Política

‘País não é propriedade de corruptos’, diz procurador da Lava Jato

Para o procurador da República e coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, a maior efetividade no combate à corrupção no Brasil passa pela aprovação de medidas mais duras de punição aos envolvidos nestes crimes. Em entrevista ao G1, o procurador afirmou que “o Brasil não é propriedade privada dos corruptos”.

Nesta quarta-feira (9) é celebrado o Dia Internacional de Combate à Corrupção. A data será lembrada pelo Ministério Público Federal (MPF) em Brasília com um balanço dos resultados alcançados em 2015 no enfretamento à corrupção, além da divulgação do “Ranking Nacional dos Portais da Transparência”.

O MPF elaborou uma campanha nacional contra a corrupção no país. O órgão quer recolher 1,5 milhão de assinaturas para o projeto que cria medidas mais duras para combater a prática. Uma das medidas quer transformar corrupção em crime hediondo além de aumentar a pena prevista em lei. Só após a coleta de assinaturas, o MPF vai encaminhar o projeto para o Congresso Nacional. Até as 8h desta quarta-feira (9), tinham sido colhidas 842. 614 assinaturas.

Na entrevista, Deltan Dallagnol falou que a impunidade é dos principais propulsores da corrupção, defendeu a delação premiada como recurso de investigação e fez uma avaliação dos trabalhos da Operação Lava Jato, dentre outros temas. Leia a íntegra:

G1 – Recente pesquisa do instituto Datafolha mostrou que, pela primeira vez desde 1996, a corrupção foi apontada como a maior preocupação dos brasileiros. Ao que o senhor atribui esse resultado? Há mais corrupção hoje do que em outros tempos, ou há um combate mais efetivo?

Deltan Dallagnol – Estudos nacionais e internacionais sobre a corrupção no Brasil apontam que ela é endêmica, sistemática e vem de longa data. A corrupção não é um problema próprio de um partido ou de um governo; é pluripartidária e ocorre nos níveis municipal, estadual e federal. Infelizmente, é muito difícil descobrir e comprovar a corrupção no Brasil – daí a importância da delação premiada como pontapé inicial de uma investigação.

A percepção da corrupção como o principal problema brasileiro é fruto, provavelmente, de uma conjunção de fatores, como polarização política, crise econômica e as sucessivas revelações do caso Lava Jato, que tem mantido o assunto na pauta da imprensa. A conscientização acerca dos males que a corrupção causa, afetando diversos serviços essenciais, como educação, saúde e segurança, que também estão dentre as principais preocupações do brasileiro, abre uma janela de oportunidade para promovermos mudanças a fim de que nós e as futuras gerações tenhamos um país mais justo, com menos corrupção e menos impunidade.

G1 – Neste contexto, é possível falar em um fortalecimento e independência das instituições?

Deltan Dallagnol – Com certeza. O combate mais intenso à corrupção decorre de um amadurecimento das nossas Instituições e de nossa democracia desde a Constituição de 1988, bem como da evolução das leis. Contudo, as leis melhoraram apenas na primeira das duas etapas do combate judicial à corrupção, que é a da investigação. A segunda etapa, em que a pessoa responde à acusação criminal perante um juiz e tribunais, é uma verdadeira máquina de impunidade.

Segundo um estudo acadêmico sobre a corrupção publicado pela Fundação Getúlio Vargas, o fator mais importante para inibir a corrupção é uma alta probabilidade de punição; o segundo fator mais relevante é uma pena adequada. Não temos nenhuma das duas coisas e os autores concluem que a corrupção compensa no Brasil. E é verdade. A ação penal 461 contra Paulo Maluf acaba de prescrever no Supremo Tribunal Federal. No Propinoduto, a corrupção já prescreveu também. Poderíamos citar inúmeros casos “derrubados” pela prescrição, que é uma espécie de cancelamento do caso criminal e do crime pelo decurso do tempo.

Dentro desse contexto, o Ministério Público ofereceu à sociedade dez medidas contra a corrupção, que têm três objetivos centrais: prevenção (evitar que a corrupção aconteça), uma punição adequada e que saia do papel, e a criação de instrumentos para recuperar o dinheiro desviado de modo satisfatório.

G1 – As dez medidas de combate à corrupção propostas pelo MPF recentemente passaram da metade das assinaturas que precisam para virar projeto de iniciativa popular. Nas redes, há alguma mobilização em torno da hashtag #corrupção. O resultado da coleta de assinaturas está dentro da expectativa? Para quando o órgão projeta atingir o número necessário e encaminhar os projetos ao Congresso?

