Elisabeth Maria Cardoso, coordenadora do grupo de trabalho para mulheres da organização não governamental Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), ressalta que nas áreas rurais existe divisão do trabalho entre homens e mulheres semelhante à encontrada nos centros urbanos, mas o vínculo das mulheres com o local de residência é mais arraigado. “Por mais que haja uma divisão sexual das tarefas também nas cidades, se os dois trabalham fora há um momento em que ela tem o espaço dela. No campo, a agricultura, que é a atividade produtiva, se confunde com a doméstica. E a mulher não é reconhecida pelo trabalho produtivo, é como se não fizesse nada”, diz.
Segundo ela, a falta de reconhecimento vem do marido, dos filhos e até de técnicos que trabalham com comunidades rurais. Elisabeth cita o exemplo de um curso pós-colheita de café ministrado na Zona da Mata de Minas Gerais. “Era ministrado aos homens, mas quem faz a secagem do café é a mulher”, explica. De acordo com a coordenadora, o fato de as tarefas domésticas somadas ao trabalho na roça tomarem muito tempo dificulta a frequência de espaços públicos pelas mulheres do campo. “Muitas vezes, o espaço onde ela vai restringe-se à escola e à igreja”, diz. Segundo Elisabeth, ao se ausentar, a mulher deve conseguir adiantar as obrigações do lar ou ter alguém que a substitua.
Precisa, ainda, enfrentar o preconceito dentro e fora de casa. “É um preconceito muito grande. Mesmo as outras mulheres acham estranho se a vizinha começa a sair demais. As companheiras começam a falar mal, a dizer que está enganando o marido”. De acordo com ela, apesar do cenário desfavorável, as redes de mulheres, com trabalho e negociação conjunta das mercadorias, se fortalecem desde os anos 1980. Em anos mais recentes, também tem se tornado comum a participação ativa em movimentos sociais e o contato com temas como desigualdade de gênero e violência contra a mulher, levados à discussão por organizações da sociedade civil.
Uma dessas entidades é a ANA. Segundo Elisabeth, há um ano a organização começou um trabalho de formação em feminismo e agroecologia (nome dado ao cultivo sustentável, sem agrotóxicos) para o Movimento de Mulheres da Zona da Mata e do Leste de Minas Gerais. Posteriormente, o curso foi estendido a mais quatro redes vinculadas à organização. A partir do segundo semestre deste ano, também serão ministradas aulas sobre empreendedorismo para mulheres da zona rural.
Um projeto destinado a mulheres também abriu horizontes para a pernambucana Apolônia Gomes da Silva, 34 anos, educadora da Rede de Mulheres Produtoras do Pajeú. Patrocinada pela Petrobras e pelo governo federal, a rede vende produtos agrícolas e artesanato como bordados, vasos e utensílios para cozinha. Segundo Apolônia, que é da cidade Afogados da Ingazeira, o preconceito contra o trabalho feminino fora de casa ainda existe, mas aos poucos está sendo contornado.
“Hoje ainda tem isso [preconceito], mas vem sendo superado. Algumas mulheres têm quebrado bastante essa barreira com a formação política e feminista”, avalia. Apolônia diz já ter enfrentado dificuldades com o marido. “Ele já reclamou que eu não paro em casa. Eu digo que ele tem que entender que é meu trabalho. Ele já me conheceu assim”. A educadora conta também que é pesado equilibrar as tarefas domésticas quase sempre exigidas das mulheres com as atividades externas. “Todas têm tentado. Para muitas até é a única opção, porque tem mulher que é chefe de família”.
As entrevistas foram feitas em Juazeiro (BA) durante o 3° Encontro Nacional de Agroecologia. A repórter viajou a convite da Articulação do Semiárido Brasileiro (Asa) e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Agência Brasil