RIO- “Amor não tem endereço”. A frase foi usada pela atriz Giovanna Ewbank para responder aos questionamentos feitos em relação à adoção de Chissomo, sua filha de 2 anos com o ator Bruno Gagliasso, nascida no Malauí, na África. A discussão começou anteontem nas redes sociais, quando a adoção veio a público. Enquanto alguns argumentam que o ato é nobre e não deve ser restrito a fronteiras, outros defendem que no Brasil há muitos órfãos que precisam de um lar. O assunto gerou debate sobre a procura de brasileiros por crianças de fora do país entre especialistas da área.
Organizações ligadas ao tema argumentam que muitas vezes a decisão é motivada pela demora do processo no Brasil. Por outro lado,autoridades dizem que a agilidade do sistema internacional pode ser uma ilusão. Ambos, no entanto, concordam em um ponto: é direito dos pais recorrerem a outros países, mas isso deve ser feito em casos excepcionais.
Giovanna e Bruno adotaram a pequena “Titi”, como a menina é carinhosamente chamada, após idas constantes ao Malauí. A atriz teria se encantado com o país durante uma visita em 2015, para uma reportagem do “Domingão do Faustão”. Depois disso, Giovanna retornou à África com o marido. O casal chegou a procurar informações na Justiça carioca, mas como o Malauí não é signatário da Convenção de Haia, que estabelece normas para adoção internacional, o processo teve de ser feito no país de origem da criança, e teria demorado pouco mais de um ano. Procurado pelo GLOBO, o casal não quis comentar o caso.
— O processo no Brasil é moroso demais. Acredito que essa seja uma das razões para a busca internacional. O que falta para agilizar esse procedimento? As varas têm que ser equipadas com assistência social e psicológica. Não temos técnicos em número suficiente. Os processos ficam represados — critica Silvana do Monte, presidente da comissão de adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). — A morosidade excessiva está tirando das nossas crianças o direito de se tornarem filhos. A demora pode ser um dos motivos que leva casais a buscarem crianças de fora com tantas crianças aqui.
PROCESSO CRITERIOSO
O prazo de conclusão da adoção no país, no entanto, não deve ser visto como um obstáculo, de acordo com a secretária-executiva da Comissão Estadual Judiciária de Adoção Internacional do Rio (Cejai), Ludmilla de Azevedo Carvalho. Segundo ela, adotar fora do país também pode ser trabalhoso e trazer altos custos. Para ela, os pais devem ter o direito de escolha assegurado, mas é recomendado que optem por uma adoção estrangeira apenas em casos excepcionais.
— O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê esse direito de adotar uma criança estrangeira. Mas isso não deve ser visto como uma opção à adoção nacional, são situações excepcionais. Temos muitas crianças aqui para adotar — afirma Ludmilla. — O que percebo quando me perguntam e mandam dúvidas é que as pessoas têm a fantasia de que é mais rápido e mais fácil. Mas pode ser muito mais demorado, caro e trabalhoso.
Além disso, a secretária-executiva da Cejai argumenta que, apesar de algumas dificuldades relacionadas à falta de pessoal, o processo de adoção precisa ter o tempo suficiente para garantir que seja feito de maneira criteriosa:
— Há críticas sobre a demora, mas tem que ser um processo criterioso. Às vezes esbarramos no problema da falta de profissionais, mas geralmente o tempo é aquele demandado pelo processo. É uma preparação, é necessário amadurecer esse desejo e estar habilitado — explica. — O tempo depende ainda do perfil que a pessoa pretende adotar. Um perfil mais amplo demora menos, mas caso optem por crianças menores, demora mais.
ADAPTAÇÃO À NOVA CULTURA
Uma pesquisa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgada no ano passado, a partir de dados de 2013, mostrou que os processos de adoção no país são mais céleres nas regiões Nordeste e Sudeste, mas podem chegar a mais de dois anos em outras regiões, como o Centro-Oeste e o Sul. Atualmente no Brasil existem ao menos 6.800 crianças disponíveis para adoção e cerca de 36.400 pretendentes estão cadastrados no sistema.
Os candidatos a uma adoção internacional devem levar em conta ainda a adaptação da criança ao novo país, considerando aspectos culturais e questões como o preconceito. A recomendação, feita pela juíza Mônica Arnoni, da Vara da Infância e Juventude da Capital, em São Paulo, é fundamental para garantir plenamente os direitos da criança.
— Para o desenvolvimento da criança é importante que ela tenha contato com a cultura na qual ela foi gerada. É necessário garantir que essa criança não se esqueça de sua origem, faz parte da história dela. Os pais não podem pensar que a vida da criança só começa com eles e têm que entender um pouco da questão do preconceito, lutar contra isso, e, de certa forma, se inserir na cultura africana, para que se possa preservar a história dela— analisa Mônica.
Fonte: G1