Jurídico

MPF firmou mais de mil acordos de “não persecução” penal

Como forma de agilizar o trâmite processual, o Procurador-Geral da República, Augusto Aras, defendeu o "acordo de não persecução penal" na última semana. Criado pelo Conselho Nacional do Ministério Público em 2017, o acordo permite que o MP não apresente denúncia em troca da confissão de suspeitos, em crimes sem violência ou grave ameaça.

Em números, o MPF propôs 1.029 acordos em todo o país de maio do ano passado até este mês. Conforme relatório obtido pela ConJur, a maior parte dos acordos refere-se ao crime de contrabando ou descaminho (254), seguido de estelionato (161) e uso de documento falso (111). 

Destaca-se com maior número de acordos o estado do Paraná, que firmou 242. O relatório mostra ainda que não houve audiência para homologar a maioria dos acordos. Na homologação, 62% dos acordos resultou em indenização e apenas em 19% deles não houve prestação de serviços à comunidade. 

O posicionamento de Aras foi dado durante julgamento no Supremo Tribunal Federal que discute outra matéria: a possibilidade de órgãos de controle compartilharem dados sem autorização judicial. 

A declaração, no entanto, despertou questionamento do presidente da corte. Dias Toffoli sinalizou que esse tipo acordo não está previsto em parâmetros legais, diferente da colaboração premiada — que está definida na Lei 12.850/2013.

"Qual é o sistema de controle da não persecução penal? Quais são os benefícios desse que está abrindo mão da persecução penal? Ainda é uma questão", questionou Toffoli.

Resolução 181/2017
O acordo foi criado em agosto de 2017 pelo CNMP, por iniciativa do então procurador-geral da República Rodrigo Janot. A resolução que o prevê, na verdade, cria o “procedimento investigatório criminal”, espécie de inquérito “sumário e desburocratizado de natureza inquisitorial” tocado apenas pelo MP, sem passar pelo juiz, e sempre sigiloso. Ao juiz, cabe a homologação.

O artigo 18 da resolução cria o “acordo de não persecução penal”, para os casos de acusados de crimes sem violência ou grave ameaça confessarem e repararem as vítimas. Esses acordos permitem ao MP não oferecer denúncia e definir quais devem ser as condições oferecidas em troca da confissão.

Caso o juiz discorde, continua a resolução, deve comunicar a autoridade superior do MP ou ao próprio procurador-geral, para que tome alguma providência.

Em xeque também está a competência do CNMP para esse tipo de acordo, já que o artigo 130-A, parágrafo 2º da Constituição Federal define que suas atribuições são de “controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público”.

A subprocuradora-geral da República e coordenadora da Câmara Criminal do MPF, Luiza Frischeisen, afirma que o acordo é tão constitucional quanto as audiências de custódia. “Ele não é inconstitucional, pois decorre do sistema acusatório e o CNMP definiu isto em resolução", defendeu.

Aderência nos TRFs
De acordo com Luiza, o acordo é importante para liberar o órgão para investigar casos mais complexos, como corrupção e crime contra o sistema financeiro. Além disso, afirmou, é homologado em juízo e prevê que haja ressarcimento e serviços para a comunidade, daí sua aderência.

Em setembro, a Corregedoria Regional da Justiça Federal do TRF-1 enviou ofício a todos os juízos criminais recomendando o uso do instituto. No documento, a desembargadora Maria do Carmo Cardoso defende a não persecução penal como forma de “otimização dos recursos públicos”.

Segundo a subprocuradora-geral, duas turmas do TRF da 5ª Região também já manifestaram-se favoráveis a esse tipo de acordo. Ela citou como exemplo o MP de São Paulo, que já firmou mais de 600 acordos em 2019.

Limite em pauta
No Supremo, duas ações questionam a constitucionalidade do acordo (ADIs 5790 e 5793). As ações, propostas pela Associação dos Magistrados Brasileiros e pelo Conselho Federal da OAB, respectivamente, ainda não foram julgadas e são de relatoria do ministro Ricardo Lewandowski.

A inclusão na lei desse tipo de acordo também faz parte do anteprojeto apresentado pela comissão de juristas liderada pelo ministro Alexandre de Moraes, e enviado ao Congresso Nacional em 2018.

Embora o acordo estabeleça a aceitação ou não dos juízes, suas controvérsias, citadas pelo ministro Dias Toffoli, não são isoladas. A criminalista Vera Chemim destaca que a previsão regulamentar não tem o respaldo legal. 

"Não existe legislação que disponha sobre a autonomia do MP em fazer acordos com investigados, nos casos de crimes cuja pena mínima seja inferior a 4 anos e sem violência ou grave ameaça", diz.

A avaliação da advogada é de que a questão é polêmica entre a doutrina e a própria jurisprudência, já que, na prática, trata de um acordo de delação.

Segundo a advogada, a questão demanda a a atuação do Poder Legislativo para que possa ser aplicada pelo MP, já que esse tipo de transação penal “estendida” está sob análise no Congresso Nacional.

Redação

About Author

Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.