Com 98 pessoas matriculadas, de bebês de colo a idosos em idade avançada, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Poconé, município a 104 km de Cuiabá e porta de entrada do Pantanal mato-grossense, vive hoje uma situação financeira complicada. Muitos dos 12 funcionários encontram-se com o salário atrasado desde o começo do ano, e os responsáveis pela instituição precisam sair ‘com o pires nas mãos’ para pleitear ajuda da comunidade para bancar despesas básicas, como a alimentação das pessoas que recebem atendimento no local de segunda a sexta-feira.
São crianças e adultos com síndrome de Down, microcefalia, deficiências físicas e mentais diversas, como doenças degenerativas, que dependem da instituição para atividades terapêuticas e recreativas. Felizmente, graças a uma ação do Poder Judiciário Estadual, a Apae foi uma das entidades escolhidas para receber uma cota de aproximadamente R$ 182 mil, valor apreendido em inquérito policial relacionado aos crimes de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro que tramitou na Comarca de Poconé. Esse processo foi solucionado este mês de maio durante a primeira fase do trabalho das equipes de ação rápida da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso na unidade judiciária, e beneficiará, ao todo, quatro entidades. Além do recurso financeira, o carro onde foi apreendido o dinheiro também será doado à Apae.
Segundo o presidente da Apae de Poconé, Allan Silva Campos Raffa, esse dinheiro veio em boa hora e ‘vai cair do céu’. “Nós todos da Apae somos gratos, como somos à população de Poconé, que sempre nos ajudou”, observou. Conforme explicou, as principais despesas da unidade são relacionadas ao pagamento de salário dos professores e profissionais da saúde, assim como a alimentação e encargos.
Já a coordenadora da Apae de Poconé, Almelina Carvalho, ressalta que a instituição sobrevive do amor. “Ficar cinco meses sem receber é doído, é humilhante. Mas não vamos fechar, vamos lutar pelas crianças. Temos pessoas com 70 anos, desde a fundação da Apae, assim como temos bebês de meses que foram diagnosticados com microcefalia. Vivemos de pires na mão e vaselina no rosto para ter que sobreviver. Aqui somos ricos porque a sociedade, todos os munícipes, nos ajudam. É com uma carne, bananas, leite, tudo isso vem nos ajudar, do pequeno ao grande”, salientou a coordenadora, que estima gasto mensal para manutenção da Apae na ordem de R$ 15 mil.
Ronaldo da Silva Campos, portador de paralisia cerebral e que frequenta diariamente a instituição, diz ser feliz no local. “A Apae mudou a minha vida. É muito bom, agradeço muito, aqui tenho muitos amigos, é muito bom o trabalho. Eu fui andar de 12 para 13 anos, e eu não ando perfeitamente não, mas eu consigo andar. Não importo que os outros caçoam ‘ah, aquele lá tá bêbado’, eu não sou esse tipo de pessoa. Sem esse [aparelho] daqui não consigo mais andar de pé”, destacou, ao fazer fisioterapia do aparelho Pedia Suit com o uso do macacão terapêutico ortopédico.
PM Mirim – Há três anos, um projeto social implantado em parceria entre a Polícia Militar e a Sociedade Organizada Amigos de Poconé (SOAP) tem proporcionado a crianças e adolescentes oportunidade de convívio social, com melhorias no ambiente escolar e familiar. Trata-se do projeto PM Mirim, que começou com 65 crianças e hoje atende 86 menores de oito a 13 anos, em sua maioria absoluta alunos de baixa renda e que estudam em escolas públicas.
“Poconé vinha passando no início do nosso projeto por uma série de problemas no tocante à criminalidade. Houve uma parceria entre a Polícia Militar e a SOAP, na busca justamente de tentar fazer alguma coisa pela população e um viés encontrado foi esse. Começar a plantar essa semente da busca do bem social através das crianças. Foi uma semente plantada há três anos e hoje estamos colhendo alguns frutos, e esses frutos são só positivos. Há um desenvolvimento muito grande das crianças dentro da sociedade propriamente dita, dentro do ambiente escolar e até mesmo na relação dentro das famílias. A gente tenta trazer um pouco de cidadania, alavancar a questão da humanidade no tocante a essas crianças”, afirma o tenente-coronel PM Hender Ulisses da Silva, responsável pela Companhia Independente de Polícia Militar de Poconé.
