claro. De um lado o setor do agronegócio capitalista que quer manter seu excedente, ou seja o lucro. Do outro, núcleos familiares, acadêmicos e alguns políticos que defendem que a riqueza não deve ficar concentrada num pequeno grupo, e sim beneficiar toda a sociedade”, disse ele.

Dados da Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso (Sefaz-MT) apontam que, entre 1996 e 2014, o Estado deixou de arrecadar R$ 38 bilhões em ICMS apenas com a anistia ao agronegócio promovida pela Lei Kandir. O montante seria suficiente para zerar o déficit habitacional em Mato Grosso, que é de 80 mil casas, construir o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), equipar todos os hospitais estaduais ou mesmo investir na agricultura familiar – e ainda sobraria dinheiro.

 Benedito diz ainda que a desoneração do ICMS nas commodities para exportação representa um obstáculo à própria industrialização de Mato Grosso, Unidade Federativa que hoje é sinônimo de produtos primários e semielaborados.

“Se a produção do campo circulasse internamente surgiria uma demanda natural pela industrialização, além do aumento de arrecadação dos Estados. Além disso, uma agricultura familiar bem desenvolvida desencadearia uma necessidade contínua pela industrialização em virtude de maiores recursos disponíveis e melhores condições de vida dessas pessoas”.

AMM defende “contrapartida social”

O Circuito Mato Grosso buscou a opinião da Associação Mato-Grossense dos Municípios (AMM) sobre uma eventual taxação das commodities de exportação. Em entrevista por telefone, o presidente do grupo que reúne as cidades do Estado, Neurilan Fraga, afirmou que a posição da AMM “é muito clara”. Ele afirmou que onerar os produtores rurais “cria alguns embaraços para o setor produtivo” mas defendeu uma contrapartida social, e não apenas para “estradas”, fazendo referência ao Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab).

“A taxação do agronegócio, nesse momento da economia, cria embaraços para o setor produtivo. Porém, é necessário que haja maior participação do setor em investimentos na área social, como saúde e educação, e não só em estradas”, disse Fraga.

Neurilan disse ao Circuito que o ideal seria que as commodities – soja, milho, algodão, carne etc. – circulassem no mercado interno e que se esses produtos permanecessem no País, poderiam gerar uma demanda pela industrialização, ao passo que o beneficiamento dos alimentos do campo careceria de um desenvolvimento tecnológico, inclusive de mão-de-obra, nas cidades de Mato Grosso.

“Precisamos industrializar esses produtos, temos que acelerar esse processo de industrialização, essa exportação que não recolhe impostos precisa ficar aqui gerando emprego e renda”.

Empaer tem 30% do número ideal de servidores

Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) apontam que o Estado, maior produtor de soja no Brasil, colheu 27,8 milhões de toneladas do produto na safra 2014/2015 em área superior a 31,5 milhões de hectares. Diferente do grão, cujo destino é a exportação, a agricultura familiar ainda pena para fazer jus àreal importância de um setor responsável por produzir alimentos – e não apenas negócios – e sofre até mesmo com a falta de técnicos de apoio do Estado.

O Circuito Mato Grosso conversou com o coordenador regional da Empresa Mato-grossense de Pesquisa, Assistência e Extensão Rural (Empaer), Vico Capistrano de Alencar. Segundo o servidor, o número de profissionais do órgão, responsável, entre outras demandas, por oferecer assessoria técnica para camponeses e pessoas que sobrevivem da agricultura familiar, é insuficiente. De acordo com ele, os técnicos disponíveis conseguem atender apenas uma pequena parte dos pequenos agricultores.

“Hoje Mato Grosso possui em torno de 104 núcleos de agricultura familiar. São 104 mil famílias que precisam do apoio de técnicos para orientar sua produção. No entanto, os servidores do Empaer com essa responsabilidade são apenas 312. É insuficiente.”, diz ele.

Vico explica que, de acordo com orientação do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que foi extinto pelo presidente interino Michel Temer (PMDB), o número máximo que um único técnico pode atender é de 100 famílias. Fazendo uma conta simples, se a quantidade de núcleos da agricultura familiar em Mato Grosso for de 104 mil, deve existir pelo menos 1040 profissionais que sejam capazes de orientar essas pessoas sobre a melhor maneira de desenvolver sua produção.

Potencial da agricultura familiar

Num conceito um pouco mais simples, a agricultura familiar nada mais é do que pessoas que vivem do campo – produzindo verduras, legumes, frutas e até mesmo carne – e sobrevivem da prática da venda desses produtos, geralmente para particulares. Segundo o MDA esses pequenos agricultores e agricultoras são responsáveis por nada menos do que 75% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Conceito diferente do agronegócio, cujo objetivo é o lucro concentrado em pequenos grupos na exportação da soja, milho, algodão etc.

Vico indica que Mato Grosso possui grande potencial para desenvolvimento da agricultura familiar. O coordenador regional da Empaer afirma que só na Baixada Cuiabana existem 24 mil núcleos de produção de subsistência – a mais importante em todo o Estado. No entanto, mesmo com a produção dessas pessoas, a demanda por frutas e legumes ainda não é totalmente suprida, fazendo com que seja necessária a importação de 60% desses alimentos de outras unidades federativas.

“Desconstuímos o mito de que a Baixada Cuiabana não possui clima ou terra de qualidade para cultivo. Só nas 13 cidades que a compõe temos em torno de 24 mil famílias que se dedicam à agricultura familiar. Mesmo assim, ainda precisamos importar 60% das frutas e legumes”.   

Diego Fredericci

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