O "vício em videogames" agora é considerado oficialmente uma doença mental.
Ele acaba de ser incluído pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em sua Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que não era atualizada desde 1992.
O guia, que será publicado este ano, contém os números, códigos e sintomas de cada doença, e é usado pelos médicos e pesquisadores de todo o mundo para diagnosticar doenças.
No rascunho do documento, a OMS descreve o vício em videogames como um padrão de comportamento no qual a necessidade de jogar "prevalece frente a outros interesses vitais" da pessoa acometida.
Alguns países já o tinham identificado como um problema de saúde pública relevante e dispõem inclusive de clínicas privadas para "tratar" o distúrbio. É o caso do Reino Unido.
Na Coreia do Sul, o governo limitou as horas de videogames para menores de 16 anos. No Japão, os fabricantes precisam alertar os usuários que passam tempo demais jogando, e na China a gigante da área de tecnologia Tencent também impôs limites.
Mas esta é a primeira vez que a OMS dá um passo firme e cataloga o distúrbio como uma doença.
Segundo a instituição, o problema fica evidente após um período de um ano, necessário para o diagnóstico. Em algumas ocasiões, porém, o transtorno pode ser identificado antes, se os sintomas forem severos.
Os 3 critérios a levar em conta:
Falta de controle sobre o jogo (frequência com que se joga, intensidade, duração). Isto significa que a pessoa é incapaz de se controlar e não consegue colocar um limite no tempo que passa realizando esta atividade, e nem consegue limitar quantas vezes joga durante a semana.
Aumento de prioridade que se dá ao jogo. A atividade passa a ser priorizada frente a interesses vitais (dormir, comer) e rotinas do dia a dia.
Escalada do tempo jogando, apesar dos problemas. A pessoa afetada não se importa com os danos que a atividade causam à sua saúde ou cotidiano e continua dedicando cada vez mais tempo ao jogo.
A OMS diz que o novo transtorno se aplica tanto a jogos de computador quando àqueles que utilizam consoles específicos.
A medida foi bem recebida por alguns especialistas, mas também despertou críticas.
Richard Graham, especialista em vícios tecnológicos do hospital de Nightingale, em Londres, disse à BBC que a decisão da OMS "é importante porque abre espaço para a criação de mais serviços especializados", nessa área.
Para o especialista, a decisão da OMS coloca o transtorno como "algo que deve ser levado à sério".
Apesar disso, ele diz também que entende a posição daqueles que defendem que o problema não seja tratado com medicamentos. "É possível que se crie confusão entre pais cujos filhos são, simplesmente, entusiastas dos videogames", diz.
Graham diz que, a cada ano, trabalha com cerca de 50 novos pacientes com problemas de vício em games. E que seu critério para determinar quem realmente precisa de ajuda é se o hábito está afetando elementos básicos da vida do indivíduo e das pessoas que convivem com ele. Coisas como o sono, a alimentação, a vida social e a educação precisam sofrer danos para que alguém seja considerado doente.
O especialista explica que faz a si mesmo a seguinte pergunta: "O hábito está afetando o estado neurológico da pessoa, dominando o pensamento e as preocupações dela?".
Outros analistas não consideram que o problema seja tão grave.
O Manual de Diagnóstico e Estatística para Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Norte-Americana (APA, na sigla em inglês), cuja quinta edição foi publicada em 2013, classifica o vício em videogames como "uma condição que deve continuar a ser estudada". Isto significa que, para a APA, o vício em games ainda não é considerado uma doença.
Um estudo recente da Universidade de Oxford, no Reino Unido, sugere que apesar de passar muitas horas em frente à tela, as crianças geralmente conseguem conciliar os jogos eletrônicos com outros passatempos.
Segundo esse estudo – focado em crianças de 8 a 18 anos – os garotos passam mais tempo jogando que as meninas.
"As pessoas acreditam que crianças viciadas em tecnologia passam o dia todo em frente à tela sem fazer outra coisa. Mas hoje sabemos que não é o caso", diz o sociólogo Killian Mullan à BBC Mundo.
"Nossos estudos mostram que a tecnologia se usa junto com – e às vezes até em apoio – a outras atividades, como os deveres escolares", acrescenta ele.
"Da mesma forma que os adultos, as crianças usam as tecnologias digitais ao longo do dia, além de fazer outras coisas", diz.