Foto: Reprodução TV Rondon
“Recebi Jejé numa tarde de 2008 na redação do jornal, trazido pelo amigo jornalista Mauro Cid para uma conversa sobre sua vida… As horas voaram entre as reminiscências desta figura emblemática e cativante, cujos trechos transcrevo em sua homenagem, para vocês.”
O começo de tudo…
Nascido José Jacintho de Siqueira, em 03 de junho de 1934, filho do marinheiro Egídio Nunes de Arruda, que ao chegar à pequena Rosário Oeste apaixonou-se por Benedita de Siqueira. Conta que ao chegar ao Cartório de 1º ofício, ali na Cândido Mariano para ser registrado perto de dez anos de idade, o que era normal para a época, dispensou o nome do pai em sua certidão de nascimento por julgar desnecessário constar em seu registro a paternidade daquele que muito cedo abandonou a mãe. Dona Benedita sofria dos “nervos” e não pôde acompanhar a criação do filho, que aos quatro anos de idade foi confiado a uma tradicional família cuiabana. No casarão cuiabano de Catarina Monteiro da Silva Cuiabano, Jejé, como bem cedo foi apelidado, escolheu como sua mãe adotiva a matriarca do belo casarão, Luiza Monteiro da Silva. Dividiam o mesmo quarto e foi ela quem patrocinou seus estudos primários na melhor escola da época, o Colégio Salesiano São Gonçalo, onde ficava interno entre os meses de novembro e fevereiro.
Vida escolar…
No Salesiano o sistema era rígido e Jejé perdeu as contas de quantas vezes cumpriu o castigo de escrever três vezes seguidas o Hino Nacional com todas as vírgulas e acentos. Na escola aprendeu ainda o latim, já que auxiliava os padres a rezarem as missas. Na época, a vigilância sobre os meninos internos era intensa e havia um rodízio entre os “vizinhos de cama”. ”Para não ficarem mais íntimos que o necessário”, relembra.
Entre os padres da época, Jejé destaca um italiano loiro e de olhos azuis, a quem ele acompanhava na garupa da motocicleta até a Santa Casa de Misericórdia em visita às freiras. Durante horas a fio, Jejé ficava aguardando a palestra entre os religiosos, sentado numa cadeira, que ficava em frente a uma Nossa Senhora. “Eu olhava para ela e ficava conversando com a santa”. Naquelas visitas Jejé recebia como agrado um pão com manteiga acompanhado de uma xícara de chá mate. Compadecido dos doentes, que muitas vezes não recebiam a devida atenção, ele repartia seu lanche e proseava com aqueles que estavam presos à cama do hospital.
Ainda no colégio resolveu que dormiria num pequeno cômodo localizado no alto da torre dos sinos, ao qual denominou de quartinho. Dividia este ambiente com dezenas de morcegos, com quem garante que conversava e alimentava com hóstia, água e vinho. Às quatro da manhã despertava para dar as primeiras badaladas dos sinos, o ritual se repetia às cinco para sinalizar que se aproximava o horário da primeira missa que acontecia às cinco e meia da manhã. Essas missas eram celebradas pelo Padre Agostinho, que bem idoso adormecia no meio dos sermões entoados em latim, fato que divertia Jejé que cutucava o pároco para que a missa prosseguisse.
Toda a vida escolar do nosso personagem foi acompanhada de perto por sua mãe adotiva, que cobrava um bom desempenho do seu filho “torto”, vigiando seus deveres e horários.
Mais crescido, Jejé aprendeu o oficio da alfaiataria. Confeccionava mitras, casquetes e batinas para os padres da época, entre os quais o ilustre Dom Aquino Corrêa, que foi quem deu o veredicto final sobre o sonho do menino Jacinto em tornar-se padre: um negro somente seria aceito na Congregação dos Padres Beneditinos de Belo Horizonte, para onde ele não estava disposto a ir. Desse episódio surgem as vestes impecavelmente extravagantes de Jejé, que pegou uma batina costurada por ele e pediu que uma amiga rebordasse ricas pedrarias. Assim conseguiu escandalizar e ao mesmo tempo satirizar aqueles que jamais seriam seus colegas de vida religiosa, já que não a teve.
