Trezentos dias – literalmente, não é hipérbole – após prometer enviar uma reforma tributária ao Congresso Nacional, Paulo Guedes finalmente o fez. A proposta será concretizada através de vários projetos legislativos.
A de hoje, que simplifica tributos e não implica diminuição nem aumento da arrecadação, é apenas a primeira etapa. As idas e vindas do ministro com relação ao conteúdo da reforma – especialmente a CPMF, que agora parece descartada – fazem com que o governo perca força na negociação. Há dois motivos para isso.
Em primeiro lugar, Guedes perdeu a oportunidade de guiar o debate dessa reforma da mesma maneira que conseguiu liderar, por exemplo, o da reforma previdenciária. O problema não é o excesso de ideias. A cientista política Simone Diniz já mostrou, em um texto magistral, que propostas legislativas do presidente podem fracassar sem que isso seja uma derrota para o chefe do Executivo.
Projetos podem ser, nas palavras de Diniz, “instrumentos de negociação” que sinalizam as preferências – e limites – do presidente para uma política pública. Mas Guedes perdeu o bonde. Ao dar entrevistas indicando preferências mutantes ao longo de trezentos dias, o ministro não conseguirá usar projetos concretos para negociar. Perdeu credibilidade. (O artigo “Interações entre os Poderes Executivo e Legislativo no Processo Decisório: Avaliando Sucesso e Fracasso Presidencial” foi publicado na revista Dados em 2005.)
Pior ainda, para o governo, é que a ambiguidade do ministro provocará, nas próximas semanas, incerteza na base legislativa disforme de Bolsonaro. Líder informal do Centrão, o deputado federal Arthur Lira (PP) colocou-se na boca do crocodilo ao defender as mudanças bizarras de Guedes para o Fundeb, enviadas aos 50 minutos do segundo tempo. Líder faz isso: mata no peito. Cada vergonha que Lira passar por Bolsonaro contará para cacifá-lo à presidência da Câmara no ano que vem.
Mesmo assim, a chance de alguma reforma tributária passar é bastante alta. Afinal, os parlamentares levarão o crédito pelo sucesso legislativo junto – ou até mais – com o governo.
(Este artigo expressa a opinião do autor, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.)