Economia

“Lista negra” prejudica até mesmo quem não deve

Foto: Ahmad Jarrah /Circuito MT

Os chamados “bancos de dados de proteção ao crédito”, organizados e implementados por empresas privadas, são o pesadelo de muita gente. Ter um nome “negativado”, presente em um desses cadastros, pode acarretar transtornos dos mais variados, seja na compra de um simples eletrodoméstico ou no financiamento do imóvel. Não bastasse isso, além dessa lista, existem também outros índices paralelos, compartilhados no varejo, que podem negar o acesso ao consumo mesmo que o comprador não possua dívidas pendentes.

Antônio* é proprietário de uma empresa de georreferenciamento na Baixada Cuiabana. O rapaz, que pediu para não ter seu verdadeiro nome divulgado, pode ser uma vítima dessas listas paralelas que funcionam como uma espécie de “ranking” de “bons e maus pagadores”, dependendo do histórico de consumo que possui. Ele afirma que nunca fez parte de nenhum banco de dados de proteção ao crédito e que mesmo assim possui dificuldades em conseguir financiamentos.

“Não consigo fazer crediários em lojas de departamentos nem financiamentos em bancos. Meu nome nunca esteve cadastrado em serviços de proteção ao crédito, mesmo assim tenho grande dificuldade para obter crédito”, diz ele.

Em 2013, o banco de dados de proteção ao crédito Serasa/Experian se envolveu numa polêmica por conta dessa lista que atribui qualidades de bons ou maus consumidores, independente de eles possuírem ou não restrições na obtenção de crédito. Mais de 42 mil pessoas ingressaram com uma ação contra o sistema denominado “Concrete Scoring”, do Serasa, na cidade de Florianópolis (SC). A lista consiste justamente em pontuar clientes de acordo com seu histórico de consumo.  

O Reclame Aqui, um serviço virtual que aproxima empresas e consumidores que eventualmente tenham alguma reclamação sobre produtos e serviços prestados – www.reclameaqui.com.br – registrou, desde 2012, em torno de 396 reclamações sobre o Score do Serasa/Expirian, ora de pessoas que se queixavam da simples existência do ranking, ora daqueles que, mesmo possuindo uma nota alta atribuída a seu histórico de consumo, ainda assim, não conseguiam obter crédito, mesmo com o nome em situação “regular”.

Para o especialista em Defesa da Concorrência e Regulação da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EAESP/FGV) e procurador geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), Arthur Badin, a “ausência de regulação abrangente sobre o setor de bancos de dados de proteção ao crédito é responsável pelos limites à expansão e ao barateamento do crédito”, afirmando ainda que a prática tem potencial de “causar danos à privacidade dos consumidores”. 

Uma regulamentação chegou a ser proposta em 2005 pelo Governo Federal, mas foi arquivada.

“Lista paralela extrapola legislação”

Manter o consumidor numa espécie de “lista suja”, compartilhada pelo comércio em virtude de possuir alguma dívida passada, mesmo que atualmente esse consumidor não tenha nenhum compromisso pendente, é algo que entendemos extrapolar a legislação. A opinião é do gerente de Fiscalização, Controle e Monitoramento de Mercado do Procon Mato Grosso, Ivo Vinícius Firmo.

Vinícius explica que os bancos de dados de proteção ao crédito, elaborados por empresas privadas, precisam seguir a legislação preconizada pela Constituição Federal e pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo ele, as “ações devem contar com transparência” e que o Procon “entende que nenhuma empresa é obrigada a fornecer crédito para ninguém”, afirmando que se ela deseja fazer isso “deve seguir regras”.

“O Procon entende que nenhuma empresa ou instituição financeira tem obrigação de fornecer crédito. O cadastro nesses bancos de dados é algo que deve ser feito com responsabilidade e consideramos que nos casos em que não há dívidas pendentes, e que mesmo assim o nome do consumidor conste de uma ‘lista negra paralela’, compartilhada no comércio, extrapola-se a legislação”, afirmou.

Vinícius explica, ainda, os direitos dos consumidores e as normas que devem ser observadas por esses serviços. Segundo ele, o CDC prevê em seu art. 43 alguns dos preceitos que regem essa atividade que, apesar da importância, sobretudo do lado dos consumidores, ainda não é regulamentada no Brasil. Entre os principais fatores está a exigência de notificação prévia por parte do reclamante.

“Segundo o art. 43 do CDC, o consumidor deve ter conhecimento prévio antes que seu nome esteja cadastrado num desses bancos de dados de proteção ao crédito. A empresa deve fazer esse comunicado por uma via formal, seja por um aviso de recebimento ou outro recurso dessa natureza”, disse.

O gerente do Procon Mato Grosso fala ainda das possibilidades de dano moral que um cadastro indevido nesses bancos de dados pode ensejar aos consumidores que foram vítimas dessa ações. Segundo ele, se há restrição não justificada no nome de pessoas que desejam obter crédito, além do direito de terem seus registros retirados desses cadastros, existe ainda a possibilidade de indenização, que deve ser pleiteada na justiça. Vinicius fala também que após o prazo máximo de cinco anos, a negativação deve ser automaticamente apagada dessas bases.

“Há possibilidade de dano moral caso haja negativação indevida do nome. Além disso, o prazo máximo para que ele conste nessa base de dados é de cinco anos, a cada pagamento não realizado”.

Consumidores se queixam de pressão

Márcio* é engenheiro eletricista recém-formado pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e trabalha numa empresa na região da Baixada Cuiabana. Com uma dívida pendente no cartão de crédito, e batalhando por uma colocação no mercado de trabalho, ao qual chegou recentemente, ele conta que foi pressionado pelo banco a saldar suas dívidas ou pelo menos negociar seus termos.

Como forma de pressionar, além de ter o nome incluso num banco de dados de proteção ao crédito, a instituição financeira pressionava por uma negociação nos termos escolhidos por ela, sem levar em conta suas características sociais, como o fato de ter acabado de sair da Universidade.

“Além de ter meu nome negativado, me ligavam todos os dias me pressionando para parcelar. Sorte que não precisei fazer nenhuma aquisição que exigisse ‘nome limpo’. Outro problema é que na negociação cobraram juros altíssimos”, disse ele.

Lhays*, que assim como Márcio pediu para não ter seu verdadeiro nome divulgado, é estudante de geologia da UFMT. Vítima de um assalto, no qual perdeu seu celular, ela pode ter seu nome negativado, pois o aparelho fazia parte de um plano oferecido pela operadora do seu aparelho. 

Ainda de acordo com a universitária, a atendente da empresa de telefonia transmitiu a informação errada, dizendo que se ela cancelasse o plano pagaria apenas pelo tempo utilizado do serviço, o que não ocorreu, pois a fatura gerada pela prestação foi emitida antes do assalto, e agora é utilizada como justificativa para pressioná-la ao pagamento.

“Se eu soubesse continuaria com o plano, agora fiquei sem ele, sem meu celular e ainda posso ter o nome negativado”.

Confira detalhes da reportagem

Diego Fredericci

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