Além dos clientes religiosos, Jejé atendia aos jovens cuiabanos que moravam no Rio de Janeiro e passavam férias em Cuiabá. Num espaço pequeno, atrás da Igreja Boa Morte, funcionava seu ateliê de costura, de onde saiam calças, camisas e casacos sob medida.
Reminiscências…
Nos tempos áureos em que o clube feminino de Cuiabá sediava os concursos de miss e os mais memoráveis bailes de carnaval da capital- onde os negros não podiam entrar como convidados- Jejé figurava como exceção à regra por ser protegido da família Cuiabano, ainda que sua presença desagradasse algumas damas da sociedade, como era o caso de Glorinha Freire, então presidente do Clube.
Jejé conta que aos sete anos foi a um baile de carnaval vestido de Arlequim, uma espécie de pierrô com a roupa de cetim cortada em losangos, muito bonita. Ao pular com a garotada recebia beliscões de dona Glorinha, que o obrigava e sentar à mesa de castigo.
Não adiantava. Meia hora depois, hipnotizado pela alegria frenética dos pequenos foliões, lá ia ele pular e brincar as marchinhas de carnaval e novamente outros beliscões, que ficaram na memória, ainda que sem rancor algum. A doce vingança de Jejé era ter a proteção de Catarina Cuiabano, a quem considerava como verdadeira avó, que além de protetora era a financeira do Clube Feminino.
Colunismo
O cenário político não sofria grandes mudanças, já que o poder estava hora com a UDN- União Democrática Nacional, hora com o PSD- Partido Social Democrata… Eis que encorajado por João Pedro de Arruda e sua irmã Martha Arruda, Jejé debuta no colunismo social. Primeiro, sobre o cognome “Dino Danuza”, em homenagem a Danuza Leão. Depois, quando enjoou desse pseudônimo, adotou assinar J. Jacintho. Nos últimos trinta e seis anos, passou por diversos jornais, como o Estado de Mato Grosso, Social Democrata, A Cruz , Diário da Serra e, por último o Correio Várzea-Grandense, registrando a história da sociedade cuiabana.Ser um colunável de Jejé era objeto de desejo entre as damas da capital, principalmente quando ele divulgava anualmente a lista das mais elegantes da cidade, além dos mais elegantes também.
Os Governadores de Jejé
As trajetórias de vida e de colunista renderam a Jejé muito prestígio no poder. As portas da Residência Oficial do Governador estavam sempre abertas para esta simpática e exótica figura, que entrava e saía para visitas e, claro, para coleta de informações que se tornariam notícias, no jeito Jejé de escrever, cheio de prosa, poesia e algum latim. Por ali passavam Filinto Müller, Pedro Pedrossian João Ponce, Cássio Leite, José Fratelli e mais tarde Frederico Campos e Júlio Campos. Entre os Governadores do Estado, o mais acessível ao colunista foi o Sr. Pedro Pedrossian e toda sua família. Jejé buscava os filhos do governador nos fins de semana e os levava para brincar na casa de dona Bembém. Diverte-se ao lembrar que quando as crianças não queriam comer, a babá “ameaçava”: “Comam tudo, senão Jejé não vai pegar vocês”.
