O juiz do século XXI deve ter um conhecimento interdisciplinar. Ou seja: não se preocupar apenas com leis, jurisprudência e doutrina, mas também com outras disciplinas, como Filosofia, Sociologia e Antropologia. Além disso, o magistrado deve buscar conhecer a realidade, tanto de seu país quanto de outros. E entender de arte e tecnologia.
Essa é a opinião do desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, diretor-geral da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj). Em entrevista à ConJur, ele afirma que buscará incentivar juízes a fazer cursos de pós-graduação e sobre temas não estritamente jurídicos. Outro plano é estimular intercâmbios para outros países.
Para Andrade, o ensino jurídico nas faculdades está excessivamente pragmático. Os alunos já entram no curso com objetivos determinados, como prestar um concurso ou advogar em uma determinada área. Essa formação combinada com o excesso de processos fez com que os juízes passassem a adotar soluções padronizadas para os casos.
Embora reconheça as dificuldades do trabalho dos magistrados, o diretor da Emerj quer encorajar a categoria a pensar de forma crítica. E isso inclui ouvir mais a academia, os grandes pensadores do Direito.
Leia a entrevista:
ConJur — Por que o senhor quis assumir a Emerj?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Eu vejo a Emerj como uma ponte entre o Poder Judiciário, o Tribunal de Justiça e a academia. E eu sempre fui ligado de alguma forma à academia. Dou aula praticamente desde que entrei para a magistratura. Então esse lado professor para mim sempre foi muito importante. E também pela parte de pesquisa: no ano passado, concluí meu doutorado.
ConJur — Quais são os objetivos para a sua gestão na Emerj?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Na minha campanha para a Emerj, tive algumas bandeiras. Uma delas era aproximar a magistratura da academia. Isso é essencial. Tem algumas decisões que, infelizmente, ficaram famosas em que alguns magistrados de corte superior falaram que quem faz o Direito são eles. Falaram que não deviam nada à doutrina porque a doutrina tem que ser feita a partir das decisões deles. Eu não vejo dessa maneira. A doutrina e jurisprudência se interpenetram. Os operadores do Direito vão beber na doutrina, assim como a doutrina tem que estudar as decisões dos tribunais. Os operadores do Direito não podem se fechar às lições doutrinárias achando que não têm lições a receber. Claro que nós temos lições a receber. Mais do que isso, nós temos que fazer parte da doutrina. Então, é importante fazer com que o magistrado se interesse pelo estudo teórico, pelo aperfeiçoamento intelectual, fazendo cursos de pós-graduação lato sensu, stricto sensu, mestrado e doutorado. Fazer parte da academia, em vez de ter essa rivalidade boba, totalmente sem sentido.
Um segundo ponto muito importante para mim é internacionalizar a Emerj. Isso significa fazer um intercâmbio permanente com instituições de fora do Brasil, escolas de magistratura, universidades de diversos países, trazer professores de fora, levar os magistrados para fazer cursos de pequena, média e longa duração em outros países. Ou seja, permitindo que eles tenham uma visão mais ampla do que é o mundo. Nós não podemos ficar confinados nos nossos problemas — que são muitos, que são sérios. Não porque nós tenhamos que buscar soluções importadas, mas porque nós temos que conhecer o mundo. Por exemplo, o combate à corrupção é um problema global. É um problema sério em vários países da Europa, nos Estados Unidos. Assim, esse intercâmbio de ideias é fundamental. Trazer pessoas lá de fora que venham passar a sua experiência é fundamental.