Deltan Dallagnol – A coleta de assinaturas supera nossa expectativa. O ritmo de assinaturas colhidas está três vezes superior ao da Ficha Limpa e continua acelerando. Dentro de uma projeção conservadora, o número poderá ser alcançado em meados de 2016. Algumas pessoas surpreendem-se com a relativa demora, em razão de ser um tema tão importante para o país.
O fato é que existe certa distância entre boas intenções e ações, não só porque é difícil sair da inércia, mas também em razão de um certo cinismo, que é um dos efeito da corrupção e significa a descrença no funcionamento de nossas instituições. Cinismo é a crença de que o Brasil não tem jeito.

Precisamos entender que temos em nossas mãos o poder de, juntos, como sociedade, mudar nosso país. O Brasil não é propriedade privada dos corruptos, essa terra é nossa. Vale a pena lutar pelo país independentemente do resultado, como lutamos pelo bem-estar de quem amamos. Nossa fé e determinação nos trarão um país melhor. A janela de oportunidade está aberta e é hoje que decidimos o país que teremos amanhã.

G1 – Há diversos parlamentares investigados no esquema de corrupção apurado pela força-tarefa da Lava Jato, alguns deles já denunciados. Há a preocupação de que isso atrapalhe a tramitação das medidas de combate à corrupção na forma de projetos de lei?

Deltan Dallagnol – Há, sim. Se você é um corrupto, você não vai querer que as dez medidas virem lei, não é?  Entretanto, como eu disse, o Brasil não é terra de ninguém. Os políticos são representantes do povo e, se o povo mostrar, por meio de assinaturas e cartas, apoio maciço às dez medidas, eu creio que elas passarão.

A corrupção afeta negativamente a democracia, porque os governantes passam a agir para atender interesses próprios, deixando de lado o governo para o povo. Nossa intenção é que esse problema seja curado com mais democracia, do tipo participativo, com projetos de lei de iniciativa popular. A Ficha Limpa foi aprovada porque vivemos numa democracia. Muitas pessoas duvidavam que passasse porque ela prejudicaria vários parlamentares, mas a pressão popular promoveu sua aprovação.

Neste momento, temos de confiar em nossas instituições e nos preocupar em difundir as propostas na sociedade para que esta, encampando-as, mostre aos parlamentares ampla adesão, por meio da coleta de assinaturas de cidadãos e cartas de apoio de entidades da sociedade civil organizada.
G1 – Caso as medidas já estivessem em vigor desde o início da Operação Lava Jato, os resultados colhidos até o momento poderiam ter sido maiores?
Deltan Dallagnol – Caso as medidas estivessem em vigor, teríamos, provavelmente, Lava Jatos por todo o país. O motor da Lava Jato são as colaborações premiadas, que só são feitas pelo réu quando ele acredita que será punido. De fato, a colaboração implica a assunção de culpa, uma pena – ainda que reduzida – e a devolução do dinheiro desviado. Porque a regra no país é a impunidade absoluta do corrupto, ele dificilmente aceita colaborar.
Se tivéssemos várias Lava Jatos, muito mais corrupção seria revelada e haveria uma reação mais intensa ainda contra esse problema. Além disso, no caso Lava Jato os resultados seriam também melhores, não só pelo incentivo maior à colaboração, mas porque os processos seriam mais ágeis, partidos políticos seriam responsabilizados pela corrupção, a recuperação do dinheiro seria mais eficiente e conseguiríamos acusar políticos que enriqueceram ilicitamente mesmo sem ter de enfrentar a dificuldade de descobrir qual foi o ato corrupto específico que ele praticou.

G1 – As dez medidas de combate à corrupção colocam como prioridade o aumento da punição para desestimular os crimes. Por outro lado, há um número grande de delatores na Operação Lava Jato que gozam de benefícios como, por exemplo, prisão domiciliar e penas reduzidas. O senhor acha que um número grande de acordos pode contribuir para a visão geral de punições brandas?

Deltan Dallagnol – As colaborações são o motor da Lava Jato. Sem elas, no tocante à corrupção, ainda estaríamos processando apenas Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef pelo desvio de aproximadamente R$ 26 milhões. As colaborações permitiram oferecer acusações contra mais de uma centena de outros réus por propinas que envolvem mais de R$ 6 bilhões.

É claro que, quando se faz um acordo, abre-se mão de algo, de uma parte da punição. Contudo, abre-se mão de algo por muito mais. Além disso, tal é a impunidade nos processos judiciais no nosso país que, no Caso Banestado, os únicos punidos dentre centenas de réus foram, justamente, os colaboradores. O resto dos réus está cavando sua impunidade nos labirintos dos tribunais.

