O músico encontra a estudante no estacionamento da faculdade e pede para conversar com ela. Luiza, que a esta altura já sabe de toda a história do primo com a sua mãe, não quer papo com ele. Mas Laerte insiste e a jovem acaba entrando no carro dele.
Durante o trajeto, Luiza se arrepende de ter ido com o flautista. "Quer saber? Não me sinto confortável dentro do seu carro, preferia não estar aqui. Já me arrependi.Desculpe, mas é melhor que a gente não converse. Já vi que não vai dar certo. Eu desço aqui", afirma a estudante, já abrindo a porta do carro ainda em movimento.
Laerte se assusta, para o automóvel e segura o braço dela. "Caramba, que gênio! Assim você fica ainda mais parecida com a sua mãe quando ela tinha a sua idade", compara. "Não fala na minha mãe! Ela não quer nem que você pense nela, imagine então falar!", diz irritada.
Ele, então percebe que ela já sabe de tudo que aconteceu entre os primos. "Não acredito que o que você fez com a minha mãe dê pra desculpar. Com a minha mãe só, não, mas com a família inteira! Vai falar ou não vai? Já perdi a primeira aula, não quero perder a segunda", dispara Luiza.
Laerte diz que não procurou a moça para incomodá-la e nem atrapalhar seu dia. Mas que só quer a ajuda dela. "Queria poder me desculpar com a sua mãe pelo que fiz há vinte anos. Já fui julgado, condenado e cumpri a minha pena. Estou limpo perante a sociedade, como se costuma dizer. Mas sinto que nunca estarei limpo para a sua mãe", constata. "Pode ter certeza disso! Será que se lembra que o meu avô morreu dentro da igreja, de desgosto? Eu sempre soube disso, só não sabia que o culpado era você. E o meu pai? Hein, lembra? Ou não está sabendo que meu pai é o Virgílio que você feriu e quase matou há vinte anos?", brada Luiza.
Ele fecha os olhos e bate sucessivamente com a testa na direção do carro, falando com se fosse consigo mesmo: "Sabia e não sabia. Não tinha certeza e nem queria ter", afirma. "É essa a história que eu sei. Tudo isso eu ouvi aos pedaços, sem que nunca dissessem o seu nome porque o seu nome estava proibido de ser mencionado lá em casa. Era uma espécie de lembrança maldita que ninguém queria assumir", dispara a estudante.
Luiza continua a despejar toda raiva. "Uma desgraça na família inteira. E agora quer o quê? Que todo mundo passe uma esponja e apague tudo, como se fosse uma manchinha de café?". "Não, claro que não, sei que não é fácil. Se eu pudesse fazer alguma coisa pra ser perdoado, eu faria. Juro. O que aconteceu nunca saiu da minha cabeça, nunca me deixou em paz esses anos todos. Desgracei a minha vida também.", afirma o flautista.
A filha de Helena desdenha. "Você viajou, fugiu, nunca mais voltou, mas minha mãe e minha avó ficaram aqui, seguraram a onda! Que desgraça aconteceu com você?", indaga. "Nunca mais fui feliz!", garante Laerte.
Luiza sente que ele falou de maneira muito sentida e verdadeira. Ela olha para ele, de rabo de olho. Percebe que ele está sofrendo e sendo sincero. Mas não dá o braço a torcer. "Infeliz viajando pelo mundo, fazendo sucesso", diz ela. "Trocaria tudo pelo perdão da sua mãe. Não estou apenas falando, estou fazendo uma confissão. E isso nunca é fácil", afirma o músico.
A estudante sente o baque, mas continua marrenta. "Quer saber? Não gosto de você. Quer dizer: não encontro razão para gostar de você". "E nem faz questão de encontrar. Tudo bem, não quero estragar seu dia inteiro. Te deixo na faculdade", constata o flautista, que liga o carro e arranca lentamente.
Um climão se estabelece. Luiza, então, toca a mão de Laerte de leve. "Vou fazer uma tentativa. Não pra gostar de você, mas pra não te odiar pelo menos. Me convida pra tomar um café, que conversa no carro parece sempre encontro escondido de namorados."
No café, Laerte diz que ela não pode acusá-lo de tudo de ruim que aconteceu. "Posso ser o principal culpado, não nego isso, mas não o único. Ninguém nessa história foi apenas vítima. Uma parcela de culpa todos têm. Por menor que seja", diz, enfático.
Luiza se irrita: "Até agora há pouco você se confessava um monstro que pedia perdão pelos pecados e erros cometidos. Agora, só porque eu estou aqui diante de você, tomando um café, como se fôssemos amigos, pronto: já está espalhando a culpa entre todos". E já vai pedindo a conta para ir embora dali.
Já dentro do carro, Laerte diz que ela não tem o direito de culpar a mãe dele por tudo que aconteceu e que está acontecendo. "Ah, tenho sim. Foi ela que fez o pior dos papéis. Nunca mais falou com a minha avó, nem com a minha mãe", conta Luiza. "Acho que todos agiram mal nessa história da família. Sua mãe me provocava. Fazia ciúme, abraçava e beijava o Virgílio na minha frente. Uma vez disse que se ele pedisse, ela posava nua pra ele desenhar. Tá sabendo disso, por acaso", rebate o flautista.
Exaltata, a estudante grita que sua mãe era uma criança. "Não era não. Era adolescente, sabia muito bem o que estava falando e fazendo. Beijava o Virgilio pra me fazer ciúmes, me provocando", rebate Laerte. Nervosa, Luiza brada: "Não vou ficar aqui ouvindo essa conversa idiota. Não precisa me levar, que eu prefiro ir a pé ou pedir uma carona", diz a menina, já descendo de novo do carro em movimento.
Só que dessa vez, ao atravessar a rua sem olhar, ela é atropelada por outro carro. Laerte freia e um terceiro carro bate na traseira do carro dele, formando aquele caos.
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