Uma verdadeira sombra sua permanecerá a serviço do novo papa, como assessor do pontífice, acumulando o papel de secretário privado de Joseph Ratzinger mesmo depois que este se retirar primeiro para Castel Gandolfo (onde fica a residência de verão dos papas) e, depois, para o convento Mater Ecclesiae, no interior do Vaticano.
Esse duplo papel pertencerá ao monsenhor alemão Georg Gänswein, 57 anos, que chegou a ser chamado de "Monsenhor George Clooney" pela revista "Vanity Fair", que não é exatamente uma publicação muito dedicada ao espírito.
Pablo Ordaz, correspondente de "El País" na Itália, descreve-o assim: "1,80 m de estatura, corpo de atleta, cabelo loiro, olhos claros". É secretário pessoal de Ratzinger há nove anos, ou seja, desde antes de que o cardeal alemão se tornasse papa –uma indicação clara do grau de confiança e proximidade entre eles.
O duplo papel de Gänswein, anunciado ontem pelo porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, provocou óbvia e imediata suspeição na sala de imprensa da Santa Sé, para a qual aflui inexoravelmente toda a sorte de especulações, boatos, apostas e diz que diz de uma Igreja Católica que seu próprio chefe admitiu anteontem estar dividida.
Uma jornalista sugeriu, na sua pergunta a Lombardi, que era discutível, com Gänswein ao lado dos dois papas, que Bento 16 não fosse ter interferência alguma no novo papado.
Lombardi explicou que o prefeito (título que Gänswein terá) não tem participação nem na governança do Vaticano nem na doutrina que dele emana.
Limita-se, continuou, a cuidar de aspectos praticamente burocráticos, como, principalmente, acertar as audiências do papa.
A suspeição se deve ao papel que Gänswein desempenhou em outra função teoricamente burocrática, a de secretário de Bento 16.
Foi ao fax que "Monsenhor Clooney" vigia que chegou uma carta dirigida ao papa com denúncias graves.
O papa a leu e Gänswein guardou-a depois em uma gaveta no próprio apartamento papal. Mas a carta, bem como muitos outros documentos secretos, acabou vazando e apareceu no livro "Sua Santidade — As Cartas Secretas de Bento 16", cujo autor, Gianluigi Nuzzi, foi entrevistado anteontem pela Folha.
O BEM INFORMADO
O dublê de secretário (de um papa) e prefeito (do outro, futuro) está, portanto, bem informado sobre a hipocrisia vaticana que Bento 16 tanto lamentou na Missa de Cinzas.
O sentido comum diz que Bento 16 não poderá se esconder do mundo –pelo menos do mundo eclesiástico– se Gänswein resolver, como é natural, conversar com ele sobre o que acontece dentro do Vaticano.
Até porque Lombardi deixou claro ontem que Ratzinger não perderá o nome de Bento 16, que escolheu ao ser eleito papa. "É um título absolutamente inalienável", disse o porta-voz.
COMITIVA
Além de Gänswein, acompanharão Bento 16 a Castel Gandolfo e depois ao convento o seu segundo secretário, o padre maltês Alfred Xuereb, e a chamada "família do papa", formada pelas leigas Carmela, Loredana, Cristina e Rosella e pela monja Birgit Wansing.
Dois papas, então, convivendo no mesmo e pequeno Estado do Vaticano? Não, disse ao "Corriere della Sera" o padre Ottavio De Bertolis, especialista em direito canônico da Pontifícia Universidade Gregoriana: "A partir do dia 28, Ratzinger não é mais papa. Ponto, parágrafo".
Mas, como quase tudo nesse ineditismo que é a renúncia de um papa, De Bertolis admite que há uma zona de sombra.
"O direito canônico", diz ele, "cala sobre quais são os direitos e deveres" do papa que deixou o trono de Pedro.
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Fonte: FOLHA.COM