Há seis anos a vida da pedagoga cuiabana Ângela Furtado, 50 anos, mudou para sempre. O filho, com 14 anos à época, foi diagnosticado com leucemia. Começava, então, um tratamento de cinco anos para combater o câncer, que entrou em remissão um ano atrás.
Foram sessões de quimioterapia, internações que duravam semanas, complicações, e idas e vindas ao Hospital de Câncer de Mato Grosso (HCan), que se tornou um espaço compartilhado com as famílias de outros adolescentes e crianças na mesma situação. “O hospital foi sendo uma espécie de segunda casa e as pessoas se tornaram uma segunda família, já que convivia mais com elas do que dentro do meu próprio lar”, lembra Ângela.
É claro, durante todo esse processo, os desgastes mental e físico chegaram e, com eles, a depressão. “Nos primeiros três anos de tratamento, meu filho perdeu mais de 50 amigos, feitos no hospital, para a doença. Era difícil não se abalar e não questionar se a nossa vez chegaria. Nesse meio todo, desenvolvi alguns transtornos, como ansiedade, e cheguei a pensar em suicídio. Também entendi que precisava fazer alguma atividade que tivesse relação com vida, com sobrevivência”, relata.
Em meio a esse caos o Pitoco chegou. Um cachorro, como o próprio nome diz, miúdo e doente, recolhido pouco antes de ir para o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ).
“Minha irmã, Vanessa, e eu sempre resgatamos cachorros de rua, mas de forma muito esporádica. Às vezes acolhíamos por um tempo, para um tratamento ou outro, mas logo conseguíamos alguém para adotar. O Pitoco foi trazido por uma conhecida à época, que me informou que ele seria sacrificado porque estava com câncer. Impossível não relacionar com a minha vida naquele momento. Então, com postagens em redes sociais, comecei a chamar atenção de algumas pessoas e conseguimos o tratamento e ele sobreviveu. Neste momento algo despertou em mim”.
A virada
Além desse despertar, Ângela foi percebendo a diferença positiva relacionada aos animais em casa com o tratamento do filho (e dela mesma).
“Meu filho não podia sair de casa. Estava no começo da adolescência, uma fase de mais descobertas e amizades mas que se resumiu a estar dentro do hospital. Nós tínhamos cinco cachorros em casa, nossos mesmos, e percebia como eles faziam bem, porque era um momento de alegria e de esquecer todos os problemas. Esse movimento me levou a criar o primeiro projeto voltado para o resgate de animais”, completa a pedagoga.
O projeto, feito em 2014, era o Lar Temporário Cão Cuidado Cão Amor, que cresceu, ganhou voluntários e, em 2016, passou a ser a Organização Não Governamental (ONG) Cão Cuidado Cão Amor. Hoje, além da própria Ângela e da irmã, a ONG conta com mais 10 pessoas na diretoria.
A ONG foi fundamental para dar visibilidade ao projeto e também dar mais transparência para doações ou ajudas com tratamentos e parcerias com entidades públicas ou privadas. Um carro-chefe da entidade, por exemplo, é o projeto Cão Terapia, que leva cachorros que estão no abrigo – e saudáveis – para visitar crianças internadas em quadros graves ao Hospital Universitário Júlio Müller.
“Curados, eu e meu filho temos como objetivo provocar pessoas, sensibilizá-las. Mudanças reais acontecem com provocações. Quero mostrar que adotar é lindo, é um ato de amor. Sei que as coisas estão mudando, que hoje as pessoas não têm mais tanta vergonha em demonstrar amor por um animal, o que antes era visto até com certo receio. O câncer e a depressão foram divisores de águas pra mim e o que espero é que os animais sejam, finalmente, tratados com respeito. Como qualquer ser vivo merece”, define Ângela Furtado.
Vale lembrar que a ONG conduzida por Ângela e Vanessa resgata, em sua maioria, animais frutos de maus-tratos, atropelamentos ou abandono.
Doações
Nesta semana, a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc) doou cerca de 130 quilos, entre ração e sachês de carne, para cães e gatos a Cão Cuidado Cão Amor. O local abriga cerca de 200 gatos e 70 cachorros, que são abandonados nas ruas da Capital ou ainda recolhidos de casas ou canis ilegais. Para doações ou ajuda in loco, o telefone é (65) 99962-2955.
Lute como uma mulher
A história da mulher na sociedade sempre foi marcada pela luta e a quebra de paradigmas. Até 1931, por exemplo, elas não votavam no Brasil. Apenas em 1987 foi criado o primeiro Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, no Rio de Janeiro, órgão que até hoje media as políticas voltadas ao público feminino entre sociedade civil organizada e o Estado.
Outro ponto de relevância na história é a sanção da Lei Maria da Penha, em 2006, que desde então trouxe muitas conquistas às mulheres brasileiras. A luta, no entanto, é constante.
Para mostrar mulheres comuns, como Ângela Furtado, mas que ao mesmo tempo enfrentam muitas adversidades em seu cotidiano, o que as torna mulheres incríveis, a Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania de Mato Grosso (Setasc-MT) traz durante o mês de março – sempre às sexta-feiras – perfis de diferentes personagens femininas, em atuação também em diferentes áreas no Estado.