Circuito Pet

Festa quando tutor chega não é sinal de alegria; entenda

Durante alguns anos, ouvimos profissionais do comportamento dizerem que não deveríamos fazer festa ou mesmo dar oi aos cães quando chegássemos em casa. O certo seria ignorarmos aquela bolinha de pelos de rabinho abanando vindo em nossa direção. Tudo isso para que o cão não sofresse na nossa ausência. 

Uma tarefa árdua e pouco eficaz. Um artigo publicado recentemente mostrou que fazer festa ou mesmo cumprimentar o cão na chegada não aumenta a chance do cão ter qualquer sintoma de angústia por separação. Mas isso não quer dizer que a festa está liberada indiscriminadamente.

Na verdade, o problema não é a festa que fazemos, mas a euforia descontrolada do cão na nossa chegada. Por que a nossa chegada gera tamanha comoção no cachorro? Esse deve ser o questionamento.

Um cachorro saudável, emocionalmente equilibrado, não se importa tanto com a chegada do seu tutor. Isso porque o tutor não é o foco da sua vida. Ele não depende do tutor para ter alegrias, atividades ou se sentir seguro. A chegada do tutor é algo interessante na vida, mas nada que gere um descontrole a ponto de quase o rabo cair do corpo, de tanto abanar. Isso sem falar nos choros e xixis de descontrole.

Essa festa, para muitos, é uma demonstração de amor e de saudades. Nã na ni na não! É uma pura e intensa demonstração de descontrole e dependência emocional.

Vamos usar a Aurora, minha cachorrinha, como exemplo. Quando eu saio, ela aproveita para caçar umas rações dos gatos, fuçar o lixo, dar um rolê tranquilamente pela casa e dormir (eu tenho câmeras). Sabe aquele sono super relaxante de babar? É esse mesmo que ela tem quando está sem mim. 

Tanto é que quando eu chego, ela sai do quarto com a cara toda amassada, na maior paz do Senhor, sem pressa nenhuma de vir falar comigo. Não, a Aurora não faz festa para mim. 

Ela apenas vem me encontrar já na sala, dá um “opa, e aí?!” e segue sua vida. Vai beber água, fazer um xixi, coisas corriqueiras da vida de uma senhora.

Sabe qual é o segredo? A minha relação com ela enquanto estou em casa. Nada de grude, de me seguir ou de depender de mim para executar seus comportamentos naturais. Neste momento, por exemplo, estou escrevendo na varanda, enquanto eu sei lá onde a Aurora está. 

Não, eu não a chamo para ficar comigo. Ela fica e faz o que bem entender, inclusive encontrar um presentinho que eu deixei escondido para ela (um osso com restinho de carne).

Estar comigo é uma opção. Normalmente é o desejo dela após o entardecer. Não me pergunte o porquê. Dormir, ela dorme onde quiser. Às vezes pede para dormir na cama, mas na maioria dos dias prefere ficar roncando na sua caminha no meu quarto. Apesar de outras noites ir dormir na toquinha da sala. Ela tem opções. Escolher o que fazer é algo que traz autoconfiança a ela. 

Claro que ainda tem na rotina muito enriquecimento ambiental, com obstáculos físicos para vencer, alimentos em dispositivos e passeios em locais novos. Sempre que eu posso, levo a locais que eu possa soltá-la para explorar sozinha, sem depender de mim. Autonomia é a palavra.

Como consequência, eu não recebo festinha ao chegar em casa. Mas tenho uma cachorra emocionalmente equilibrada e feliz. Vai me dizer que um ataque de euforia e descontrole é felicidade…

O bem-estar dos nossos peludos está em nossas mãos!

 

Autora: Luiza Cervenka

Luiza Cervenka é bióloga, com mestrado em Psicobiologia (comportamento animal), Pós-graduação em Jornalismo e doutoranda em Medicina Veterinária. Assina o blog Comportamento Animal do Estadão e tem quadro pet no Programa Revista da Manhã na TV Gazeta. Atende cães e gatos como Terapeuta Comportamental.

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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