Ao longo de cinco anos, Kica transformou a sala de um centro de reabilitação para pessoas com deficiência, onde tirava fotos para prontuários médicos, em um estúdio fotográfico com espelhos, maquiagens e acessórios. “Comecei a tratar os pacientes como modelos, como se fosse um editorial de moda”, contou.
A iniciativa, criada a princípio para diminuir o constrangimento e tristeza dos pacientes em frente à câmera, foi mais longe. Kica virou empresária e montou uma agência para modelos com deficiência em 2007. A fotógrafa, que começou com apenas cinco agenciadas, hoje já cuida de 80 modelos deficientes físicas, visuais, auditivas e intelectuais em todo o País, que fazem editoriais de moda, campanhas de grifes e desfiles. “Meu sonho não é uma semana de moda, mas a capa de uma revista masculina com uma modelo deficiente nua. Assim terei certeza de que a inclusão foi feita”, afirmou sobre o que quer conquistar.
A “casa” que abriga os sonhos para que “beleza e deficiência não sejam mais palavras opostas” fica em uma sala aconchegante no Tatuapé, em São Paulo. É lá onde acontecem testes para integrar o casting e ensaios fotográficos da agência. “Não é mais uma coisa que ela faz apenas para a gente se sentir bem, é um trabalho”, comentou a modelo e atriz Juliana Caldas, 26 anos. Membro da agência desde 2010, Juliana contou que estranhou a proposta de trabalhar como modelo no início: “quando pensamos em moda, vêm à cabeça pessoas com 1,80 m”, afirmou ela que tem apenas 1,22 m de altura. “Mas a Kica mostrou que ser diferente é legal”, acrescentou.
A reação da atriz e modelo Priscila Menucci, 38 anos, não foi diferente quando foi convidada pela fotógrafa a fazer parte da agência: “perguntei ‘oi?’”, contou. Mas Priscila, com 91 cm de altura, mergulhou na ideia e hoje já é representante da grife Fator Brasil, de roupas destinadas a pessoas com nanismo, e da marca de sapatos Via Mara. “Somos referência de moda também”, disse ela. Apesar de a maior parte do casting ser composta por mulheres, existe espaço para os homens. “Alguns são mais vaidosos do que todas as mulheres juntas”, comentou Kica.
É o caso, segundo ela, do jogador de basquete e modelo Diego Madeira. “Não era a pessoa mais vaidosa do mundo, mas sempre procurei colocar uma roupa legal, arrumar o cabelo e deixar o corpo em dia”, contou.
Diego usa muletas ou cadeira de rodas para se locomover, pois teve mielomeningocele, má-formação na coluna vertebral. Ele conheceu Kica quando tinha 24 anos, em 2008. Como modelo, fez editoriais ao lado de modelos com e sem deficiência física e desfilou algumas vezes em São Paulo. Para ele, a inclusão dos deficientes no mundo da moda é um "processo natural", pois o público consumidor com o perfil é cada vez maior. O Censo de 2010 do IBGE apontou que o País tem mais 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência.
A frase é de Juliana, que nasceu com nanismo. A luta é diária e existem situações em que as pessoas “normais” simplesmente a descartam por acharem que ela não é capaz de fazer algo. E, é claro, que em alguns dias ela acorda para baixo. “A gente trabalha muito para conseguir espaço, mas não é uma coisa impossível, por isso a gente acredita”, disse. Juliana, Priscila e Diego nasceram deficientes e aprenderam a lidar com as diferenças. Eles apostam em uma transformação social que aceite melhor a diversidade e confie na capacidade das pessoas independente de como elas sejam.
Fonte: Terra
Foto: Reprodução