Tempos áureos
No mandato de senador de Júlio Campos, Jejé ia sempre a Brasília com dona Isabel e conta garboso ter conhecido a Granja do Torto, o Senado Federal e frequentado festas memoráveis na capital federal. Na cerimônia de posse do presidente José Sarney, um acontecimento marcou o colunista. Com sua veste ricamente elaborada toda em branco e um lenço com apliques em cristal armado na cabeça, Jejé foi confundido na solenidade com o Embaixador de Uganda. Ao ser conduzido para a ala das mais alta autoridades, como se realmente o fosse, e sentado em um dos “tronco” foi abordado pelo verdadeiro embaixador que ficou encantado com aquela figura carismática e não só pediu que ficasse ao seu lado, como o convidou para um jantar na noite. Coisas de Jejé…
“Painho”
Em outra ocasião estava com Martha Arruda em Brasília em uma festa política , quando a amiga dela que morava na capital federal perguntou se Jejé era “painho”, um benzedeiro, pai – de – santo ou algo do gênero, também hipnotizada pelos seus trajes e por que não dizer, pelo seu semblante marcante. A tal senhora estava desesperada por ter sido abandonada pelo marido e pediu que o “Painho Jejé” fizesse alguma coisa. Ele não desiludiu a pobre diaba, e proferiu sentida prece a São Benedito, o santo negro do qual é devoto fervoroso. Para surpresa da esposa abandonada e até para o próprio Jejé, o marido fujão voltou ao lar e lá permanece até hoje. Ela nunca deixou de lhe mandar notícias. Místico? Sim, mas católico acima de tudo. O nome de guerra pelo qual ficou tão conhecido “jejé” já foi prontamente “traduzido” para o catolicismo, sendo “oxum” a figura de “Nossa Senhora Aparecida” e “Oiá” – Iansã sem traduções católicas.
Funcionário Público
Uma figura que vive da aposentadoria do Ministério da Fazenda, já que trabalhou muitos anos na Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia. Neste tempo, seu superior imediato se sentia afrontado com o jeito “Jejé” de ser. Sempre vestindo calças com bocas gigantes e usando os perfumes mais marcantes do momento. Não havia como não saber que Jejé havia passado por um ambiente. O perfume era sua marca registrada, o que incomodava o chefe, que transferiu o moço de setor. Primeiro na portaria, depois recepção e por último no protocolo, onde Jejé atendia centenas de pessoas todos os dias e, para escandalizar geral, resolveu que todos os dias iria pintar os olhos para trabalhar. Tomado de fúria, seu superior pediu sua transferência para Porto Murtinho, o que se daria em cinco dias. Jejé não perdeu tempo e, usando do prestígio que conquistou em suas visitas a Brasília, ligou para ninguém menos que Delfim Neto. Um dia antes do prazo para sua transferência, Jejé foi chamado pelo chefe, que irado com a revogação de seu feito, perguntou para quem o subordinado tinha apelado. Ao saber o nome do padrinho de Jejé, deu um sorriso amarelo e teve que suportar sorrindo as calças bocas de sino, os perfumes fortes e ainda aquela maquiagem. Fazer o quê?
Seus Amores
Jejé é discreto quando o assunto é o coração. Resume-se em dizer que teve muitos amores e pronto. Deixa escapar também a sua preferência pelos loiros de olhos azuis. Seu relacionamento mais longo durou cinco anos e não tem vergonha de dizer que sempre amou homens mais humildes, mas quando precisavam circular por eventos da sociedade, cuidava para que estivessem impecavelmente vestidos e alinhados. Nosso personagem gosta de beber Campari e anda sempre com um binóculo, “ Para não perder nenhum lance”e diz ainda fingir que está dormindo para observar melhor o que está acontecendo em sua volta. “Debruçado na mesa do Choppão fico ali, fingindo que estou dormindo e espiando todo mundo, enquanto ninguém presta atenção em mim”. Outra confissão de Jejé é o uso do vicky vaporubi, o medicamento mesmo, embaixo dos olhos para ir aos velórios. “Desta forma eles ardem e as lágrimas escorrem e eu fico todo chique enxugando os olhos com o lencinho e sendo consolado pelas pessoas”. Uma frase memorável de Jejé aos que fazem gracinhas com sua orientação sexual é a seguinte “Dou, dei e darei”. Não precisa dizer mais nada!
Confira detalhes da reportagem na edição 568 do jornal Circuito Mato Grosso