ConJur — Nos últimos anos, houve um crescimento da judicialização da política e de grandes operações, como a “lava jato”, e isso popularizou o Direito. Dessa forma, as discussões jurídicas se popularizaram na imprensa e nas redes sociais. Todo mundo passou a ter uma opinião sobre uma questão jurídica. Nesse cenário, houve uma diminuição da importância da academia e do papel dos juristas?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Eu tendo a concordar. A importância [da academia e do papel dos juristas] continua presente. Só que talvez tenha se reduzido o valor que se atribui à doutrina. Hoje nós estamos vivendo um mundo completamente diferente, um mundo polarizado, um mundo massificado. O volume exacerbado de processos que nós temos fez com que a magistratura se massificasse. Hoje nós produzimos contando em números, cumprindo metas de produtividade. E isso fez com que nós buscássemos soluções diferentes. Hoje a preocupação é muito mais com celeridade do que propriamente com a segurança e com a qualidade. A gente quer produzir. Isso levou, por exemplo, à ideia de que temos que seguir precedentes. Os precedentes nos ajudam a encontrar uma solução padronizada para um problema, mas não a ter mais tempo de pegar um processo e tratar dele de forma artesanal. É linha de produção. Isso é bom? Não é o ideal. No melhor dos mundos, o magistrado teria tempo para cuidar do processo individualmente, com muito cuidado. Mas vivemos em uma sociedade de massa. O Judiciário virou uma fábrica de decisões. E isso, claro, com prejuízo da qualidade da prestação jurisdicional.
Daí a importância de uma escola da magistratura. A escola da magistratura é exatamente para segurar um pouco essa tendência de o magistrado trabalhar com números e com repetição, trabalhar com jurisprudência e precedente. Claro que temos que seguir os precedentes, temos que seguir as normas, mas pensando também. O magistrado não pode abdicar de pensar, de refletir na hora que for julgar, se limitando apenas a julgar com base na jurisprudência, súmula ou recurso repetitivo. Existe uma tendência de padronizar soluções. Isso preocupa muita gente. Pessoas como Lenio Streck ficam arrepiadas com esse tipo de situação. O professor Streck é um combatente do que ele chama de um ensino prêt-à-porter. Ele usa essa expressão para se referir a um ensino à base de manuais, em que você não aprofunda, não questiona, não reflete sobre os institutos, não problematiza, busca soluções padronizadas, prontas, acabadas. É isso que a gente percebe hoje nas faculdades, nos cursinhos. Acaba de certa forma se repetindo também no Judiciário. Pela falta de tempo, pela necessidade de julgar rapidamente, o Judiciário acaba utilizando esse tipo de metodologia.
ConJur — Qual é o impacto dessa formação 'manualesca' para as decisões judiciais e para a sociedade?
André Gustavo Corrêa de Andrade — É um empobrecimento do profissional do Direito. O profissional do Direito deixa de ser um pensador e passa a ser um reprodutor de soluções prontas. Ele não pensa mais o Direito. Daí a importância da academia, das instituições de ensino superior, principalmente dos cursos de extensão e de pós-graduação latu e strictu senso. Por isso o meu empenho em levar os magistrados para fazer um mestrado, um doutorado. Eu estou tentando fazer parcerias com instituições de ensino superior públicas e privadas para criar condições para que os magistrados se sintam atraídos para fazer mestrado e doutorado.
ConJur — Que tipo de condições?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Eu estou tentando fazer convênios com instituições de ensino. Nós tínhamos uma parceria com a Fiocruz para um mestrado profissionalizante, a qual estou querendo retomar. E quero fazer o mesmo com outras instituições de ensino superior. E a Emerj vai criar as condições, vai facilitar para que o magistrado faça os cursos. O magistrado é um profissional de certa forma acomodado. Acomodado por que ele é um ser humano diferente? Não, ele é um ser humano comum, mas que é abarrotado de trabalho, com uma enorme responsabilidade e que, muitas vezes, pensa que não vai ter tempo para fazer um mestrado ou doutorado na Uerj. Então eu estou pensando aqui em fazer parcerias que, por exemplo, tragam os professores para a nossa casa através de um convênio. Nós temos espaço físico para isso, o tribunal é aqui do lado. E que os magistrados possam fazer um mestrado, um doutorado aqui com o corpo docente de uma instituição de ensino superior.
