Cidades

MP investiga venda de dados de clientes por farmácias no DF

O Ministério Público do Distrito Federal iniciou uma investigação para apurar se redes de farmácias do país estão repassando ou vendendo dados sigilosos de clientes, após exigir o CPF deles em troca de desconto. A suspeita é de que a lista de compra de cada consumidor esteja sendo divulgada para empresas de planos de saúde e de análise de crédito, em uma espécie de mercado paralelo.

A investigação começou em janeiro deste ano. Para o promotor Frederico Meinberg, coordenador da Comissão de Dados Pessoais do MP, a intenção é “abrir uma caixa preta” e descobrir o uso que farmácias fazem dos dados sensíveis dos clientes.

“Existe uma verdadeira obsessão das farmácias em dar desconto. E no capitalismo, não existe obsessão de graça. Há um interesse por trás.”

O problema
Meinberg explicou ao G1 que o histórico de compras que o cliente tem em uma farmácia diz muito sobre o comportamento dele. Em mãos erradas, isso poderia trazer como consequência um contrato mais caro no plano de saúde ou até mesmo a recusa do empréstimo tão sonhado.

“Imagine que você comprou no seu CPF um remédio para sua avó que está sofrendo de câncer. Se esse histórico sai da farmácia e é compartilhado para outros setores, numa análise, o plano de saúde pode acreditar que você está fazendo um tratamento e não avisou. Daí aumentam o valor do contrato e você nem fica sabendo.”

Ele cita outro exemplo. “Vamos pegar um hipocondríaco, que compra remédio todo dia, e um outro homem que tem a mesma idade, mas morre de medo de médico. O primeiro pode vir a pagar um plano de saúde muito mais caro do que o outro.”

Com as agências de análise de crédito, aquelas que dizem se o indivíduo é um bom pagador ou tem nome sujo na praça, o sistema é parecido.

“Antes de liberar um financiamento, empresas consultam um cadastro para saber se a pessoa consegue pagar as dívidas. Com alguém que está comprando muito remédio, podem interpretar que ela está com risco de vida. Ou seja, negariam o empréstimo ou subiriam muito os juros por entender que ela não vai conseguir arcar com essa dívida.”

A investigação
Em janeiro, o MP enviou ao Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do DF (Sincofarma) uma lista com dez perguntas questionando o tratamento que o setor dá para os dados dos clientes e o porquê da exigência do CPF para oferecer descontos.

Em resposta, a entidade que representa as farmácias disse que não poderia falar pelos procedimentos adotados por cada uma. O G1 também questionou o Sincofarma, que afirmou não ter nada a declarar sobre o assunto.

Como o combo “CPF+desconto” é uma prática percebida em todo o país, o MP pretende enviar já na próxima semana essa lista para as dez maiores redes farmacêuticas do Brasil. Elas terão um prazo de dez dias para responder, por escrito. Por ser uma requisição oficial, não há possibilidade de negar esclarecimentos.

Se as farmácias confirmarem que dados dos clientes estão sendo compartilhados com terceiros, o MP pretende acionar a Justiça para coibir a conduta nacionalmente, com pedido de urgência. Isso porque, ao contrário da Europa ou dos Estados Unidos, ainda não há legislação que trate do assunto.

Também não está descartada, mais para frente, a possibilidade de quebra de sigilo de empresas para auxiliar as apurações.

Privacidade
Para o Ministério Público, o caso pode configurar violação do direito constitucional à privacidade. Neste caso, caberia indenização coletiva pelo impacto ainda desconhecido na economia brasileira. “Seria um dos maiores danos morais e patrimoniais a médio prazo. Estamos falando de algo tão sério quanto o confisco da poupança, na década de 1990”, declarou o promotor.

"É importante entender que seus dados fazem parte do seu patrimônio. O brasileiro tem uma coisa muito perigosa: diz que não tem nada a esconder. Mas essas informações sigilosas têm um valor enorme", continuou Meinberg.

"Bata o pé: exija o desconto, mas nunca dê seus dados.”
Outros lados
O G1 aguarda retorno da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) e da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma) sobre o assunto.

A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) também não se posicionou até a publicação desta reportagem. As duas maiores empresas de análise de crédito do país, SPC e Serasa, também foram contatadas, mas não se manifestaram.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informou que vai “adotar as providências administrativas cabíveis” caso o MP confirme a irregularidade de empresas.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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