O principal complexo marítimo do país, o porto de Santos, voltou a trabalhar com "cargas vivas". No domingo (dia 4), 25.197 mil bois embarcaram rumo à Turquia. Uma liminar do juiz federal Djalma Moreira Gomes havia ordenado o desembarque dos animais, após um pedido do Fórum Nacional de Proteção e Defesa do Animal, porém o pedido foi derrubado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e os animais foram exportados vivos do país. Uma polêmica que se arrasta há anos e divide produtores de animais.
A Justiça solicitou um relatório de uma médica veterinária sobre as condições às quais os animais estavam sendo submetidos e a mesma verificou “uma imensa quantidade de urina e excrementos”, o que tornaria difícil a respiração dentro do navio Nada. A veterinária apontou ainda que os animais estavam “alocados em espaços exíguos” menores que 1m² por indivíduo, o que impediria qualquer tipo de descanso ou movimentação animal.
Segundo a AGU, o retorno dos animais ao território nacional demandaria uma operação de 30 dias e envolveria 60 pessoas e cerca de 820 caminhões para transporte dos bois. O órgão também argumentou que havia riscos de trazer pragas e doenças ao país, já que a embarcação continha alimentos de origem estrangeira, aos quais o gado já teria sido exposto.
De acordo com a decisão da desembargadora Diva Malerbi, do TRF-3, caso isso acontecesse o Brasil perderia “credibilidade e confiabilidade” ao reverter a exportação dos animais.
Já fazia 17 anos que o porto de Santos não transportava “cargas vivas”, porém segundo o ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Blairo Maggi, o Brasil exporta cerca de 600 mil bois vivos por ano. O destino geralmente são países com restrições religiosas para o abate (como os de tradição islâmica) ou os que não têm estrutura para importar carne congelada.
O mercado de animais vivos é disputado no exterior por Brasil, Argentina, Uruguai, Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia. Os compradores, segundo Maggi, são os países islâmicos, que fazem o abate halal, respeitando algumas regras. A pessoa que mata o animal, por exemplo, precisa ser muçulmana.
Um laudo emitido pelo Ministério da Agricultura contestou a análise da veterinária e assegurou que os currais nos quais os animais estavam eram “limpos, bem dimensionados e com piso adequado para movimentação”.
Maus-tratos
Ao saberem da situação dos animais, várias ONGs em defesa dos animais se juntaram e foram até o Porto de Santos para protestar contra o embarque. Elas alegavam “maus tratos” devido a superlotação da embarcação e os problemas acima elencados.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ministro Blairo Maggi garantiu que não estavam maltratando os animais e que as manifestações seriam um “ativismo meio fora de controle”. Segundo ele, outras empresas poderiam deixar de comprar do Brasil por conta de toda a situação, o que seria um “prejuízo comercial intangível”.
Alguns ativistas acusaram o ministro de pensar só em dinheiro e ignorar o bem-estar animal. Para Carlos Cipro, presidente da Associação Brasileira das Advogadas e Advogados Animalistas, "há um adicional de crueldade em fazer os animais passarem dias no mar". "Se não há como fazer o desembarque, não deveriam ter embarcado. Como fariam se o navio quebrasse?", questionou.
De acordo com o presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Mato Grosso, Verton Silva Marques, todas as embarcações que transportam animais vivos seguem normas internacionais estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde Animal, que se preocupa com a questão sanitária e também com o bem-estar animal.
“Todos os navios projetados para realizar esse tipo de transporte são construídos levando em conta a preocupação com dois grandes padrões de exigências determinados pela Organização, que são: padrão sanitário e bem-estar animal. E só podem ser utilizados após autorização da Marinha e depois de receber uma espécie de alvará dado por médicos veterinários do país de origem desses animais e pelos médicos veterinários do país de destino”, explicou ao Circuito Mato Grosso.
Em nota, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo disse que acompanhou as ações desenvolvidas pelos médicos veterinários envolvidos no embarque dos animais para a Turquia, in loco, para garantir o cumprimento das normas que asseguram o bom atendimento aos animais.