ConJur — Como avalia o curso de formação de juízes?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Com toda a sinceridade, não é o ideal. Especialmente se a gente comparar com o curso que é ministrado em outros países. Por exemplo, a escola de magistratura da França. Lá, eles fazem um curso de dois anos. Durante esse período, eles se submetem a aulas teóricas, aulas práticas, fazem intercâmbio. Têm um curso completo. E depois eles fazem uma prova para sair. Eles só viram magistrados — o que lá quer dizer ser juiz ou integrante do Ministério Público — após serem aprovados nessa prova final. Então, há uma preparação muito mais aprofundada. Esse seria um formato que eu consideraria mais próximo do ideal. Mas talvez seja algo fora da nossa realidade, porque nós fazemos concursos sempre com um déficit muito grande de juízes. Então nós estamos sempre com pressa para suprir esse déficit. Não dá para esperar dois anos para que eles virem juízes.
Dentro da nossa realidade, a gente procura fazer o melhor curso possível. Nos quatro meses de duração do curso, a ideia é trazer para eles um conteúdo prático. Não tem sentido eles passarem num concurso rigorosíssimo, no qual são cobradas teorias, jurisprudência etc., e a gente chegar e dar mais palestras teóricas. Então a gente leva os futuros juízes para exposições práticas de problemas do cotidiano, e eles começam desde logo a participar de audiências. A escola da magistratura procura trazer o conteúdo mais prático possível para os problemas que eles vão enfrentar no dia a dia de um juiz. É algo razoável. Especialmente se a gente pensar que, há alguns anos, não havia nem isso — quem passava em um concurso era logo jogado às feras.
ConJur — Mas dentro dessas limitações, há algum ponto que poderia ser melhorado nesse curso?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Sempre há. Eu quis trazer para a Emerj a ideia de que o bom magistrado, o bom jurista não é apenas aquele que estuda o Direito, que tem contato com as novas leis, as novas decisões. O bom magistrado, o bom jurista tem que ter contato com outras disciplinas. Daí eu ter trazido de volta, por exemplo, um fórum permanente de Filosofia, ter restabelecido o fórum permanente de História do Direito, ter criado um fórum permanente de Direito, arte e cultura e um de liberdade de expressão (presidido por mim), ter criado um fórum de hermenêutica jurídica e decisão, presidido por meu amigo Lenio Streck.
ConJur — Há alguns cursos obrigatórios para os juízes progredirem na carreira. O senhor pretende mudar algo nesses cursos?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Os cursos que são ministrados para os juízes seguem um formato estabelecido pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). A escola tem diretrizes das quais a gente não pode fugir. O que a gente pode eventualmente fazer é sugestões à Enfam, conversar com ela sobre alguma proposta para aperfeiçoamento desses cursos. O que a gente procura é trazer sempre temas relevantes. Procuramos temas além daqueles cursos que são mais óbvios, sobre processo civil, Direito Penal etc. Isso é um grande desafio. É muito fácil lotar um curso que tenha um apelo mais amplo, sobre Direito Penal, processo civil. Mas se é um tema mais específico, como gênero e Direito, por exemplo, a procura não é tão grande. Isso porque o magistrado tem essa visão de que não tem tempo para isso, de questionar para que ele vai usar isso no cotidiano. Isso é um ledo engano. Tudo isso faz parte da formação global do magistrado. Mas é difícil atrair o magistrado, a frequência não é obrigatória.
Os magistrados precisam frequentar determinados cursos se eles quiserem progredir na carreira. Eles têm que ter um determinado número de horas. Mas a Emerj tem um número muito grande de cursos, então eles podem escolher nesse cardápio. Muitas vezes, aqueles cursos mais específicos, ou que parecem que envolvem uma matéria específica, têm um número de inscritos muito pequeno. Mas nós temos que desenvolver maneiras de atrair os magistrados para esses cursos.
ConJur — Como a polarização da sociedade afeta o debate de ideias?
André Gustavo Corrêa de Andrade — A Emerj, assim como as instituições de ensino superior, é um espaço de pluralidade. É genial um debate entre pessoas com pontos de vista antagônicos e que sabiam dialogar. Até o fim da minha gestão, eu gostaria de fazer um evento da área penal com participantes dos dois lados. A área penal talvez seja hoje o ramo do Direito mais polarizado. De um lado, há as pessoas mais de esquerda, que se identificam com os garantistas; do outro, o pessoal mais à direita, que seria o pessoal mais law and order, digamos assim. Eu gostaria muito de chamar os luminares dos dois lados e promover um debate sério, racional, com honestidade intelectual. Esse é o lugar para isso. Eu acredito plenamente que nós podemos trazer pessoas que tem vieses ideológicos diferentes, e eles podem conversar racionalmente. Quando há palestrantes de apenas um lado, o debate fica empobrecido, e se acaba pregando para o convertido. Não se está buscando chegar a consensos. Você pode até dizer que o consenso é impossível, mas isso não nos impede de tentar. Eu quero abrir o canal da Emerj para todas as matizes, todas as ideias e ideologias.
