Um novo documento reforça a suspeita da família de que o suicídio de Odilaine Uglione pode ter sido forjado. Cinco dias antes de morrer, a mãe do menino Bernardo Boldrini, assassinado em abril de 2014, procurou a polícia e disse que estava sendo ameaçada.
Odilaine foi encontrada morta em fevereiro de 2010 na clínica do então marido, o médico Leandro Boldrini, com um tiro de arma de fogo. Na época, a polícia concluiu que ela cometeu suicídio, mas perícias particulares feitas a pedido da família levantaram a suspeita de que ela possa ter sido assassinada.
O inquérito foi reaberto neste ano a pedido do Ministério Público após a morte de Bernardo Boldrini chocar o país. Em 14 de abril de 2014, o corpo do menino de 11 anos foi encontrado enterrado em um matagal na área rural de Frederico Westphalen, a cerca de 80 quilômetros de Três Passos, no Noroeste do estado, onde ele residia com a família. Leandro é réu no processo. Ele e outros três acusados de participar da morte da criança estão presos e aguardam julgamento por crimes como homicídio qualificado e ocultação de cadáver, entre outros.
No boletim de ocorrência feito na Delegacia de Três Passos, Odilaine relatou que estava sendo ameaçada e perseguida por Elaine Rader Pinto, babá de Bernardo entre 2007 e 2009. Ela disse que recebeu pela internet quatro ameaças, enviadas pelo filho de Elaine, Maicon Rader Pinto.
Segundo o que Odilaine contou à polícia, o jovem teria dito que ela deveria adicioná-lo como "amigo eterno", dando a entender que a mataria. Em outra ameaça, feita pelo celular enquanto Odilaine estava em uma padaria, Maicon diz para ela aproveitar bem o lanche porque seria o último. A ocorrência diz ainda que Elaine mandou um recado por uma mulher desconhecida para avisar que mãe de Bernardo seria infernizada até o fim.
A delegada que investigou a morte em 2010, Caroline Bamberg não quis falar sobre o assunto. Entretanto, o responsável pela nova investigação, delegado Marcelo Lech, diz que esse novo elemento pode ajudar a esclarecer a morte.
"O fato noticiado pela senhora Odilaine no registro de ocorrência pode ser caracterizado como ameaça sim. Este elemento de informação, assim como todos os outros, serão devidamente verificados e investigados", disse Lech.
O delegado disse que as pessoas citadas no boletim de ocorrência de Odilaine serão chamadas para prestar depoimento.
A existência do boletim de ocorrência surpreendeu o advogado da mãe de Odilaine Uglione. Ele declarou que essa informação não parece no inquérito que concluiu que a mulher se matou com um tiro na boca.
A polícia já descobriu que Odilaine contratou um detetive particular para investigar o então marido, o médico Leandro Boldrini. O detetive fez um dossiê com provas de que Leandro, mesmo casado, já se relacionava com outras mulheres, entre elas Gracieli Ugulini, que está presa acusada de matar Bernardo com uma injeção letal. Todo o material foi entregue para Odilaine, que decidiu se separar.
Antes de a mulher morrer, o casal estava se encaminhando para um acordo. Com o divórcio, o patrimônio seria dividido. Odilaine iria receber R$ 1 milhão, além de uma pensão.
Nova versão
O MP pediu a reabertura do inquérito à Justiça e justificou que os laudos particulares, confeccionados a pedido de Jussara Uglione, mãe da vítima, trazem novos fatos, imputando à secretária do consultório a confecção de uma carta suicida e colocando, inclusive, uma terceira pessoa dentro da sala de atendimento em que ocorreu o fato, onde, em tese, estariam apenas Leandro Boldrini e Odilaine Uglione.
Com o pedido de reabertura do inquérito, o MP encaminhou requisição de diversas diligências à polícia, em especial realização de perícia grafodocumentoscópica (quando se examina a grafia de um documento para avaliar autenticidade ou falsidade) na carta suicida, reprodução simulada dos fatos, depoimento de pessoas que estavam no consultório na data e horário do fato e que compareceram ao local depois e complementação de perícia já realizada, entre outras diligências.
Perito diz que letras são diferentes
A suposta carta suicida teria sido escrita em 9 de fevereiro de 2010. Conforme o advogado Marlon Taborda, que representa a mãe de Odilaine, perícia particulares contratadas por ele analisaram e compararam a grafia do texto.
Segundo peritos, a suposta carta suicida da enfermeira teria sido forjada, escrita por outra pessoa, como mostrou a reportagem do Fantástico. Ricardo Caires dos Santos, perito judicial em São Paulo há oito anos, fez um "exame grafotécnico" e comparou a letra e a assinatura com papéis que são comprovadamente escritos pela mãe de Bernardo.
“Não foi a dona Odilaine que escreveu. São dois punhos totalmente diferentes. Pessoas diferentes que assinaram”, afirmou o perito.
A assinatura que aparece na carta de suicídio também é diferente de assinaturas autênticas de Odilaine registradas em um contrato de locação, no diploma de auxiliar de enfermagem dela e em outro contrato de prestação de serviços.
Relembre o caso Bernardo
– Bernardo Boldrini foi visto vivo pela última vez no dia 4 de abril de 2014 por um policial rodoviário. No início da tarde, Graciele foi multada por excesso de velocidade. A infração foi registrada na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. A mulher trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada do menino.
– Um vídeo divulgado em maio do ano passado mostra os últimos momentos de Bernardo. Ele aparece deixando a caminhonete da madrasta, Graciele Ugulini, e saindo com ela e com a assistente social Edelvânia Wirganovicz. Horas depois, as duas retornam sem Bernardo para o mesmo local.
– O corpo de Bernardo foi encontrado no dia 14 de abril de 2014, enterrado em um matagal na área rural de Frederico Westphalen.
– Segundo as investigações da Polícia Civil, Bernardo foi morto com uma superdosagem do sedativo midazolan. Graciele e Edelvânia teriam dado o remédio que causou a morte do garoto e depois teriam recebido a ajuda de Evandro para enterrar o corpo. A denúncia do Ministério Público apontou que Leandro Boldrini atuou no crime de homicídio e ocultação de cadáver como mentor, juntamente com Graciele. Conforme a polícia, ele também auxiliou na compra do remédio em comprimidos, fornecendo a receita. A defesa do pai nega.
– Em vídeo divulgado pela defesa de Edelvânia, ela muda sua versão sobre o crime. Nas imagens, ela aparece ao lado do advogado e diz que a criança morreu por causa do excesso de medicamentos dados pela madrasta. Na época em que ocorreram as prisões, Edelvânia havia dito à polícia que a morte se deu por uma injeção letal e que, em seguida, ela e a amiga Graciele jogaram soda cáustica sobre o corpo. A mulher ainda diz que o irmão, Evandro, é inocente.
Fonte: G1