G1 – As prisões preventivas são criticadas por parte das defesas de investigados da Lava Jato. Há quem diga que o objetivo é “forçar” acordos de colaboração. As medidas do MPF buscam, no entanto, criar uma nova hipótese de prisão preventiva. Qual tem sido importância desse recurso para a investigação?

Deltan Dallagnol – As prisões preventivas não são feitas para investigar, mas para proteger a sociedade quando a liberdade do réu, ao longo do processo, representa um risco. É isso que aconteceu na Lava Jato. A alegação de que prisões foram feitas para obter colaborações é insustentável por três razões. Primeiro, mais de 70% dos acordos foram feitos com réus soltos. Segundo, há vários casos de réus presos há meses por todo o país, sem que tenham decidido colaborar. Por fim, o Ministério Público jamais procurou um réu para obter a colaboração, é sempre o contrário.

Colaborações foram buscadas pelos réus como estratégia de defesa em razão do medo de punição efetiva, porque a Lava Jato é um ponto fora da curva e a perspectiva de prisão ao fim do processo decorre da pressão da opinião pública, da consistência das provas, da regularidade dos procedimentos adotados e da sombra do mensalão, em que Marcos Valério foi recolhido à prisão após ser condenado a cumprir cerca de 40 anos. Assim, prisões não são instrumento de investigação.

Agora, as colaborações são instrumentos essenciais como pontos de partida da investigação, capazes de quebrar o acordo de silêncio e trazer à tona situações de corrupção. A partir delas, são colhidas outras provas que, se forem suficientemente boas, permitirão uma acusação criminal.

G1 – Os trabalhos de investigação da Lava Jato estão próximos de completar dois anos. Com o que já se tem em mãos, é possível prever quanto tempo mais deve durar essa investigação?

Deltan Dallagnol – Se fossemos trabalhar apenas o material que temos em mãos, as investigações ainda durariam anos. Algumas pessoas apresentam expectativas em relação ao que será revelado ou quais são os próximos passos, mas a questão que coloco é: já não sabemos o suficiente? Uma doença é primeiro diagnosticada para, em seguida, ser tratada. Já não temos um diagnóstico? Nosso principal foco, agora, deve estar no tratamento, contudo, pouco ou nada foi feito para mudar as condições sistêmicas que hoje favorecem a corrupção no Brasil desde que a Lava Jato veio à tona.

Precisamos agir para promover mudanças. Em minha perspectiva, esse deve ser nosso objetivo central agora, como sociedade.

G1 – A Lava Jato apurou que parte do esquema de corrupção ocorria através das chamadas “doações oficiais” aos partidos. Para as eleições de 2016, há a perspectiva de que as empresas não poderão fazer doações às campanhas. Há visões otimistas, que acreditam que isso resultará em menor risco de corrupção, porém, há também a preocupação com o incentivo à formação de caixa 2. Qual a percepção do senhor sobre essa mudança no processo eleitoral?

Deltan Dallagnol – A mudança vem para o bem. Os maiores doadores de campanhas eram, usualmente, pessoas jurídicas. A partir do momento em que o candidato se elege, se ele quiser se eleger novamente e quiser contar com as mesmas doações, seu papel passa a ser fazer seu financiador feliz. Isso distorce a representatividade. Congressistas passam a representar primordialmente os poucos e maiores doadores, em detrimento da sociedade.

Além disso, as doações não seguiam uma preferência partidária, eram feitas a todos os candidatos com potencial para serem eleitos. Isso indica que não se tratavam de doações guiadas por programas de governo, mas sim de uma política de reciprocidade, esperando-se que benefícios pudessem advir dos pagamentos.

Agora, essa mudança não é a única de que precisamos. Necessitamos também de mudanças no sistema eleitoral e político para baratear as campanhas, como aquelas propostas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.

G1 – De maneira geral, o senhor acredita que os resultados da Operação Lava Jato podem ter influência já nas eleições municipais de 2016?
Deltan Dallagnol – Tenho ouvido que muitas pessoas estão mais receosas de pagar propina e cometer crimes empresariais depois da Lava Jato. A demanda por programas de conformidade ou compliance também aumentou no mercado, o que é um bom sinal, porque indica que as empresas querem ficar longe de práticas corruptas.

Contudo, a Lava Jato, por enquanto, é um ponto fora da curva. Para consolidarmos os avanços, precisamos de alterações no sistema, como aquelas propostas pelo Ministério Público. Recentemente, num vídeo que se tornou viral, disse que muitas pessoas na sociedade depositam suas esperanças em nós. Nós, da Lava Jato, depositamos agora nossas esperanças na sociedade, para mudanças sejam feitas e a justiça possa prevalecer neste e em outros casos criminais.

Fonte: G1

Redação

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