ConJur — O novo presidente do TJ-RJ, desembargador Claudio de Mello Tavares, prometeu aumentar os investimentos em tecnologia em sua gestão. Há disciplinas e cursos de tecnologia/inteligência artificial para magistrados na Emerj?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Sim, tem até um fórum. Dentro desses novos fóruns, há o fórum permanente da Justiça na era digital, presidido pelo desembargador Nagib Slaibi Filho. Não tem como não falar em tecnologia e Direito. Vamos abordar também a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018). Não podemos ter uma escola da magistratura alienada das novas tecnologias.
ConJur — Como avalia a grade curricular dos cursos de graduação em Direito? O que poderia ser feito para melhorá-la?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Há muitas críticas sobre a padronização dos cursos. Também me alarma o pragmatismo dos alunos e cursos. Hoje há muitos alunos que fazem o curso de Direito para prestar concurso público. Ou já se entra no curso pensando em ir para a iniciativa privada — algumas instituições de ensino superior são mais voltadas para essa área, como a Fundação Getulio Vargas e o Ibmec. O Direito deixou de ser uma ciência que deve ser aprendida, uma arte que deve ser domada, para se tornar uma ferramenta voltada para um fim específico. E esse fim específico é um fim pragmático. É arranjar uma ocupação — o que é natural, todo mundo faz uma faculdade pensando em ter um diploma e exercer uma determinada profissão. Mas a coisa está muito pragmática. Estuda-se porque se quer fazer concurso para promotor, juiz, passar na prova da OAB etc. Isso faz com que os cursos sejam necessariamente direcionados para esse fim.
A ideia de se fazer um curso de Direito pensando em passar em uma prova é algo muito complicado. Quando você estuda para passar num teste, você não está estudando para aprender, você está estudando para superar um obstáculo pragmático. Tenho muita preocupação em relação a isso. Até que ponto se está fazendo com que o aluno tenha um pensamento crítico, reflexivo? Não é suficiente que seja dada a informação necessária para que ele supere aquele obstáculo, passe no concurso. Isso empobrece muito o curso de Direito ou de qualquer outra natureza. Quando você é engenheiro, você estuda para aprender a construir uma ponte, um prédio, para dominar aquela arte. O Direito deveria ser isso também. Deveria se estudar para dominar a interpretação das leis, do conhecimento técnico necessário para que se seja alguém versado na ciência do Direito. Mas não é isso que vem ocorrendo. As pessoas fazem um curso de Direito primeiro para passar na prova da OAB, depois para passar num concurso público.
ConJur — Há quem afirme que, antigamente, quem se formava em Direito era tido como uma pessoa culta pela sociedade. Era considerada uma pessoa que não tinha apenas conhecimentos jurídicos, mas costumava entender de Literatura, Filosofia, História. Isso mudou? As novas gerações são realmente menos intelectualizadas e mais focadas nesse conhecimento prático-pragmático que o senhor mencionou?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Penso que sim. É difícil dizer a que isso se deve. Talvez essa massificação do ensino — o Brasil tem um número enorme de faculdades de Direito. E é muito difícil que esses tantos cursos de Direito possam dar um ensino verdadeiramente de qualidade para todos os alunos. Acaba sendo um ensino padronizado, voltado para um fim muito pragmático. Essa ideia de que o aluno do curso de Direito tem uma cultura geral mais ampla que a de alunos de outros cursos superiores talvez tenha ficado no passado. É uma pena. Se o Direito for levado a sério, ele propicia ao estudante uma visão de mundo muito ampla. Além do mais, só se leva o Direito a sério quando se tem uma formação humanística ampla. Filosofia, Sociologia, Antropologia, Psicologia, todos esses saberes são muito importantes para que se possa realmente compreender o Direito em profundidade. Mas, infelizmente, não consigo ver isso hoje em dia nas faculdades. Elas têm que se reinventar. Usar mais tecnologia.