Ele explica que o projeto é 100% auxiliado por populares através de doações e também do voluntariado. O projeto da PM Mirim também foi selecionado para receber uma cota de aproximadamente R$ 182 mil destinados pelo Judiciário. “Essa verba vai ter uma destinação em sua totalidade em prol dessas crianças, seja na aquisição de fardamento, que hoje elas estão com fardamento com três anos de uso e tem crianças que nem farda possuem, e também para iniciar a construção da nossa sede. Não temos sede. Iniciamos na AABB, hoje estamos no salão paroquial e a gente tem espaço para fazer isso, ao lado do quartel, havendo ainda maior interação entre a PM e essas crianças”, enfatizou o tenente-coronel.
Aos 11 anos, Wanderson Lucas de Moraes Nascimento, cujo ‘nome de guerra’ é W. Lucas, revela já ter aprendido muito durante os anos que participa da iniciativa. “Aprendi muito aqui, como disciplina e confiança. Aprendi a ter respeito com a mãe, com o pai, com quem a gente convive. Obedeço minha mãe, meu pai, minha vó, meu vô, minha tia, meu tio, e todos que vivem comigo. Na escola eu respeito a professora, a diretora, o professor, tudo. E minhas notas estão boas”, garante o menino, com o típico sotaque poconeano.
Giovana Regina da Silva, também de 11 anos, também tem colhido bons frutos por participar da PM Mirim. “Eu era meio teimosa, rebelde e agora eu aprendi a respeitar toda a minha família. Agora eu sou obediente! Aqui ensina a nunca desrespeitar, só fazer o bem. Na escola eu só ficava de bagunça, agora eu respeito os professores e paro sentada na cadeira. E estudo! Minhas notas agora são só 8, 9 e 10”, revela a menina, com sorriso no rosto.
O projeto oferece atividades todas as terça, quartas e quintas-feiras, no contraturno da escola (das 8h às 11h ou das 14h às 17h). Ali, nos primeiros cinco meses, as atividades são realizadas pela PM e as crianças aprendem a importância da disciplina. “Aqui elas hasteiam a bandeira, aprendem a cantar o Hino Nacional e o Hino da Polícia Militar. Depois, tem aulas de música, teatro, esforço escolar e ensino religioso, tudo feito por meio de trabalho voluntário. Aqui tudo é mantido por doações e eventos em prol do projeto”, acrescenta o tenente-coronel Hender, que ressalta a existência de uma grande fila de espera para participar da iniciativa.
De acordo com o juiz Gerardo Humberto Alves Silva Júnior, convocado pela Corregedoria para atuar na primeira etapa dos trabalhos em Poconé, a quantia apreendida, em valor atualizado, corresponde a cerca de R$ 730 mil. As outras duas cotas serão destinadas ao Conselho da Comunidade do municípios, para fins de reforma da cadeia pública local e utilização em projetos de ressocialização dos recuperandos, e à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso.
“Escolhemos uma repartição desse dinheiro em quatro cotas iguais, para beneficiar com a maior cota a sociedade de Poconé, que foi a vítima do crime. Para cá destinamos três cotas, cada uma nova valor aproximado de R$ 182 mil: para a Apae, o Conselho da Comunidade e também para o projeto Guarda Mirim, que trata das crianças carentes. Uma outra cota será em benefício da sociedade mato-grossense, para a Faculdade de Direito da Universidade Federal, que passa por um momento de contingenciamento. Esse valor será destinado à reestruturação física da faculdade de Direito e também equipar o biblioteca e o centro acadêmico”, explica o magistrado.