“Durante a visita, a equipe do CRMV-SP coletou informações de que os animais já haviam sido submetidos à quarentena anterior ao embarque, por 21 dias, e que a embarcação contava com uma tripulação constituída por diversos funcionários responsáveis pelo manejo do gado. Foi possível constatar que os bois apresentavam bom escore corporal e com a documentação sanitária necessária para o trabalho de acordo com a legislação vigente”, diz trecho da nota.
Ainda segundo o Conselho, no local havia farmácia, água e comida em abundância e a temperatura e umidade estavam controladas. E que as condições de higiene estavam comprometidas naquele momento, devido ao tempo de permanência desses animais no navio, devido à legislação do porto proibir a limpeza dos excrementos no local.
Processo de quarentena
O embarque é feito após o animal ser retirado do pasto, passar por um período de adaptação, em confinamento, aonde terá a socialização com humanos, consumirá alimento e água, e alguns desses animais que não se adaptam ou têm temperamento bravíssimo são retirados e não classificados para serem embarcados.
“É um processo que chamamos de quarentena, em que o animal fica sobre observação por trinta dias, se não tem nenhum doença, nenhuma lesão de casco, nenhuma enfermidade e tudo isso sob a supervisão do Ministério da Agricultura e Médicos Veterinários. Só depois desse processo é que eles embarcam”.
Acrimat repudiou embargo da exportação
Em nota, a Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat) disse que repudiava a decisão judicial de embargo à exportação dos animais para a Turquia. Segundo eles, “a exportação de animais é um reconhecimento da qualidade do rebanho, resultado de rigoroso sistema sanitário que fiscaliza e assegura a sanidade dos animais, bem como as condições às quais são submetidos”.
A Acrimat enfatiza ainda que antes de concretizar a comercialização de animais vivos, legalizada e certificada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, todos os integrantes desta cadeia produtiva passam por inspeção de qualidade, sanidade e bem-estar animal, tanto do Brasil quanto das instituições do país importador.
“A decisão judicial coloca em suspeita o eficiente modelo produtivo e prejudica de forma direta os produtores de carne do Brasil. Além disso, tal decisão caracteriza uma interferência direta no modelo econômico de livre mercado, essencial para o desenvolvimento socioeconômico do país”.
Por fim, a Associação reitera a defesa pelo direito de produzir, comercializar e de gerar riquezas para o Brasil de “todos os produtores rurais que respeitam a legislação e seguem os mais rigorosos critérios impostos à pecuária de corte”.
Novas embarcações
Nos próximos dias, mais de 100 mil animais vivos devem embarcar nos terminais portuários brasileiros rumo a destinos estrangeiros. O ministro Blairo Maggi alega que esse é o tamanho do lote atual que está em quarentena em diversas fazendas do país.
O ministro não deu detalhes sobre datas nem locais de embarque dos animais, mas ressaltou que a operação é regulamentada pelo governo há anos.
“Nós procuramos esses mercados [no exterior], abrimos e são mercados importantes para a pecuária brasileira. Temos aí mais de 100 mil bois em confinamentos e estações de quarentena para serem exportados nos próximos dias. São navios que vão chegar e não podemos parar com tudo isso”, disse o ministro ao site Globo Rural.
“Existem dois mercados que compram assim, é o halal, que, no caso a Turquia, prefere fazer o abate deles lá e não comprar a carne já pronta, congelada. E também alguns outros países que não têm uma cadeia de frio completa, não conseguem guardar essa carne. Então eles compram os animais vivos e os interiorizam, levam para a zona de consumo e lá vão abatendo. Esses dois mercados são importantes”, explica Maggi.
Dados do Agrostat (sistema do governo com estatísticas de exportações) mostram que no ano passado o Brasil faturou 32% mais com as vendas de animais vivos. O negócio gerou ao país US$ 276 milhões (cerca de R$ 890 milhões).