ConJur — Lenio Streck também critica com frequência decisões claramente contrárias ao texto da lei. Como ele disse em evento na Emerj em fevereiro, cabe ao Direito, e não à moral, chegar às soluções para os problemas sociais. Por que tantos magistrados têm ignorado a lei em suas decisões? Isso tem a ver com a formação deles? Com a pressão midiática?
André Gustavo Corrêa de Andrade — Há várias razões para isso. O Brasil é uma democracia nova, tem 30 anos. O estudo de Direito Constitucional só começou a ser levado a sério a partir da Constituição de 1988. Nós ainda estamos aprendendo, tateando em muitos aspectos. Lenio usa uma boa expressão: o Brasil é um país de modernidade tardia. É verdade, nós estamos atrás de muitos países em relação a diversos pontos, como a liberdade de expressão. O tema da liberdade de expressão nunca foi tratado a sério aqui.
Quanto ao ativismo, penso que ele decorre de uma embriaguez com direitos após a ditadura. Ainda há muito a se conquistar, mas a Constituição reconheceu diversos direitos. E nós nos vimos embriagados com essa multiplicidade de direitos encartados na Constituição Federal e com a descoberta de que o que consta na Constituição não são normas meramente programáticas, não são meras intenções de um país melhor, não são apenas indicações daquilo que um dia o governo pode implementar para nós. O que está na Constituição é direito. Os princípios constitucionais são princípios jurídicos, não são princípios morais. E isso deu ao jurista a ideia de que o Direito pode tudo. Quando a Constituição fala em uma sociedade justa, livre, solidária, a gente pensa que pode resolver problemas sociais seríssimos por via judicial. A ideia de que o Direito pode tudo é um engano. O Direito não pode tudo. O magistrado que acha que pode tudo está enganado.
Em um dilema entre a justiça e o Direito, o juiz deve aplicar o Direito. É claro que isso é uma via de mão dupla, mas quem cria o Direito, primeiramente, é o Poder Legislativo. O magistrado aplica a norma abstrata a casos concretos. Ele faz o Direito para o caso concreto. Mas ele faz isso a partir da norma abstrata, que ele não pode ignorar, que é a fonte primária do Direito. Se essa norma foi colocada de acordo com a Constituição, com os princípios constitucionais, ele não pode afastá-la. O ativismo é um problema sério. A ideia de que o magistrado tem discricionariedade na hora de decidir buscando a solução mais justa é uma ideia perigosa. A pergunta que se tem que fazer é: 'justa para quem?'. A moral é relativa. Nós podemos ter divergências sobre vários temas, como aborto, pena de morte, direito a ter armas ou não. Mas não cabe ao juiz ser um solucionador de problemas morais. O juiz deve solucionar conflitos jurídicos, não conflitos morais.
ConJur — Como deve ser a formação de um juiz no século XXI?
André Gustavo Corrêa de Andrade — O juiz do século XXI é, fundamentalmente, um juiz preocupado com o conhecimento interdisciplinar. O juiz que fica preocupado apenas com a jurisprudência, com a doutrina jurídica, com a interpretação das leis, sem se preocupar com outras disciplinas como Filosofia, Sociologia e Antropologia, não é um juiz que tem uma formação completa. O juiz tem que ter uma formação humanística. Tem que conhecer música, teatro, literatura. O Direito nada mais é do que esse conjunto de normas e princípios que tem por objetivo solucionar conflitos sociais, conflitos intersubjetivos de pessoas. Então o juiz tem que conhecer o mundo, tem que conhecer os problemas sociais, tem que conhecer tecnologia. Além dessa noção interdisciplinar, o juiz tem que ser conectado com a tecnologia, com a informação, com as redes sociais. Eu vejo com bons olhos o juiz que tem uma rede social, embora pense que ele deva saber qual é o seu papel de magistrado e não ficar entrando em discussões sobre qualquer tema.